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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Contracheque e revolução - Percival Puggina

A esquerda brasileira, através de seus partidos e de seus líderes, sabe que os contracheques sustentam o poder e são indispensáveis à sempre sonhada hegemonia revolucionária. Partidos proporcionam contracheques, mas para a esquerda brasileira eles são o termômetro da hegemonia.

Em virtude do nível de infiltração no aparelho estatal, o contracheque do esquerdista militante é fonte do poder paralelo que opera o Estado desde dentro de sua máquina. Foi por esse pavimentado caminho que a esquerda andou rápido e foi longe no Brasil.

Estou falando, por exemplo, do bem conhecido trabalho político de professores.  
Para Paulo Freire era indissociável o trinômio Educação, Conscientização, Engajamento Político. 
Por isso e só por isso ele se tornou patrono da Educação no Brasil. Tem muito contracheque nessa operação! 
Somem-se os contracheques nas universidades – especialmente nas públicas –, no serviço público da União, estados e municípios, nas empresas estatais (cujas privatizações deletam milhares de contracheques revolucionários), nas ONGs, centenas das quais criadas para esse fim, nos poderes de Estado, no jornalismo, nos tantos Conselhos e Associações (sejam de que natureza forem), e, obviamente, nos sindicatos, suas federações e centrais.

Era a estes que eu queria chegar, atraído por um artigo na Gazeta do Povo em que Alexandre Garcia comenta a intenção do governo federal de retornar à obrigatoriedade da contribuição sindical. Escreve ele que “(...) antes da reforma trabalhista, os trabalhadores precisavam ceder, todos os anos, o equivalente a um dia de trabalho aos sindicatos. Só para se ter uma ideia, de janeiro a novembro de 2017, quando a reforma trabalhista passou a valer, os sindicatos receberam R$ 3,05 bilhões em contribuição sindical. Esse valor caiu vertiginosamente, chegando a R$ 65,5 milhões em 2021.

Você tem ideia, leitor, da força de trabalho político e/ou revolucionário que foi desativada com a liberdade de filiação? Liberdade, sim, porque a questão aqui diz respeito a esse imenso bem inerente à condição humana, que se extingue com a obrigatoriedade da filiação e da contribuição sindical.

Espera-se que o Congresso Nacional entenda. A bilionária diferença sairá do  bolso dos trabalhadores brasileiros, de modo compulsório, para servir interesses e proporcionar milhares de contracheques aos partidos de esquerda que dominam o território sindical.

Percival Puggina 

 

segunda-feira, 30 de março de 2020

A pandemia, o sentido da vida e a política - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

Discursos demagógicos não têm efeito sobre os cidadãos, que sentem a ameaça próxima

A pandemia, o isolamento e o medo põem questões que vão mais além das relativas a como levar uma vida “normal”, por produzirem indagações sobre o próprio sentido da vida.  Em situações normais, as pessoas estão preocupadas com as atividades profissionais e domésticas, tal como acontecem no dia a dia. Preocupações básicas são as que regem este tipo de condição: 
a renda, a escola das crianças, a sociabilidade profissional e a familiar, o amor, a amizade, o ir às compras. 
Já em situações como esta que estamos vivendo, as preocupações são de outra ordem: a doença, o medo da morte, a possível falta de mantimentos, a manutenção do emprego, a redução da renda, o isolamento, a pergunta pelo amanhã.

Uma analogia possível é com a condição de guerra. Nesta, a saída abrupta da normalidade é imediatamente sentida: a existência humana é mostrada em sua fragilidade, a emergência toma conta do dia a dia. A morte abrupta surge para cada um como uma realidade, seja ela militar, seja civil. No entanto, os sentimentos e emoções daí resultantes não são necessariamente os mesmos, pois as pessoas não se isolam, mas vêm a cumprir uma função social junto ao Estado, sob a forma da defesa da pátria. A morte ganha, nesse aspecto, sentido.

A morte é uma questão existencial primeira da condição humana, essa que coloca o homem diante do nada, do limite da condição humana. Ela é o horizonte de cada um, por mais que pensemos nela ou não. A significação da morte no fim da vida faz com que as pessoas se preparem para isso, tanto individual quanto familiarmente. Retiram-se progressivamente, planejam pelo testamento a sucessão dos bens, acostumam-se à ideia. Alguns recorrem à religião, acreditando em outra vida. No caso de a morte acontecer numa guerra, ela adquire a significação de que o indivíduo é membro de uma comunidade, sendo assim compreendida pelo Estado e pelos seus próximos. No momento, porém, em que a redução do ciclo natural se dá sob a forma de uma doença coletiva, é como se o sem sentido ganhasse a forma do absurdo.

Uma significação que surge no contexto de pandemia é a de a pessoa sentir-se abandonada pela vida, abandonada por aqueles que com ela conviviam, salvo os que terminam compartilhando a mesma reclusão. Uma expressão do abandono é a solicitude e a introspecção. O mundo torna-se uma ameaça. Há formas de mitigação, como o telefone e as redes sociais, que tornam viável um modo de substituição da presença física. Mas há algo aqui que faz enorme diferença: a presença física do outro, o olhar, o toque, a expressão física do sentimento. O beijo e o abraço desaparecem.

As pessoas reclusas sentem necessidade dos seus. Algumas ficam mais vulneráveis por viverem sozinhas, outras se agrupam em seus núcleos familiares mais próximos, em todo caso o seu número deve ser necessariamente reduzido. Outras que vivem na miséria têm esses sentimentos ainda mais potencializados. O contato presencial das pessoas, para além desses núcleos, é rompido. Em seu lugar surgem outros instrumentos de comunicação, as redes sociais obtendo aí protagonismo maior. Acontece, contudo, que a comunicação virtual entre as pessoas passa a ser mediada por outro tipo de comunicação, a social/digital, que se faz por notícias e informações.

Do ponto de vista da informação, tudo vale nas redes sociais, notícias verídicas como falsas. As redes podem, assim, tornar-se instrumentos poderosos de desinformação, divulgando o que se denomina fake news, tendo como objetivo aumentar a insegurança das pessoas, tornando-as ainda mais vulneráveis. O descontrole pode adquirir uma conotação política, alheia à saúde pública.

A faceta política do medo da morte e do abandono consiste numa presença maior do Estado como provedor da segurança perdida, enquanto possível solução de uma morte prematura e do abandono. Numa situação de epidemia, as pessoas tendem a pedir a intervenção do Estado, fornecendo-lhes condições de existência. Na guerra, o Estado toma a decisão de atacar outro país ou de se defender; na epidemia, a sociedade é atacada por um inimigo invisível, sem que o Estado nada tenha podido fazer.

O coronavírus, nova versão, é um inimigo que se expande, se infiltra e ameaça a vida de cada um. Desconhece fronteiras e não aceita nenhum controle estatal. Não tem medo de nada, embora faça medo a todos. Tem a forma do invisível, que só é sentido quando toma conta do corpo das pessoas. Palavras não têm sobre ele nenhum efeito, apenas medidas concretas.

Eis por que discursos demagógicos não têm sobre ele nenhum efeito, tampouco sobre os cidadãos, que sentem a sua ameaça próxima. Leem e escutam sobre o número crescente de mortos, de infectados, e se perguntam se não serão eles os próximos. Não podem, evidentemente, compreender que se possa tratar de uma “histeria”, de uma “fantasia”, pois a presença do inimigo invisível é real. Discursos técnicos, sensatos, de combate à doença tomam o lugar da demagogia, por serem eficazes nesta luta, os cidadãos podendo neles se reconhecer.

Denis Lerrer RosenfieldProfessor de filosofia - O Estado de S. Paulo

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Moro lança mais uma pá de cal sobre a sepultura da intercePTação fracassada = 'o escândalo que encolheu'

[Cada depoimento de Moro ao Congresso, equivale a uma pá de cal sobre a sepultura do 'o escândalo que encolheu', parido pela intercePTação fracassada]

“Moro construiu sua imagem pública sobre os pilares do mito do herói de Homero: a grandiosidade e a singularidade. Aspirava à imortalidade, comportava-se como um semideus da Justiça”

O “homem cordial”, de Sérgio Buarque de Holanda, não é bem aquilo que o senso comum deduz à primeira vez que se depara com o conceito-chave de sua obra seminal, Raízes do Brasil. A expressão “cordial” não indica apenas bons modos e gentileza, vem de “cordis”, em latim, ou seja, relativo a coração. Para Buarque, o brasileiro não suporta o peso da própria individualidade, precisa “viver nos outros”. A apropriação afetiva do outro seria um artifício psicológico e comportamental predominante na sociedade brasileira, parte integrante do nosso processo civilizatório.

A cordialidade “pode iludir na aparência”, explica Buarque. A polidez do “homem cordial” é organização da defesa ante a sociedade. “Detém-se na parte exterior, epidérmica, do indivíduo, podendo mesmo servir, quando necessário, de peça de resistência. Equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar inatas suas sensibilidades e suas emoções.” O brasileiro dispensa as formalidades, pretende estreitar as distâncias, não suporta a indiferença, prefere ser amado ou odiado.

Em grande parte, a “fulanização” da política brasileira vem desse viés antropológico, embora nossas instituições políticas sejam surpreendentemente robustas, como destacou recentemente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao comentar a relação do presidente Jair Bolsonaro com o Legislativo: os partidos são fracos, mas o Congresso é forte. De certa maneira, as redes sociais potencializaram essas características do “homem cordial”. Num primeiro momento, nas relações interpessoais; depois, no processo político, principalmente nas disputas eleitorais.
Bolsonaro e sua antítese, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi condenado e está preso, exacerbam essas características da política brasileira. Ambos flertam com o populismo, buscam aproximação afetiva com aliados e eleitores, protagonizam a exacerbação das paixões políticas. Ambos se enquadram no “tipo ideal” da obra de Sérgio Buarque, se analisarmos com esse olhar o papel de cada um na vida nacional.

E o ministro da Justiça, Sérgio Moro, que ontem estava sendo sabatinado na Câmara, por sua atuação heterodoxa, digamos assim, na Operação Lava-Jato? Pelas próprias características de seu trabalho como juiz federal, seu comportamento formal e circunspecto não se enquadra nesse tipo ideal do “homem cordial”. Ou melhor, não se enquadrava, até serem reveladas as conversas que mantinha com os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato.

O semideus
Moro construiu sua imagem pública sobre os pilares do mito do herói da Ilíada de Homero: a grandiosidade e a singularidade. Aspirava à imortalidade, comportava-se como um semideus da Justiça. Mas tinha uma existência verdadeira, que pressupõe também a volta para casa, a vida normal — até que a situação exigisse outro gesto glorioso e individual, de grande bravura. O herói semideus faz coisas sobre-humanas, mas não é imortal.

A filósofa Hannah Arendt, em A Condição Humana, discorrendo sobre o mito do herói, destaca que a sua coragem antecede as grandes batalhas, tem a ver com disposição de agir e falar, se inserir no mundo e começar uma história própria. O herói não é necessariamente o homem de grandes feitos, equivalente a um semideus; pode ser um indivíduo comum que se insere e se destaca no mundo por meio do discurso e da ação. O herói é sempre aquele que se move quando os outros estão paralisados. Precisa fazer aquilo que outro poderia ter feito, mas não fez; ou melhor, o que deixaram de fazer.


Moro se tornou uma personalidade nacional graças à Lava-Jato, na qual só se pronunciava nos autos. Mas era aplaudido e cumprimentado nas ruas. Representava os órgãos de controle do Estado e a ética da responsabilidade, que zelam pela legitimidade dos meios empregados na ação política. Cumpriu um papel estratégico na luta em defesa da ética na política, vetor decisivo para o resultado das eleições passadas. Contra Moro, Lula não tinha a menor chance; seria preso, como foi, pelo juiz durão.

Depois das eleições, convidado por Bolsonaro para ser ministro da Justiça, Moro manteve-se na crista da onda, mas deixou de ser o juiz “imparcial”. Esse atributo agora foi posto em xeque. As revelações do site The Intercept Brasil sobre supostas trocas de mensagens entre Moro e procuradores da Lava-Jato em Curitiba sugerem a intervenção indevida do então juiz federal na condução da operação, inclusive com a indicação de possíveis testemunhas. O cristal de seu pedestal de herói foi trincado por conversas banais nas redes sociais. O mito do herói ainda sobrevive, mas já não é a mesma coisa: Moro virou um político, sujeito a todos os ritos da luta política e do jogo democrático. A vida real está revelando a face oculta de mais um “homem cordial”.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Como gado para o abatedouro?

Se um direito é natural, inerente à condição humana, o Estado pode não o reconhecer, mas ele não deixa de existir.

No Brasil de 2017, a posse e o porte de armas deveria ser objeto de clamor nacional ante o Estado omisso no cumprimento das obrigações.

Quem se alinha com teses sempre desastrosas, como os defensores do desarmamento, por exemplo, senta-se sobre o lado esquerdo do traseiro. Por que será? As exceções são tão raras que não ocupam lugar na arquibancada dos fatos sociais. Não contentes com fincarem pé nos fracassos, nem com andarem por aí arredondando pilar quadrado até que a casa caia, esse pessoal se esmera em espancar o bom conselho e em desqualificar a divergência. Você é contra o desarmamento? Então você é raivoso, da turma da bala; está a serviço da indústria da guerra. Potencialmente, um assassino de aluguel.



No entanto, a entrega compulsória de todas as armas das pessoas de bem tem lugar de merecido destaque na lista das iniciativas absurdas e maléficas já adotadas em nosso país. Responde, diretamente, pelo aumento da criminalidade, tanto em razão do quantitativo quanto da desfaçatez com que os bandidos passaram a agir nos mais variados ambientes e circunstâncias. Percebem-se – e de fato são – “donos do pedaço”, tocadores de gado para o abatedouro ou para o brete da marcação. Rapidamente vamos adquirindo destreza em preencher boletins de ocorrência, aos quais já tratamos na intimidade como "os meus BOs".

Nós, os conservadores, e boa parte dos liberais, cremos que a pessoa humana é titular de direitos aos quais denominamos naturais. Entre eles, o direito à vida, à liberdade e à propriedade dos bens legitimamente havidos. Para os estatistas, socialistas, comunistas e outros totalitários em geral, as coisas não são assim. Entendem que os direitos nos são dados pelo Estado, motivo por que, fonte de todos os direitos, ele se torna, simultaneamente, objeto de reverência e de assédio. Estados vão à falência por conta do assédio. Sociedades são escravizadas por conta da reverência.

O leitor destas linhas pode estar pensando: “Mas se o Estado diz que eu não posso isto ou aquilo, na prática eu não posso mesmo; na prática eu não tenho tais direitos". Ora, se um direito é natural, inerente à condição humana, o Estado pode não o reconhecer, mas ele não deixa de existir. Os criminosos sentenciados têm a liberdade justificadamente tolhida; os presos políticos em regimes não democráticos, tem a liberdade injustificadamente contida. Mas o direito? Ah, o direito permanece na pessoa!

Isso é tão significativo quanto objeto de abuso. Se olharmos a pauta das postulações daqueles corpos políticos a que me referi no início, veremos que atuam invocando o reconhecimento de supostos direitos que seriam naturais aos grupos que manipulam. Normalmente, não são. Pois bem, a turma das teses desastrosas acabou, simultaneamente, com o sistema penitenciário e com a possibilidade de dar devida vigência repressiva ao Código Penal. A realidade social evidencia que já há mais criminosos soltos do que presos. As baixas contabilizadas pelas estatísticas são indicativas de estado de guerra, e de guerra sangrenta. Em tais condições, nosso direito à vida não pode ser preservado, defendido ou exercido na ausência de legítimo e proporcional direito de defesa. No Brasil de 2017, a posse e o porte de armas deveria ser objeto de clamor nacional ante o Estado omisso no cumprimento das obrigações. Esse não cumprimento se torna ainda mais grave quando, simultaneamente, nos recusa o direito à posse e ao porte de armas de defesa pessoal. Como gado para o abatedouro, não!

Fonte: Percival Puggina - http://puggina.org