J. R. Guzzo
Logo depois de deixar o STF, Lewandowski entrou na equipe de advogados da J&F, que disputa uma causa de R$ 15 bilhões na Justiça brasileira, e agora é ministro do governo; qual a imparcialidade que se pode esperar da máquina do Estado brasileiro?
Ricardo Lewandowski é um dos fenômenos da democracia brasileira. Não poderia ter sido nomeado para o cargo de ministro do STF,
onde ficou durante dezessete anos – todo o seu saber jurídico, naquela
altura, consistia num desses cargos de desembargador que nunca prestaram
concurso para juiz de direito e na recomendação da esposa do presidente
Lula na época, Marisa Letícia.
Tendo sido ministro do STF, não poderia ser contratado cinco minutos
depois de se aposentar por uma empresa que disputa neste momento uma
causa de R$ 15 bilhões na Justiça brasileira; só os honorários dos
advogados da parte que sair vencedora serão de 600 milhões de reais.
Tendo sido advogado da empresa em questão, não poderia ser nomeado agora para ministro da Justiça do governo Lula.
É possível, sinceramente, achar alguma coisa certa em qualquer dessas
situações?
Não é, mas foi exatamente isso o que aconteceu.
O
novo ministro da Justiça é um conflito de interesses ambulante.
Deveria, pelas regras básicas do manual jurídico de boa conduta, estar
em quarentena após quase duas décadas no STF.
Em vez disso entrou em
abril de 2023, menos de uma semana após deixar o tribunal, na equipe de
advogados da J&F
– a empresa dos irmãos Batista que, entre outras coisas, assinou em
2017 um acordo de leniência para se livrar de processos penais por
corrupção ativa.
A J&F, então, concordou em recolher 10 bilhões de
reais ao Erário Público para não se falar mais do assunto.
Hoje está
livre dos processos e da multa: o ministro Dias Toffoli, sob a alegação de que a J&F “não tinha certeza” de que queria assinar mesmo o acordo, decidiu agora em dezembro anular a multa da empresa defendida pelo ex-colega de STF.
Resolvida esta questão, Lewandowski estava trabalhando para livrar a
J&F de um negócio fechado também em 2017 – e que ela vem tentando
desmanchar há anos.
Na ocasião, apertada pelos seus enroscos com a
justiça penal, a empresa dos irmãos Batista vendeu a indústria Eldorado,
um dos gigantes da celulose brasileira, para a Paper Excellence da
Indonésia.
Vendeu, mas não entregou – e agora não quer mais vender nem
entregar.
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Qual
a imparcialidade que se pode esperar do STF se os irmãos Batista
levarem a causa até lá?
E da máquina do Estado brasileiro, com
Lewandowski na cadeira de ministro da Justiça?
É mais um passo na
escalada para baixo do Judiciário nacional.
No perdão da multa de 10 bi,
a mulher de Toffoli fez parte da equipe de defesa da J&F. Pode
isso?
Agora o recém advogado da empresa é o ministro da Justiça.
Não é
normal – mas tudo o que se discute é a “engenharia política” da
nomeação. E o resto? É só o resto.
J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo