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sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Corte de Haia determina que Israel tome medidas contra 'atos de genocídio' em Gaza ... - O Globo

A Corte Internacional de Justiça (CIJ) declarou nesta sexta-feira que a operação militar de Israel contra Gaza representa um risco plausível de danos irreversíveis e imediatos à população palestina em Gaza, determinando que o Estado judeu tome todas as medidas em seu poder para evitar violações da Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio, de 1948, e permita a entrada de ajuda humanitária no enclave palestino.

A determinação não é um reconhecimento da prática de crime de genocídio por Israel — o que poderá ou não ser determinado apenas ao fim do julgamento do mérito do processo, que pode levar anos — e não atende à principal medida cautelar solicitada pela África do Sul, que pedia o fim da operação militar contra Gaza. 
Apesar disso, as medidas provisórias, que incluem o pedido para que Israel informe a Corte em 30 dias sobre seus esforços para cumprir suas determinações, pareceram uma repreensão para os israelenses e uma vitória moral para os palestinos.

— O Estado de Israel deve, em acordo com suas obrigações sob a Convenção Sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, em relação aos palestinos em Gaza, tomar todas as medidas em seu poder para prevenir o cometimento de todos os atos descritos no Artigo 2º da convenção — declarou a presidente da corte, a americana Joan Donoghue.

O artigo mencionado pela jurista na decisão define genocídio como os seguintes atos, desde que cometidos com a intenção de destruir "no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso": a) matar membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condição de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio de grupo; e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.

A corte também disse que estar "gravemente preocupada" com o bem-estar de mais de 200 pessoas feitas reféns pelo Hamas durante os ataques de 7 de outubro de 2023, que deixaram 1,2 mil mortos, e pediu sua imediata libertação. A resposta de retaliação de Israel em Gaza já deixou mais de 26 mil mortos, segundo o Ministério de Saúde de Gaza, território que é controlado pelo Hamas desde 2007.

Veja as medidas cautelares determinadas pelo CIJ a Israel:

  • Tomar todas as medidas em seu poder para prevenir o cometimento de todos os atos descritos no Artigo 2º da convenção;
  • garantir, imediatamente, que seus militares não cometam nenhum ato descrito como genocídio pela convenção;
  • tomar todas as medidas para prevenir e punir incitações diretas e públicas sobre cometimento de genocídio em relação aos palestinos em Gaza;
  • tomar medidas efetivas para prevenir a destruição e garantir a preservação de evidências relacionadas a atos de genocídio contra palestinos em Gaza.;
  • submeter um relatório à Corte, dentro de um mês, mostrando o que fez para garantir que as medidas cautelares estão sendo colocadas em prática.

Todas as medidas cautelares determinadas pela Corte foram alcançadas por ampla maioria entre os juízes (por 16 votos a favor e 1 contra ou 15 a favor e 2 contra).

'Baita símbolo'

Para muitos israelenses, o fato de um Estado fundado após um genocídio ser acusado de outro é um "baita símbolo", disse ao New York Times Alon Pinkas, um comentarista político israelense e ex-embaixador.— Só o fato de sermos mencionados na mesma frase em que o conceito de genocídio é citado, não mesmo atrocidade, força desproporcional, crime de guerra, mas genocídio, é extremamente desconfortável — disse Pinkas.

Para muitos palestinos, apesar de a intervenção da CIJ trazer pouco alívio prático, há um breve sentimento de validação à sua causa, especialmente considerando-se que, sob sua perspectiva, Israel raramente é obrigado a prestar contas de suas ações. — A matança e a destruição continuam — disse Hanan Ashrawi, uma ex-autoridade palestina. — [Mas a decisão reflete] uma séria transformação na forma de percepção e tratamento de Israel globalmente: está prestando contas pela primeira vez, e perante a mais alta corte e por uma decisão quase unânime.

Contudo, para muitos israelenses, o mundo impõe a Israel um padrão mais alto do que à maioria dos outros países, com as determinações da CIJ parecendo o exemplo mais recente de preconceito contra o país em um fórum internacional. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, reagiu à decisão classificando como "escandaloso" o caso de genocídio movido pela África do Sul. "A acusação de genocídio levantada contra Israel não é apenas falsa, é escandalosa, e pessoas decentes em todo o mundo deveriam rejeitá-la", disse em um vídeo.

A liderança do Hamas classificou a decisão como "importante" e disse contribuir para "isolar Israel e expor seus crimes em Gaza". A Autoridade Nacional Palestina afirmou que a decisão da CIJ mostra que "nenhum Estado está acima da lei". Os Estados Unidos, por sua vez, reiteraram sua posição de que as alegações de genocídio são "infundadas".

A África do Sul saudou as medidas provisórias ordenadas pela CIJ chamando-as de "uma vitória decisiva para o Estado de Direito internacional e um marco significativo na busca de justiça para o povo palestino".

“Em uma decisão histórica, a Corte Internacional de Justiça determinou que as ações de Israel em Gaza são plausivelmente genocidas e indicou medidas provisórias com base nisso”, diz o comunicado. "A África do Sul continuará a agir no âmbito das instituições de governança global para proteger os direitos, incluindo o direito fundamental à vida, dos palestinos em Gaza — que continuam em risco urgente, incluindo devido ao ataque militar israelense, à fome e às doenças — e para obter a aplicação justa e igualitária do direito internacional a todos."

Contexto da acusação

A acusação de genocídio contra Israel foi apresentada pela África do Sul no ano passado e começou a ser avaliada pelo tribunal internacional há duas semanas. 
Pretória acusa o Estado judeu de violações à Convenção sobre Genocídio durante a operação militar em Gaza. 
Israel já classificou o caso publicamente como difamação, e líderes políticos, como Netanyahu, puseram em dúvida o cumprimento de uma eventual decisão desfavorável. — Ninguém vai nos parar, nem Haia [sede da CIJ], nem o Eixo do Mal [Irã e grupos e países aliados no Oriente Médio] nem ninguém — afirmou o primeiro-ministro israelense em 14 de janeiro, dois dias depois de a defesa do país apresentar seus argumentos na CIJ.

A equipe jurídica sul-africana apresentou a denúncia na sede do tribunal, em Haia, em 11 de janeiro. O cerne da acusação foi demonstrar que o governo israelense teria demonstrado "intenção genocida" ao lançar sua operação contra Gaza. Para isso, os juristas apresentaram imagens da destruição e do impacto civil provocado pelas forças de Israel em Gaza, além de declarações públicas de autoridades do país que, sob a tese sul-africana, comprovam que houve uma tentativa de desumanizar o povo palestino e de sinalizar sua eliminação.

A África do Sul solicitou que a corte declarasse a suspensão das operações militares israelenses "em" e "contra" Gaza; a garantia de que os militares israelenses (ou quaisquer forças relacionadas) parassem as operações ofensivas; o fim do assassinato e deslocamento do povo palestino; a normalização do acesso a alimentos, água, infraestrutura e saúde; e que Israel tomasse "todas as medidas razoáveis ao seu alcance" para prevenir um genocídio.

Israel rebateu as acusações um dia depois da apresentação do caso pela África do Sul. A defesa tentou descaracterizar o argumento da acusação de que houve tentativa deliberada de destruição do povo palestino, apresentando a tese jurídica de que os impactos provocados por uma ação militar a civis não é o mesmo que o crime de genocídio.

Na quinta-feira, o New York Times revelou que Israel, como parte de sua defesa, apresentou à CIJ mais de 30 ordens antes secretas dadas por líderes governamentais e militares que, diz, mostrariam os esforços do país para diminuir as mortes entre os civis no enclave palestino.

Além disso, a equipe israelense também exibiu imagens da violência cometida pelo Hamas durante os ataques de 7 de outubro a Israel e acusou a equipe sul-africana de apresentar uma visão "totalmente distorcida" e manipuladora sobre os fatos ocorridos na região.

A decisão desta sexta-feira é apenas a primeira dentro de um processo que deve se arrastar por anos. A CIJ ainda precisa julgar o conteúdo material da acusação, ou seja, a suposta responsabilidade do Estado de Israel em crime de genocídio, para além das medidas emergenciais pedidas pela África do Sul.

De acordo com Sylvia Steiner, ex-juíza do Tribunal Penal Internacional (TPI), também em Haia, há diferentes desafios das cortes internacionais para determinar a responsabilidade em um caso de genocídio, em que a intenção de dizimar um grupo precisa ser evidente.— Aquilo que no começo do conflito a gente já dizia que se tratava de crimes de guerra, agora se alega que esses crimes de guerra têm um objetivo genocida — explicou ao GLOBO Steiner, única brasileira a já ter integrado o TPI. — Existem desafios de diferente natureza para provar o genocídio em uma corte internacional. No TPI, o mais difícil é determinar a responsabilidade penal individual, como o dolo e o nexo de causalidade entre as ações e o resultado. Por outro lado, determinar a responsabilidade do Estado, como a África do Sul está fazendo, é mais fácil pelo número de provas que podem ser coletadas.

Em Mundo - O Globo  - MATÉRIA COMPLETA

 

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Lei - O que é crime de genocídio?

Thaméa Danelon

Um olhar sobre a corrupção

Relator da CPI da Covid, Renan Calheiros, vai imputar o crime de genocídio ao presidente Jair Bolsonaro por causa da mortes de indígenas durante a pandemia [Atualizando: ia imputar; o senador Omar, também da Covidão, enquadrou o relator Calheiros quando perguntou onde, quando, como, quantos índios morreram, quais testemunhas e onde estavam os cadáveres ???  
O senador enquadrado desistiu e absolveu Bolsonaro da acusação. Será que Renan prevaricou?]

A CPI da Covid está aventando a possibilidade de indiciar o presidente da República pela prática do crime de genocídio, dentre outras infrações. Assim, é importante termos conhecimento sobre o que seria esse crime que vem sendo tão falado ultimamente.  O crime de genocídio está previsto na Lei nº 2.889, de 1956. De acordo com essa norma, pratica genocídio aquele que mata diversas pessoas com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.

O crime de genocídio também ocorre não apenas com o intuito de matar pessoas desses grupos, mas também em outras situações, como, por exemplo, na prática de lesões graves à integridade física e mental desses membros; quando são submetidos a condições de existência capazes de ocasionar sua destruição física; na hipótese de adoção de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio desses grupos; e até mesmo quando se efetua transferências forçadas de crianças de um grupo para outro.

De acordo com a definição da ONU, genocídio é o extermínio deliberado de um povo por razões étnicas, militares, religiosas ou culturais. Ao longo da história mundial, nos deparamos, infelizmente, com diversos atos de genocídio.  Durante a Segunda Guerra Mundial, 5 milhões de judeus foram mortos por atos do regime nazista de Hitler; de 1958 a 1969, o líder comunista Mao foi o responsável pela morte de 60 milhões de pessoas na China e no Tibete. Nas décadas de 1930 e 1940 o regime soviete de Stalin resultou na morte por falta de alimentos de 20 milhões de pessoas na Ucrânia e no Cazaquistão, dentre outros episódios extremamente lastimáveis.

No Brasil, nossa legislação preconiza que ocorrerá o genocídio quando a finalidade do genocida é exterminar um grupo nacional, racial, étnico ou religioso; assim, deve estar plenamente demonstrado que o objetivo do criminoso é a destruição de um desses grupos. Quando a CPI veicula que o presidente da República poderá ser indiciado por genocídio de indígenas, seus membros que assim concordam entendem que a finalidade do chefe do Executivo era destruir esse grupo. Entretanto, essa conclusão não me parece a mais adequada, pois seria necessário que houvesse um nexo de causalidade, ou seja, uma co-relação entre a conduta praticada pelo suposto genocida e o resultado morte ocorrido.

Para muitos senadores, o fato de o presidente não incentivar o uso de máscaras e não estimular os brasileiros a se vacinarem teria aumentado o número de mortes por Covid-19. No entanto, não me parece que esteja demonstrada essa ligação entre a sua conduta e os números de falecimentos. Ademais, não podemos perder de vista que para se caracterizar o crime de genocídio é essencial que seja demonstrado e comprovado o dolo, ou seja, a intenção em destruir no todo ou em parte determinado grupo.

A mesma linha de raciocínio é também aplicada ao crime de homicídio. Para a configuração desse delito é imprescindível que esteja demonstrada a vontade de matar; ou seja, a intenção do agente (criminoso) em obter o resultado final desse crime — a morte.

Claro que as pessoas apresentam liberdade para criticar eventuais posturas adotadas pelo presidente no âmbito da pandemia, mas vir a classificá-lo como genocida ou homicida é uma imputação extremamente atécnica e hiperbólica, e que banaliza por demais o crime de genocídio sofrido por milhões de pessoas no mundo.

Thaméa Danelon, colunista - Gazeta do Povo - VOZES