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sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Os devotos da ditadura - J. R. Guzzo

Revista Oeste

O TSE usou de modo ilícito suas funções na máquina pública para submeter 215 milhões de brasileiros a um flagrante regime de exceção 

 Jornalistas da Globo comemoram a vitória de Lula nas urnas  | Foto: Montagem Revista Oeste/Reprodução

Jornalistas da Globo comemoram a vitória de Lula nas urnas | Foto: Montagem Revista Oeste/Reprodução 

A ditadura judiciária imposta ao Brasil pelo STF em geral, e pelo ministro Alexandre de Moraes em particular, é o maior escândalo jamais registrado na história política do país.  
Não há precedentes de que algo assim tenha acontecido, em qualquer época: um grupo de nove pessoas, que não foi eleito por ninguém e não dispõe nem de um busca-pé como arma de fogo, usou de modo ilícito suas funções na máquina pública para submeter 215 milhões de brasileiros a um flagrante regime de exceção, violando de maneira sistemática, viciosa e agressiva a Constituição Federal e a legislação em vigor, as liberdades públicas e os direitos individuais. 
 
É bem sabido, objetivamente, por que uma aberração desse tamanho aconteceu. As coisas só ficaram do jeito que estão por causa da passividade do Senado, que tem a obrigação legal de impedir que o Supremo faça o que tem feito há pelo menos quatro anos, e das Forças Armadas, para quem a Constituição impôs o dever de defender o Estado de direito e as instituições nacionais se elas forem ameaçadas — e ninguém ameaçou mais as instituições, de 2018 para cá, do que o STF.  
Nem um nem outro fez nada; os ministros foram em frente, sem encontrar resistência nenhuma, e o resultado está aí. Menos mencionada, em tudo isso, é uma outra realidade. O STF e o ministro contam com um imenso apoio para a aventura em que enfiaram o Brasil — e isso foi decisivo, também, para a implantação da ditadura que existe hoje no país.
jantar reúne senadores e ministros do STF
Rodrigo Pacheco, [o omisso] presidente do Senado -
Foto: Antonio Molina/Estadão Conteúdo
Começa pelo mundo político. Houve uma ou outra oposição, aqui e ali, mas o fato é que a grande maioria dos políticos brasileiros apoia o Supremo e Moraes, por ação ou omissão
Não é preciso perder muito tempo arrumando explicações complicadas para coisas simples: basta constatar que a Câmara dos Deputados aceitou sem dar um pio a prisão, por nove meses, de um deputado federal. Foi absolutamente ilegal. 
O deputado não cometeu nenhum crime inafiançável e nem foi preso em flagrante, as únicas condições em que a legislação brasileira permite a prisão de um parlamentar eleito — mas a Câmara, no plano dos fatos, apoiou a decisão do ministro, como apoia o seu inquérito perpétuo e totalmente fora da lei para punir o que ele chama de “atos antidemocráticos”. 
Não se sabe de nada parecido em nenhum parlamento de país sério, em qualquer lugar do mundo.  
Se engolir uma agressão dessas proporções não é dar apoio, então o que seria? 
Na mesma linha, e já no terreno da alucinação, um deputado propôs a construção de estátuas de Alexandre Moraes em todas as praças do país. [foi o deputado por Brasília, vulgo Chico /Gambiarra.] Precisa dizer mais alguma coisa?

Mesmo quando impôs a censura prévia durante a campanha eleitoral, Alexandre de Moraes foi aplaudido como um herói pelos jornalistas

O STF conta também com a adesão extremada da maior parte da mídia, e certamente da totalidade dos veículos da imprensa tradicional de São Paulo e do Rio de Janeiro — a única à qual ainda se atribui algum valor hoje em dia. 
O ministro Moraes, em especial, foi canonizado pelos jornalistas como o salvador da democracia no Brasil. Mesmo quando impôs a censura prévia durante a campanha eleitoral, algo que não apenas destrói a liberdade de expressão essencial para o exercício do jornalismo, mas é expressamente proibido por lei, foi aplaudido como um herói. 
Houve uma ou outra objeção murmurada em editoriais aqui e ali, quase que pedindo desculpas, mas o fato é que Moraes tem a aprovação praticamente unânime da imprensa brasileira que jogou o tempo todo junto com ele na sua guerra de extermínio contra o presidente Jair Bolsonaro, e que já se prepara para receber do governo Lula, a partir de janeiro, os bilhões necessários para resolver suas dificuldades de caixa. 
 Jornalistas, em geral, tomam cuidado quando falam bem de alguém como o ministro — pode pegar mal, não é? No caso, porém, a prudência foi para o espaço, e a bajulação a Moraes é a mais agressiva na memória recente dos meios de comunicação deste país.

Apoia o STF, obviamente, tudo o que tem alguma coisa a ver com Lula e com seu futuro governo. É uma relação de troca. 
Até agora, o Supremo serviu diretamente ao projeto de Lula: tirou o ex-presidente da cadeia, anulou suas condenações na justiça, sumiu com a sua ficha suja e, por fim, interferiu maciçamente a seu favor na campanha eleitoral. 
A partir de agora vai continuar servindo, mas com toda a força da máquina estatal a seu favor. No mesmo bonde estão o aparelho da “sociedade civil” diretoria da OAB, bispos católicos etc. etc. etc. —, as classes intelectuais em peso e tudo o que pode ser descrito como “esquerda” neste país, incluindo os liberais do “centro civilizado”, banqueiros de investimento e bilionários que deram a si próprios, nestes últimos tempos, graves angústias e deveres sociais. 
Enfim, para completar a multidão (há mais gente, mas dá para ir ficando por aqui mesmo), existe o apoio incondicional do exterior. Para os que mandam nas democracias da Europa, dos Estados Unidos e seus subúrbios, o STF não pode fazer nada de errado. 
Seria curioso saber o que aconteceria se alguém soubesse, ali, 10% do que Moraes tem feito da proibição de dizer que Lula foi condenado pelos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, até mandar a polícia sair à caça de um grupo de WhatsApp às 6 horas da manhã. Mas ninguém quer saber de nada. Nossa “suprema corte”, para as elites do Primeiro Mundo, “salvou o Brasil de Bolsonaro” — e isso não tem preço. [de qualquer forma, ousamos recomendar prudência aos supremos ministros que falarão sobre LIBERDADE e DEMOCRACIA em um seminário em Nova York, que sejam prudentes, comedidos em suas palavras, pois se lá - país  que respeita os direitos fundamentais - defenderem a DEMOCRACIA que praticam no Brasil, correm o risco de seus microfones serem cortados.]

Quer dizer: Bolsonaro é ruim, Maduro é lindo, o mundo volta a ser feliz e o STF, comandado pelo ministro Moraes, salvou a todos

Está tudo certíssimo e registrado em papelório oficial, naturalmente. A comissão internacional que veio para cá com o propósito de observar a honestidade da eleição decretou para o mundo, meio minuto depois do TSE anunciar o resultado, e sem apelação, que estava tudo perfeito com a votação e a apuração comandadas pela “justiça eleitoral”. [só não ousaram recomendar para seus países, alguns deles democracias tradicionais e incluídas entres as maiores do mundo, que criassem uma  Justiça Eleitoral. Certamente, a sugestão de tal criação, por ser o sugerido desnecessário,  seria ignorada.]  

Não fiscalizou, nem investigou e nem perguntou nada. Dezenas ou centenas de urnas com zero votos para Bolsonaro, ou só 1? 
Nenhum interesse da comissão. Censura? O que é isso? Interferência grosseira do TSE em favor de Lula na campanha eleitoral? Não vem ao caso. É tudo uma festa. A mídia internacional, como a brasileira, achou a eleição impecável — o Brasil, pela combinação dos valores democráticos de Lula e da coragem do STF em “enfrentar” Bolsonaro, foi salvo do “populismo de direita”. 
Governos europeus que vivem em estado de histeria permanente em relação ao “clima” e ao “planeta” reabriram os fundos que haviam suspendido seus desembolsos no Brasil volta tudo, agora, para o caixa das ONGs “ambientais”. A Amazônia “está salva”: Bolsonaro vai embora, todos os problemas vão sumir no dia 1º de janeiro de 2023, dos incêndios ao garimpo ilegal, e o STF foi essencial para se conseguir isso. Ou seja, além de salvar a democracia, o Supremo salvou também as reservas de oxigênio existentes no sistema solar.
ministros do stf
Dez dos 11 ministros do STF recebem Lula na sede da Corte, 
em Brasília, para uma conversa que durou 50 minutos – 9/11/2022 - 
 Foto: Divulgação

É tudo uma palhaçada gigante. Bolsonaro, que se prepara para deixar o governo após o seu mandato legal de quatro anos, é um perigoso ditador que foi barrado por Lula e pelo STF. Nicolás Maduro, que é um ditador de verdade, desses que nunca mais vão sair do governo, é abraçado com açúcar e com afeto pelo antibolsonarista número 1 da Europa, o presidente François Macron, da França. 

 Quer dizer: Bolsonaro é ruim, Maduro é lindo, o mundo volta a ser feliz e o STF, comandado pelo ministro Moraes, salvou a todos. 

Macron provavelmente não tem a menor ideia de quem é Alexandre Moraes; mas, se ficar sabendo que o ministro é mais contra Bolsonaro do que o próprio Lula, pode acabar lhe dando a Legião de Honra
Da mesma forma, a elite americana se prepara para mostrar ao mundo que está ao lado do STF: seis ministros, nada menos que seis, e Alexandre de Moraes no papel de grande chefe de todos, estarão num evento em Nova York nos dias 14 e 15 de novembro, onde serão homenageados como colossos da democracia universal. 
A coisa se chama “O Brasil e o Respeito à Democracia e a Liberdade” — isso mesmo “liberdade”, que nunca esteve pior do que está hoje, e por culpa justamente do STF e Moraes
Ninguém ali, obviamente, vai perguntar sobre processos em que os cidadãos não sabem do que estão sendo acusados. 
Nem sobre o economista Marcos Cintra, que fez uma sugestão ao TSE e foi intimado a comparecer à polícia para explicar possível “crime eleitoral”. Nem sobre a “desmonetização” de comunicadores que estão na lista negra do Supremo, e nem sobre coisa nenhuma.

Há, além disso, o puro desvario da viagem, da comemoração e de tudo o mais. Imaginem se um grupo de seis juízes das cortes superiores dos Estados Unidos, ou da França, ou da Alemanha, ou de qualquer país considerado adulto, viesse ao Brasil, ou fosse a qualquer lugar do mundo, para fazer uma coisa dessas — falar de política e fazer propaganda dos seus próprios méritos. É demência em estado puro. O STF ama fazer de conta que é a Suprema Corte americana; cada dia fica mais parecida com Alexandre Moraes.  
Vão continuar como estão, é claro, ou buscar novos extremos. 
Mudar para quê? Em time que está ganhando não se mexe.

Leia também “O Brasil da desordem”

J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste

sábado, 27 de fevereiro de 2021

A imunidade, a impunidade e a bandidagem - Notas & Informações

Um Estado Democrático de Direito protege necessariamente os membros do Legislativo. Não há Congresso independente se os parlamentares estão expostos a pressões do Executivo ou do Judiciário. Por isso, a Constituição de 1988, em seu objetivo de restabelecer de forma plena o regime democrático no País, previu um conjunto de garantias a deputados e senadores.

Há previsão de foro privilegiado _ “deputados e senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal (STF)” – e de específica imunidade a proteger a liberdade de opinião e expressão dos parlamentares “deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.[o termo quaisquer abrange xingar a mãe, usar palavra chulas, etc, etc.]

Além disso, os membros do Congresso só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável. E mesmo nesse caso, cabe à respectiva Casa Legislativa, pelo voto da maioria, decidir se mantém ou não a prisão.

Outro ponto especialmente relevante para a separação dos Poderes refere-se à perda do mandato parlamentar. As ditaduras gostam de cassar seus opositores. [as vezes além de cassados, as vítimas do autoritarismo, do absolutismo, ainda são atiradas ao cárcere, sem serem julgados e sem e sem data para sair; 
temos um exemplo de dois ex-policiais que são suspeitos de um homicídio e estão há anos em prisão preventiva - sustentada por alegações de participação em outros crimes.Pergunta-se:  = qual o motivo de não serem julgados e, se culpados,  recebem a condenação devida? será que faltam provas?] Por isso, a Constituição estabelece estritamente as hipóteses em que um deputado ou senador pode perder o mandato. Por exemplo, em caso de condenação criminal em sentença transitada em julgado ou se seu comportamento for declarado incompatível com o decoro parlamentar.
 
Este último caso é especialmente relevante, pois se relaciona com a responsabilidade do próprio Legislativo de zelar pela sua integridade. A imunidade parlamentar não é sinônimo de irresponsabilidade ou de impunidade. Ao prever essa hipótese de perda de mandato, a Constituição dispõe que quem quebra o decoro parlamentar não tem o direito de permanecer no Congresso.
No entanto, o que está tão claro no texto constitucional não tem produzido os devidos efeitos na vida real. Ao longo das décadas, os parlamentares vêm descumprindo acintosamente seu dever de zelar pela integridade do Congresso, com tolerâncias e omissões inteiramente incompatíveis com sua responsabilidade constitucional.
Decoro é decência, honradez, dignidade. Não respeita o decoro parlamentar quem, por exemplo, defende o fuzilamento do presidente da República, como fez o então deputado Jair Bolsonaro. [“deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos” - desejo se tornou crime? A redação do dispositivo constitucional citado, art.53, 'caput' CF,  é clara.] Na época, este jornal pediu sua cassação. O Congresso, no entanto, manteve-o impune em seu cargo. Também não cumpre o decoro parlamentar quem defende o Ato Institucional (AI) n.º 5, ameaça ministros do STF e incita a ruptura institucional, como fez o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). [não existe, ao que sabemos, leis que definam o decoro parlamentar e o tipifiquem quando sua falta ou quebra é crime;
de igual modo não existe lei que tipifique gostar do AI-5 e/ou defendê-lo,  como ato criminoso;
o mesmo entendimento se aplica para ameaças a ministros do Supremo, na verdade o deputado Daniel Silveira, expresso o desejo de ministros do Supremo fossem surrados. DESEJO NÃO É CRIME - PODE SER e MUITAS VEZES É, PECADO.
 
Além do mais o quaisquer inserido no 'caput' do artigo 53, deixa espaço para o desejo de fuzilamento, a defesa do AI-5,  desejo de surra em ministros do STF, não sejam considerados quebra de decoro parlamentar, podem constituir quebra do decoro - assunto que é da competência do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, que pode até cassar o mandato do parlamentar que considerar INDECOROSO, desde que a cassação seja ratificada pelo Plenário. 
 
Ao nosso limitado entendimento a conduta do deputado Daniel Silveira foi, no mínimo, inadequada e em grande parte merece a nossa discordância (não escrevemos para 'Carmelitas descalças' , mas respeitamos os nossos leitores e, em consequência, evitamos linguagem obscena, palavras chulas,) e sendo recorrentes, insistimos que cabe à Comissão de Ética da Câmara dos Deputados decidir sobre o tema e dependendo da sua decisão submeter ao Plenário da Casa. ]

O plenário da Câmara entendeu o caráter criminoso da conduta do parlamentar e referendou, por ampla maioria, a prisão decretada pelo STF.  Por isso, não faz sentido – seria debochar da Constituição e do próprio plenário da Casa – que o  tente, como vem sendo noticiado, preservar o mandato do deputado bolsonarista. É caso evidente de cassação, especialmente porque a conduta de Daniel Silveira trouxe riscos à separação dos Poderes, às garantias constitucionais de todos os cidadãos e ao próprio funcionamento do Congresso. Mantê-lo no mandato transmite a inconstitucional e perigosa mensagem de que não há limites. Por expressa previsão da Constituição, os indecorosos não cabem no Congresso. [cabendo ao Conselho de Ética da Câmara, por  expressa previsão da Constituição, decidir se houve, ou não, quebra de decoro e ao Plenário ratificar.

No momento, há uma ameaça ainda mais grave ao equilíbrio do Estado Democrático de Direito. Com uma celeridade inaudita, a Câmara pôs em tramitação a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 3/21, restringindo a prisão em flagrante de parlamentar aos crimes inafiançáveis expressamente previstos na Constituição – como se os outros crimes inafiançáveis fossem compatíveis com o exercício parlamentar –, proibindo a prisão cautelar por decisão monocrática e limitando o alcance da Lei da Ficha Limpa.

Sob o pretexto de defender a imunidade parlamentar, há quem queira transformar o Congresso na toca da impunidade. É preciso rejeitar a manobra, que tanto desonra o Legislativo. Há uma pandemia a ser enfrentada, reformas a serem feitas e políticas sociais a serem implementadas. Não é hora de facilitar que criminoso se passe por parlamentar.

Notas & Informações - O Estado de S. Paulo

 

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Ou Câmara aposta na democracia ou defende um criminoso e alimenta o caos - Reinaldo Azevedo

Quando defendi ontem no Twitter, às 21h43, e, depois, nesta página, às 22h59, que o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) tivesse decretada imediatamente a prisão, eu não conhecia a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo. Segundo se sabe agora, ele já a havia tomado. E, igualmente, havia mandado o Youtube retirar do ar o vídeo infame, defesa que também fiz. Não tinha nem informação privilegiada nem bola de cristal. Tratava-se apenas do reconhecimento de um fato. Estava caracterizado com aquele vídeo o flagrante de crime inafiançável. As acusações pessoais contra os ministros, creio, serão tratadas em outros processos. A prisão foi decretada porque aquele que já é investigado em dois inquéritos que correm no STF — o das fake news e o da promoção e financiamento de atos antidemocráticos — prega claramente um golpe de Estado, e só assim os 11 ministros do tribunal poderiam ser depostos; faz ameaças nada veladas aos magistrados e, na prática, incita atos violentos. Disse sonhar com ministros tomando uma surra na rua. 

[o parágrafo abaixo nos deixa uma dúvida, quando confrontado com o parágrafo primeiro: o primeiro deixa a clara impressão, plena certeza, que o tema tratado é o parlamentar Daniel Silveira, mas o segundo cuida do presidente da República Federativa do Brasil, que é chamado de réu, por ações já julgadas e nas quais  ele foi inocentado.

O que mais surpreende é parte da mídia  tentar  constranger  a Câmara dos Deputados, que tem a competência constitucional de decidir sobre a manutenção ou não da prisão do deputado Daniel Silveira, inserindo em seus noticiários que a  revogação da prisão representa afronta ao Supremo. NÃO PROCEDE tal associação. Entendemos que a Câmara dos Deputados vai analisar se o deputado cometeu algum crime, e caso tenha cometido, se justifica sua prisão. É uma análise que será efetuada pela Câmara em função da Constituição Federal lhe atribuir tal função. Analisará também os alegados flagrante delito e prática de crime inafiançável. 

Exercendo uma atribuição constitucional a Câmara não pode se a proferir uma decisão que lhe é conferida pela Constituição. Se decidir pela manutenção da prisão do acusado, estará cumprindo o DEVER que lhe é imposto; Decidindo pela libertação  imediato do réu, não estará afrontando o STF - ainda que a Corte venha a decidir por unanimidade que o deputado permaneça preso.

Cumprir a Constituição não afronta ao Supremo ou a qualquer outro órgão.

Se a Câmara para não praticar suposta ofensa ao Supremo deixar de fazer o que é de sua competência estará afrontando a Constituição Federal - ofensa bem mais grave do que, supostamente, ofender o guardião da Constituição.] ]

O Artigo 53 da Constituição, que autoriza a prisão de parlamentares em caso de flagrante de crime inafiançável, também define no caput: "Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos." Trata-se, e já há julgado a respeito na Corte, de imunidade para o exercício da representação, não de uma licença para cometer crimes. Jair Bolsonaro, diga-se, é   réu
[?] no Supremo em duas ações penais que tiveram origem em uma mesma declaração: por apologia do estupro — em denúncia oferecida pela Procuradoria Geral da República — e por injúria, em ação movida pela deputada Maria do Rosário (PT-RS). Os advogados do então deputado alegaram junto à Primeira Turma que a afirmação do seu cliente numa entrevista, repetindo o que dissera em plenário — não estupraria Maria do Rosário porque ela não mereceria por ser, segundo ele, muito feia —, estaria protegida pela imunidade parlamentar.

As ações foram mantidas pelos ministros porque o entendimento vitorioso — e que me parece o correto — definiu que a imunidade não deve servir de licença para o cometimento de crimes. Se o leitor tem alguma dúvida, convém substituir os ilícitos cometidos para aclarar a questão e desanuviar as ideias: a tal imunidade protegeria, por exemplo, a defesa da pedofilia ou do homicídio profilático? Como a resposta, o Sim, o Artigo 53 também impõe que a prisão seja submetida ao crivo do plenário da Casa em 24 horas. São necessários 254 votos para que Silveira permaneça na cadeia. Existe, é evidente, o risco de uma decisão de caráter corporativista. A questão é saber se a corporação de deputados ganha ou perde com a impunidade, ao menos temporária, de Silveira, já que estou certo de que vai virar réu, será condenado, perderá o mandato, irá para o regime fechado e ficará inelegível. [caramba... Reinaldo, tua competência é conhecida e respeitada, mas agora você se superou...... nem o Kim Jong-un  prende, julga, condena com tanta rapidez.] 

Lira deu uma declaração ambígua a respeito: "Nesta hora de grande apreensão, quero tranquilizar a todos e reiterar que irei conduzir o atual episódio com serenidade e consciência de minhas responsabilidades para com a Instituição e a Democracia. Para isso, irei me guiar pela única bússola legítima no regime democrático, a Constituição. E pelo único meio civilizado de exercício da democracia, o diálogo e o respeito à opinião majoritária da Instituição que represento."

Vamos ver. Tudo aquilo que o vídeo de Silveira não tem é serenidade, responsabilidade, respeito ao regime democrático e deferência à instituição. Logo, seu comportamento delinquente e sua pregação golpista não podem passar impunes. Ou outros o seguirão. E os dois anos de Lira à frente da Câmara serão uma sucessão de crises. Ele conhece o tipo muito bem. Poucos se lembram, mas o atual presidente da Casa foi um duro crítico do governo ao longo de 2019 e era, como estrela do Centrão, um dos alvos do bolsonarismo. Quando o deputado fala em Constituição, espero que se lembre dos valores que ela consagra, repudiando o golpismo. Se pretender pegar carona na "imunidade" justificar para crimes, estará dando um tiro no próprio pé. A Mesa da Câmara se reúne às 13 horas. Vamos ver se aposta na defesa das instituições ou dá uma contribuição ao caos.

Reinaldo Azevedo, jornalista - coluna UOL 

 

 

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Advogada presa e algemada - O “politicamente correto” quer impedir até de algemar, no chão, uma advogada negra!? Chega de mimimi! É autoridade, não racismo! Tá ok?

[Autoridade tem que ser exercida; tudo agora é racismo, é sempre o maldito politicamente correto ditando as regras. Autoridade é autoridade e tem que ser exercida, desde que  dentro dos limites legais]

Quando o presidente Costa e Silva decidiu emitir o Ato Institucional nº 5, o famigerado AI-5, que instituía a ditadura absoluta no Brasil; que, na prática, suspendia todos os direitos constitucionais, Pedro Aleixo, o vice-presidente que era usado para conferir, vamos dizer, alguma feição civil ao regime, votou contra. E a frase que disse, então, entrou para a história: “Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o país; o problema é o guarda da esquina”.


Aleixo, por óbvio, nada tinha contra guardas de esquina. Chamava a atenção para o risco de o autoritarismo ganhar capilaridade e se espraiar pela sociedade, de modo que mesmo as pessoas não investidas de poderes repressivos sem arvorassem em gendarmes da lei e da ordem segundo os seus próprios critérios.


É evidente que há uma sede de murro na mesa no Brasil. É evidente que estamos vivendo uma involução democrática.

Leio na Folha: [A advogada] Valéria Lucia dos Santos, 48, foi algemada nesta segunda-feira (10) durante uma audiência no 3º Juizado Especial Cível de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, no estado do Rio de Janeiro. A advogada e a juíza leiga discutiram, e Valéria foi algemada, no chão, por policiais do fórum. Pessoas na sala gravaram vídeos da situação (…). O juiz leigo é um advogado que auxilia a Justiça em alguns juizados especiais, mas a decisão final é de um juiz togado.”


Convenham: existir um “juiz leigo” já é uma excrescência. O Judiciário é um dos Poderes do Estado. Não pode ser exercido por leigos. Ou a pessoa tem a autoridade democrática — valer dizer: é eleita ou é indicada e aprovada por eleitos — ou é provada por concurso. 


Por que Valéria foi presa? Porque ela estava pedindo que seus direitos de advogada, que estavam sendo violados, fossem respeitados. Ela defendia uma consumidora contra uma empresa de telefonia. Não houve acordo, e ela pediu para ler a contestação apresentada pela empresa. Para impugná-la — isto é, para recorrer contra o conteúdo da contestação —, ela só tem aquele momento para fazê-lo, o que lhe estava sendo negado. A juíza leiga resolveu encerrar a audiência. Valeria pediu a presença do delegado da OAB, que estava alguns andares abaixo.


A juíza leiga Ethel de Vasconcelos, que não quis falar com a imprensa, por qualquer razão, resolveu negar a Valéria uma prerrogativa profissional. Mais: também está em jogo o direito dos consumidores.  O vídeo que veio a público capta dois momentos. A advogada diz que não sairá da sala e pede a presença do delegado da Ordem dos Advogados do Brasil. Fala com energia, sim! E também com a indignação de quem vem violados as prerrogativas de sua carreira. Mas convenham: se, hoje em dia, se pode mandar prender ao arrepio de qualquer ordem legal; se candidatos à Presidência, ao Senado e a governos de Estado estão sendo submetidos a uma óbvia perseguição do Ministério Público, da Polícia Federal e da própria Justiça, por que uma “juíza leiga” não pode usar a sua toga temporária para mandar algemar, no chão, uma advogada?


“Nem na época da ditadura se prendia, algemava e jogava ao chão um advogado dentro da sala de audiência. É um absoluto desrespeito ao Estado democrático e à advocacia. Isso causa muita preocupação”, disse Luciano Bandeira, presidente da Comissão Estadual de Defesa de Prerrogativas da OAB.


Ah, bem, não dá para ignorar, não é? Valéria é mulher e é negra. E será sempre mais fácil, dada a mentalidade dos grotões, algemar uma pessoa considerada petulante quando mulher e quando negra.

Afinal de contas, essa gente precisa saber o seu lugar, não é mesmo?

No dia em que o politicamente correto impedir que se algeme uma advogada negra, humilhando-a, no chão, para aprender a falar mais baixo diante de uma branca, com sua toga temporária, esse país estará perdido, não é mesmo?

A besta incivilizatória está à solta.


Um advogado, no exercício de sua profissão, só pode ser preso por flagrante de crime inafiançável. E a Súmula Vinculante nº 11, do STF, disciplina o uso de algemas. Lá está escrito: “Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado“.


O episódio viola também o Inciso III do Artigo 5º da Constituição: “Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
O TJ-RJ, acreditem, ainda tenta justificar o que aconteceu, afirmando que a delegada desrespeitou uma ordem da Justiça. Falso! Ela pedia a presença do delegado da OAB. Valéria foi levada à delegacia e autuada por resistência. É o Brasil bárbaro.

Blog do Reinaldo Azevedo


quinta-feira, 5 de julho de 2018

Sair da "cela de Lula” e outras notas


O ex-presidente passou a ser problema de si próprio. Em vez de celebrar isso e cuidar de uma agenda política, o Brasil fica na cela do jeca

Investiguemos quem e de que modo a nababesca defesa de Lula está sendo paga. Sejamos nosso assunto, nosso tema, cuidemos de nós



Levantaram-se “ahs” e “ohs” e acirrou-se a indignação complexada porque ─ meudeusdocéuqueabsurdo o PT e Lula não queriam o ministro Alexandre de Moraes como relator de mais uma petição da defesa do ex-presidente. Muitos se espantaram e ficaram nos cascos porque ondeéquejáseviu um réu pretender escolher juiz, tribunal, sentença. Onde? Aqui mesmo, senhores. Neste Brasil, em que certa dona mídia inflama tudo em volta para dizer o que faz diariamente um cadáver político de moral putrefata, cujos miasmas só servem de suprimento de ar a radicalóides ─ anti e pró-Lula ─ que precisam dessa inflamação adensada para conseguir votos. 

Neste Brasil, em que pesquisas o apresentam como candidato e as que o excluem registram “num cenário sem Lula”, o que remete de imediato a um fictício, mas contrabandeado entre os fatos, cenário com Lula. Num país em que o juiz que condenou o delinquente afirmou, no despacho da sentença, que a prisão preventiva era cabível, mas o deixaria solto porque “pode ser traumática a prisão de um ex-presidente” e, quando decidiu prendê-lo finalmente, enviou-lhe um convite-prisão pedindo encarecidamente que o meliante incurável fizesse a gentileza-se-não-fosse-incômodo de se encaminhar à delegacia mais próxima; mas se não quisesse, poderia montar um picadeiro no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, pois a Justiça esperaria. Quantos condenados são tratados assim?

Neste Brasil, em que pessoas e coisas bordam com capricho de vó no enxoval do neto seus nomes no manto autoritário da intocabilidade, qualquer crítica honesta e pertinente é vista como ofensa pessoal, crime inafiançável, falta de modos, mau gosto, além de ameaçar o futuro limpinho da nação.