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segunda-feira, 29 de junho de 2020

Um pouco de criatividade - Alon Feuerwerker

Análise Política

Dois elementos têm destaque entre as causas da nossa crônica turbulência institucional. 
1) O presidente vitorioso na urna nunca consegue eleger com ele uma maioria partidária na Câmara dos Deputados. E, combinada a isso, 
2) a prerrogativa de o Executivo legislar por medida provisória vem se tornando um foco de instabilidade. Para acrescentar, conforme passa o tempo o Judiciário fica progressivamente tentado a se oferecer como poder moderador. Tudo meio fora de lugar.

Vai aqui uma primeira ideia para consertar o primeiro problema
as cadeiras obtidas pelo partido em cada estado para a Câmara deveriam ser calculadas não pela votação dos candidatos a deputado, mas pela votação do candidato a presidente no estado. 
A mesma lógica valeria para Assembleias e Câmaras Municipais. As coligações para o Legislativo já estão proibidas. Essa medida simples eliminaria as coligações para o Executivo. Se o partido não lançasse candidato a presidente, governador ou prefeito não elegeria deputado federal, estadual ou vereador. Os votos nos candidatos ao Legislativo continuariam valendo, mas só para definir a ordem de preenchimento das vagas conquistadas pela legenda.

Jair Bolsonaro (então no PSL) e Fernando Haddad (PT) tiveram juntos pouco mais de 75% dos votos válidos no primeiro turno. Os dois partidos elegeram somados apenas 21% da Câmara dos Deputados. A diferença é autoexplicativa. Quem hoje está na oposição vai torcer o nariz para um cenário em que Jair Bolsonaro teria maioria sólida na Câmara. Mas fica a pergunta: como lá na frente um governo de quem hoje é oposição conseguirá governar e ter alguma estabilidade mantidas as atuais regras do jogo?

E o segundo problema? Antes, uma recapitulação. A medida provisória, herdeira do decreto-lei usado no regime militar, entrou na Constituição de 1988 também por ser parte da arquitetura planejada para o parlamentarismo. Com uma maioria permanente, o chefe do gabinete governaria por MPs. Se alguma delas caísse, abrir-se-ia a crise de governo. Solucionável ou por rearranjo congressual ou por uma nova eleição. Mas o parlamentarismo não passou nem na Constituinte nem no plebiscito após a revisão da Carta.

Para oferecer uma solução mais abrangente de estabilidade sem despotismo talvez seja adequado dar outro passo e acabar também com as medidas provisórias. Cortar o nó górdio. Hoje elas oferecem a sensação e alguma possibilidade de poder, mas são, a cada dia mais, buracos no casco da autoridade do governante. [os governantes do contra pelo sistema atual são os  presidentes do Congresso - podem, isoladamente, e de forma arbitrária devolver qualquer medida provisória que não lhes agrade.

Sem contar que um ministro do STF pode, em decisão monocrática, devolver qualquer medida que o presidente propor e, querendo, dar uma legislada experimental.]
 Ele tenta governar por MPs para contornar seus problemas com o Legislativo, apenas para adiante bater no muro do protagonismo dos presidentes do Congresso e dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

E num modelo em que o presidente eleito elegesse com ele uma maioria parlamentar o fim das MPs atenuaria os impulsos despóticos presidenciais. E sempre haveria a possibilidade, já prevista na Constituição, de o governo propor projetos de lei em regime de urgência.


Alon Feuerwerker, jornalista e analista político - Análise Política

Publicado originalmente na revista Veja 2.693, de 1o. de julho de 2020 


segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Reação prevista - Merval Pereira

O Globo

Considerar que os delatores são auxiliares de acusação provocou uma repulsa grande ao Supremo, decisão que está sendo percebida pela população como ação contra a Lava-Jato.  Utilizar-se do velho formalismo jurídico para anular a condenação de um corrupto por suposta falha técnica que não está prevista em nenhuma legislação existente é uma maneira de postergar a punição.  A modulação que será proposta pelo ministro Dias Toffoli, presidente do STF, deve definir que o julgamento volta às alegações finais, não havendo, portanto, o perigo de começar da estaca zero, o que vai certamente ser reivindicado pelos advogados de defesa.

Cumpridas as novas formalidades, o resultado do julgamento vai ser igual, não é possível acrescentar provas ou acusações. A questão mais grave é a da prescrição da pena, se houver possibilidade recursal de postergar o final do julgamento por qualquer outra mágica jurídica. É possível que na decisão final fique definido que o prazo legal da prescrição fica suspenso enquanto o processo retorna às alegações finais. As semelhanças com o caso das Mãos Limpas na Itália são muitas, mas por enquanto a popularidade da Operação Lava Jato continua grande. Na Itália, o combate à corrupção teve um apoio popular grande, que decaiu ao longo dos anos devido, principalmente, a diversas denúncias que ajudaram a gerar desconfianças na população, mesmo não tendo sido comprovadas.

A economista Maria Cristina Pinotti, estudiosa da Operação Mãos Limpas, coordenadora do livro “Corrupção: Lava Jato e Mãos Limpas”, relata que a reação do sistema político teve seu auge com a eleição de Silvio Berlusconi como primeiro-ministro em 1994. Tomou corpo, então, uma campanha de difamação contra as principais figuras da Operação Mãos Limpas, em especial o Juiz Di Pietro, e acusações de abuso de poder nas investigações, o mesmo que está acontecendo hoje no Brasil.

O projeto anticrime contra a corrupção que está sendo debatido no Congresso com grandes restrições tem o objetivo de tomar a dianteira diante do que aconteceu na Itália com as Mãos Limpas. O conselho de ministros do governo italiano da época aprovou, por exemplo, um decreto-lei impedindo prisão cautelar para a maioria dos crimes de corrupção, a partir do que grande parte dos presos foi solta.

O decreto ficou conhecido como “salva ladrões”, e provocou tanta indignação popular que foi revogado poucos meses depois de editado, mas provocou retrocesso nas investigações. Em vez de terem aprovado reformas que evitariam a corrupção, na Itália acabou se assistindo a uma reação do sistema, dos próprios investigados, pessoas poderosas e influentes, e foram aprovadas leis para garantir a impunidade.
A economista destaca a eficácia do trabalho da força-tarefa. No início dos anos 90,  20% dos indiciados na Procuradoria de Milão eram absolvidos por falta de provas, enquanto que nos primeiros anos da Operação Mãos Limpas o percentual caiu para 4%, tendo voltado para mais de 20% depois.

Dentre um universo de mais de 5 mil pessoas investigadas, apenas 900 foram presas, e 40% do total foram salvas por prescrições, morosidades processuais ou mudanças nas leis, deixando um forte legado de impunidade.  Para Maria Cristina Pinotti, a Operação Mãos Limpas foi mutilada antes de seu final, e não cumpriu integralmente seu papel de punir os corruptos como esperava a sociedade italiana.
Para ela, os textos dos ex-magistrados Piercamillo Davigo e Gherardo Colombo, incluídos no livro, ajudam a estabelecer uma comparação com o que se passou na Itália. Lá, a reação oligárquica da corrupção contra a Operação Mãos Limpas teve sucesso.

O ministro Luis Roberto Barroso, que também escreve no livro, listou decisões que a classe política aprovou para preservar a si e aos corruptos: 
mudou a legislação a fim de proteger os acusados de corrupção, inclusive para impedir a prisão preventiva; reduziu os prazos de prescrição; aliciou uma imprensa pouco independente e procurou demonizar o Judiciário.

Merval Pereira, jornalista - O Globo