Análise Política
Dois elementos têm destaque entre as causas da nossa crônica turbulência
institucional.
1) O presidente vitorioso na urna nunca consegue eleger
com ele uma maioria partidária na Câmara dos Deputados. E, combinada a
isso,
2) a prerrogativa de o Executivo legislar por medida provisória
vem se tornando um foco de instabilidade. Para acrescentar, conforme
passa o tempo o Judiciário fica progressivamente tentado a se oferecer
como poder moderador. Tudo meio fora de lugar.
Vai aqui uma primeira ideia para consertar o primeiro problema:
Vai aqui uma primeira ideia para consertar o primeiro problema:
as
cadeiras obtidas pelo partido em cada estado para a Câmara deveriam ser
calculadas não pela votação dos candidatos a deputado, mas pela votação
do candidato a presidente no estado.
A mesma lógica valeria para
Assembleias e Câmaras Municipais. As coligações para o Legislativo já
estão proibidas. Essa medida simples eliminaria as coligações para o
Executivo. Se o partido não lançasse candidato a presidente, governador
ou prefeito não elegeria deputado federal, estadual ou vereador. Os votos nos candidatos ao Legislativo continuariam valendo, mas só para
definir a ordem de preenchimento das vagas conquistadas pela legenda.
Jair Bolsonaro (então no PSL) e Fernando Haddad (PT) tiveram juntos pouco mais de 75% dos votos válidos no primeiro turno. Os dois partidos elegeram somados apenas 21% da Câmara dos Deputados. A diferença é autoexplicativa. Quem hoje está na oposição vai torcer o nariz para um cenário em que Jair Bolsonaro teria maioria sólida na Câmara. Mas fica a pergunta: como lá na frente um governo de quem hoje é oposição conseguirá governar e ter alguma estabilidade mantidas as atuais regras do jogo?
E o segundo problema? Antes, uma recapitulação. A medida provisória, herdeira do decreto-lei usado no regime militar, entrou na Constituição de 1988 também por ser parte da arquitetura planejada para o parlamentarismo. Com uma maioria permanente, o chefe do gabinete governaria por MPs. Se alguma delas caísse, abrir-se-ia a crise de governo. Solucionável ou por rearranjo congressual ou por uma nova eleição. Mas o parlamentarismo não passou nem na Constituinte nem no plebiscito após a revisão da Carta.
Para oferecer uma solução mais abrangente de estabilidade sem despotismo talvez seja adequado dar outro passo e acabar também com as medidas provisórias. Cortar o nó górdio. Hoje elas oferecem a sensação e alguma possibilidade de poder, mas são, a cada dia mais, buracos no casco da autoridade do governante. [os governantes do contra pelo sistema atual são os presidentes do Congresso - podem, isoladamente, e de forma arbitrária devolver qualquer medida provisória que não lhes agrade.
Sem contar que um ministro do STF pode, em decisão monocrática, devolver qualquer medida que o presidente propor e, querendo, dar uma legislada experimental.]
Ele tenta governar por MPs para contornar seus problemas com o Legislativo, apenas para adiante bater no muro do protagonismo dos presidentes do Congresso e dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
E num modelo em que o presidente eleito elegesse com ele uma maioria parlamentar o fim das MPs atenuaria os impulsos despóticos presidenciais. E sempre haveria a possibilidade, já prevista na Constituição, de o governo propor projetos de lei em regime de urgência.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político - Análise Política
Jair Bolsonaro (então no PSL) e Fernando Haddad (PT) tiveram juntos pouco mais de 75% dos votos válidos no primeiro turno. Os dois partidos elegeram somados apenas 21% da Câmara dos Deputados. A diferença é autoexplicativa. Quem hoje está na oposição vai torcer o nariz para um cenário em que Jair Bolsonaro teria maioria sólida na Câmara. Mas fica a pergunta: como lá na frente um governo de quem hoje é oposição conseguirá governar e ter alguma estabilidade mantidas as atuais regras do jogo?
E o segundo problema? Antes, uma recapitulação. A medida provisória, herdeira do decreto-lei usado no regime militar, entrou na Constituição de 1988 também por ser parte da arquitetura planejada para o parlamentarismo. Com uma maioria permanente, o chefe do gabinete governaria por MPs. Se alguma delas caísse, abrir-se-ia a crise de governo. Solucionável ou por rearranjo congressual ou por uma nova eleição. Mas o parlamentarismo não passou nem na Constituinte nem no plebiscito após a revisão da Carta.
Para oferecer uma solução mais abrangente de estabilidade sem despotismo talvez seja adequado dar outro passo e acabar também com as medidas provisórias. Cortar o nó górdio. Hoje elas oferecem a sensação e alguma possibilidade de poder, mas são, a cada dia mais, buracos no casco da autoridade do governante. [os governantes do contra pelo sistema atual são os presidentes do Congresso - podem, isoladamente, e de forma arbitrária devolver qualquer medida provisória que não lhes agrade.
Sem contar que um ministro do STF pode, em decisão monocrática, devolver qualquer medida que o presidente propor e, querendo, dar uma legislada experimental.]
Ele tenta governar por MPs para contornar seus problemas com o Legislativo, apenas para adiante bater no muro do protagonismo dos presidentes do Congresso e dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
E num modelo em que o presidente eleito elegesse com ele uma maioria parlamentar o fim das MPs atenuaria os impulsos despóticos presidenciais. E sempre haveria a possibilidade, já prevista na Constituição, de o governo propor projetos de lei em regime de urgência.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político - Análise Política
Publicado originalmente na revista Veja 2.693, de 1o. de julho de 2020
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