Está arquivado o PLC
122,
que tramitava no Senado e define e pune o crime de homofobia. Não se trata de uma decisão de
mérito. Os projetos que tramitam sem aprovação por duas
legislaturas seguidas — oito
anos — vão automaticamente para o arquivo. Havendo
um pedido de reapresentação do texto de pelo menos um terço da Casa — 27
senadores —, eles podem voltar. Vamos lá.
O Projeto de
Lei Complementar 122 (íntegra aqui) alterava a Lei 7.716/89, que define, originalmente,
os crimes raciais. Passou por várias redações, mas não
conseguiu eliminar alguns de seus vícios de origem, a meu ver insanáveis. Em
oito artigos, definia e punia o crime de homofobia no mercado de trabalho, nas
relações de consumo e no serviço público. O Artigo 8º, destaque-se, alterava seis artigos do Código Penal (61, 121, 129,136, 140 e 286). Em todos os casos, as penalidades para os crimes
neles tipificados eram agravadas quando as vítimas fossem homossexuais.
Começo por aí. O Artigo
121 do Código Penal pune o homicídio com pena de 6 a 20 anos. Há circunstâncias
várias que podem elevar a punição para 12 a 30 anos. São agravantes nesse caso: motivo fútil,
recompensa, traição, emboscada ou ocultação de outro crime.
Segundo a PLC 122, que teve Marta
Suplicy (SP) como a relatora final, homicídio
motivado por “preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero” também
entraria na lista dos agravantes. A
conclusão é óbvia, inescapável, incontestável: matar um gay no Brasil passaria a ser mais
grave do que matar um heterossexual. Grupos
militantes afirmam, por exemplo, que, em 2013, pelo menos 312 foram
assassinados.
É claro que é muita gente. Mas também é evidente que as
circunstâncias dessas mortes têm de ser analisadas. A pergunta é
desagradável, mas necessária: quando um michê mata um cliente, e isso não é tão
raro, quem é o gay? A vítima ou seu assassino? A resposta é óbvia: ambos! Há crimes que estão associados a um estilo de vida, não a
uma orientação sexual. E, com isso, não estou negando que existam, sim,
agressões contra gays porque gays. Mas
cumpre notar que, em 2013, mais de 56 mil pessoas foram assassinadas no Brasil.
Os 312
homossexuais mortos são um escândalo,
mas, diante do outro escândalo mais geral, ganham a sua real dimensão e expõem
o desastre brasileiro: representam menos de 0,57% do total.
Mas digamos que se mantivesse, ainda assim, o
agravante — embora me pareça, reitero, um
absurdo — quando caracterizado o crime como resultado da discriminação. O aspecto mais polêmico do PLC nem estava
aí. O Artigo 2º do texto começava com um atentado
contra a língua portuguesa na ânsia de categorizar, definir, abarcar e
proteger todas as “sexualidades”.
Lá está escrito:
“Art. 2º Para efeito desta Lei, o termo
sexo refere-se à distinção entre homens e mulheres; orientação sexual, à
heterossexualidade, homossexualidade ou bissexualidade; e identidade de gênero,
à transexualidade e à travestilidade”.
O que é “travestilidade” e por
que ela é distinta da “transexualidade”?
Bem, aí é preciso fazer um pós-doutorado
para entender a nomenclatura. Acho na Internet, por exemplo, a “Associação
Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais”. Em outras siglas, também aparecem os “transgêneros”, que, de fato, não
sei se estão compreendidos nas outras categorias. O que estou dizendo é
que, com efeito, as pessoas são livres para criar definições, se dividir, se
agrupar etc. Viva a democracia! Mas nem por isso precisam pedir a força
repressiva do estado para garantir os direitos especiais que julgam ter.
Falei em “direitos
especiais”? Então voltemos ao PLC 122. Lê-se
no Artigo 4º:
“Art. 4º Deixar de contratar ou
nomear alguém ou dificultar sua contratação ou nomeação, quando atendidas as
qualificações exigidas para o posto de trabalho, motivado por preconceito de
sexo, orientação sexual ou identidade de gênero:
Pena — reclusão, de um a três anos.”
Muito bem: o
diretor de uma escola infantil poderia ir para a cadeia caso julgasse
inconveniente contratar um travesti para dar aula no primeiro ano do
ensino fundamental. Alguém indagará: “Mas
o Jurandir que se apresenta como Gislaine não pode ser a tia da escolinha?”.
Acho que rende um bom debate, mas, em princípio, defendo que os estabelecimentos privados de ensino sejam livres para
contratar e para demitir segundo os seus valores, sem ter de provar que não
são criminosos.
Marta
ainda tentou diminuir a resistência de grupos religiosos ao PLC com o Artigo
3º:
“Art. 3º O disposto nesta Lei não se
aplica à manifestação pacífica de pensamento decorrente da fé e da moral
fundada na liberdade de consciência, de crença e de religião de que trata o
inciso VI do art. 5º da Constituição Federal.”
Outro projeto tramita na Câmara, este de autoria da deputada petista Maria
do Rosário (RS). Ele traz ainda mais dificuldades do que o PLC 122. Lá se lê, por exemplo, que é crime de intolerância o “impedimento
de acesso de pessoa, devidamente habilitada, a cargo ou emprego público, ou sua
promoção funcional sem justificativa nos parâmetros legalmente estabelecidos,
constituindo discriminação”. Assim, segundo o texto, as Forças Armadas
teriam de abrigar pessoas em seus quadros independentemente de “orientação sexual, identidade e expressão
de gênero”.
Há homossexuais nas Forças
Armadas? Onde não há? O
que fazem ou deixam de fazer na cama é importante? Acho
que não. Mas como ficaria a questão da “identidade e expressão de gênero”? Nota técnica da assessoria do
gabinete do comando do Exército afirma sobre a proposta de Maria do Rosário: “A instituição é
contra qualquer tipo de agressão ou violação a direitos humanos (…) no entanto,
considerando as imprecisões contidas na proposta apresentada, (…) pode trazer
efeitos indesejáveis para a Força”.
Est modus in rebus, como queria o poeta Horácio. Há
uma medida nas coisas. É claro que a homofobia é detestável. É claro que os atos violentos têm de ser
contidos e punidos — inclusive aqueles cometidos
contra a maioria heterossexual.
Mas não se pode, sob o pretexto de coibir e punir o preconceito, transformar em criminosas algumas decisões
que recaem incidentalmente sobre homossexuais. Mais ainda: não se pode
exigir que a sociedade acompanhe o ritmo vertiginoso com que, hoje em dia,
alguns indivíduos vão criando suas personas sexuais. Eu ainda acho que, na escolinha infantil ou no Exército, o Jurandir tem de ser Jurandir, e a Gislaine, Gislaine —
independentemente do uso que cada um
faça de seus aparelhos de prazer.
Leis anti-homofobia, na forma que assumiram no
Brasil, estimulam é a intolerância e a… homofobia
porque acabam se apresentando como
privilégios.
Fonte:
Revista VEJA – Blog do Reinaldo Azevedo