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terça-feira, 15 de agosto de 2023

Tomada Poder – Governo Lula prepara mudança em lei para limitar poder de militares em crises - Folha de São Paulo

Fábio Augusto 

O governo Lula (PT) prepara uma alteração da legislação sobre o emprego das Forças Armadas durante crises de segurança e ordem pública ou de instabilidade institucional. A proposta elimina o atual modelo de operações de garantia da lei e da ordem. [pergunta que não quer calar: se os militares, premidos por situações atípicas, decidem intervir em determinada situação e optam pelo uso da força - o que pode ser feito com  uma lei que criada, digamos, com a pretensão de desempoderá-los?]

Novo texto [em estudo] veda operações de garantia da lei e da ordem e é alternativa à proposta petista de mudar artigo 142 da Constituição

O governo Lula (PT) prepara uma alteração da legislação sobre o emprego das Forças Armadas durante crises de segurança e ordem pública ou de instabilidade institucional. A proposta elimina o atual modelo de operações de garantia da lei e da ordem.

Embora nos últimos anos o recurso às chamadas GLOs tenha, na maioria dos casos, buscado sanar problemas de segurança pública, os ataques golpistas de 8 de janeiro e a distorção com viés político do artigo constitucional que trata das atribuições das Forças Armadas nessas operações levaram o Executivo a buscar uma resposta política.

Na prática, um modo de tentar limitar o poder dos militares em crises domésticas de toda ordem.

Pela proposta concebida pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, em parceria com o titular da Defesa, José Múcio, não haveria mudanças no artigo 142 da Constituição, que trata das competências das Forças Armadas, mas na Lei Complementar que o regulamenta (nº 97, de 1999).

A intenção é criar no texto a possibilidade de as Forças Armadas cooperarem eventualmente em crises de segurança e ordem pública sem que seja necessário para isso a decretação de GLOs. A princípio, haveria mexidas nos artigos 15 (que trata do emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem) e 16 (sobre atribuição subsidiária das Forças Armadas) da Lei Complementar de 1999.

A alteração teria de passar pelo Congresso, mas sem as exigências de tramitação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição). Estuda-se a possibilidade de mudanças correlatas serem feitas via decreto presidencial. [um decreto presidencial não pode modificar Lei Complementar, nem lei ordinária e, por óbvio, não pode modificar a Constituição Federal.]

Não há apoio político no Congresso para alterar o próprio artigo 142 da Constituição, como propõe uma PEC do deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP). Para aprovar uma emenda constitucional são necessários três quintos dos votos em dois turnos, tanto na Câmara quanto no Senado –no caso, uma quimera, num Congresso de extração conservadora, com uma Câmara presidida por Arthur Lira (PP-AL), que foi eleitor de Jair Bolsonaro.

Não há tampouco disposição do governo em comprar uma briga desse porte com os militares, que são frontalmente contra a alteração do artigo 142, em meio a outras prioridades do Planalto, sobretudo a agenda econômica.

As movimentações do Executivo desidratam a PEC de Zarattini, anunciada em fevereiro como resposta aos ataques de 8 de janeiro.  O artigo 142 da Constituição afirma que as Forças Armadas “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

A PEC de Zarattini, que condensou proposta convergente do colega Alencar Santana (PT-SP), propõe retirar do texto constitucional a competência dos militares de garantir os poderes constitucionais e a lei e a ordem. Para além do escopo amplo, tais atribuições foram distorcidas nos últimos anos por bolsonaristas para sustentar que as Forças Armadas poderiam atuar como “poder moderador” em crises institucionais –uma interpretação já repelida pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Congresso Nacional. [só que o ministro Dias Toffoli em palestra realizada em 2022 no exterior, declarou ser o STF o Poder Moderador - a ideia não foi contestada pelo  STF nem pelo Congresso Nacional.]

O entendimento de Zarattini e de boa parte do PT é que a atual redação –que de resto é parecida com a de todas as Constituições republicanasabre brechas para intervenção indevida dos militares em temas civis, algo que se tornou mais palpável com a politização das Forças Armadas promovida no governo Bolsonaro.

Pela proposta, o artigo alterado diria apenas que as Forças Armadas “destinam-se a assegurar a independência e a soberania do país e a integridade do seu território”. Para que a PEC comece a tramitar na Câmara, são necessárias 171 assinaturas. Zarattini ainda não as tem e retomou a tarefa de reuni-las a partir desta semana, no reinício dos trabalhos da Casa após o recesso.

A tarefa é árdua. Embora o presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) seja o petista Rui Falcão, favorável à proposta, é improvável que ela prospere, mesmo se alcançadas as assinaturas necessárias.

A oposição é maioria na CCJ. E, caso aprovada ali, seria preciso que Lira instalasse a comissão especial necessária para analisar PECs e depois pautasse sua votação em plenário.

Zarattini reconhece as dificuldades. Considera que no começo da legislatura teria sido menos custosa a missão e que o governo tem agendas mais imediatas no Congresso.  “Para um projeto efetivamente ser colocado em discussão na CCJ e progredir, depende de um momento político mais favorável”, afirmou no começo de junho.

A divulgação do conteúdo das mensagens do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro durante sua Presidência, com mensagens de militares falando sobre um golpe para impedir a posse de Lula, deu novo ânimo ao deputado.  Zarattini busca forçar o governo a se mexer no tema e, mesmo se vier a desistir da PEC, gostaria de emplacar parte do conteúdo da proposta –o texto determina ainda que, para ocupar cargos de natureza civil, militares devem ir automaticamente para a reserva.

O deputado diz que também incluirá na PEC um dispositivo, semelhante ao desenhado pelo governo, criando a possibilidade de convocar as Forças Armadas em caso de crises de segurança e ordem pública.  Ele está em contato com comandantes militares, com Múcio e outros atores envolvidos no debate da mudança da legislação relativa aos fardados –que envolve outras propostas.

Uma delas, de Múcio com apoio dos comandantes das Forças Armadas, obriga militares que se candidatem em eleições a ir automaticamente para a reserva ou inatividade, o mesmo ocorrendo com o oficial que quiser assumir um ministério. Tanto o titular da Defesa quanto os comandantes são contrários à mudanças no artigo 142 e também consideram desnecessária a proibição de GLOs que está sendo desenhada, mas Múcio concedeu aos argumentos de Lula e Dino de que seria preciso fazer algo.

Ao mesmo tempo, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) cogita a possibilidade de tentar aprovar o texto anterior a todos os outros, de uma PEC de 2021 que já está na CCJ, de autoria da ex-deputada Perpétua Almeida (PC do B-AC), hoje diretora da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, que acrescenta ao artigo 37 da Constituição um inciso proibindo militares da ativa de ocuparem cargos de natureza civil na administração pública.

De volta ao governo após mais de seis anos na oposição, o PT se debate entre buscar enfim a subordinação dos militares ao poder civil e não criar crises com a caserna.

Numa resolução publicada após a última reunião do Diretório Nacional, em 10 de julho, o tema foi tangenciado. Uma breve menção cobra “punição severa” aos golpistas de 8 de janeiro, “seus financiadores, estimuladores civis e militares”.

Durante a reunião, o historiador Valter Pomar, integrante do diretório, propôs uma emenda ao texto afirmando que “não se poderá falar em democracia plena no Brasil enquanto persistir a tutela militar” e convocando uma conferência nacional para debater a política de Defesa Nacional e o papel das Forças. A emenda foi rejeitada pela maioria do colegiado.

Em seu blog, em meio a críticas a Múcio e ao que vê como incúria do governo no tema, Pomar se queixou: “O fato de o Diretório Nacional não querer debater o assunto e não querer aprovar a emenda citada anteriormente não impede que o debate exista, muito menos faz a tutela desaparecer”.

Ainda que à esquerda da direção partidária, Pomar está longe de ser voz isolada no PT no tema. Ao longo dos últimos anos, seguidas resoluções do partido cobraram um enfrentamento à chamada “tutela militar”.[qual o valor de uma resolução do Diretório Nacional do PERDA TOTAL = pt - em tema desta importância? Nos parece que = 3 x 0.]

DefesaNet - Transcrição 

 

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

As semelhanças dos contragolpes preventivos de 1964 e 2023 (Medo em democracia)

Forças Armadas e Judiciário não têm mandato popular para tomar decisões de tão grande importância

 Assisti, aos 23 anos, em 1964, à derrubada do presidente João Goulart. A principal justificativa era de um necessário contragolpe preventivo, para evitar que Goulart e a esquerda instalassem uma ditadura comunista. Quase 60 anos depois, sinto a volta da narrativa do contragolpe preventivo, agora a pretexto de evitar que Bolsonaro e a direita instalassem uma ditadura fascista. 

Desta vez, não foram as armas dos fardados, mas as canetas dos togados. Nem as Forças Armadas nem o Judiciário têm mandato popular para tomar decisões de tão grande importância, supostamente como protetoras do regime democrático. Em 1964 e agora, houve prisões genéricas “preventivas”.

Os dois acontecimentos se parecem; apenas com sinais diferentes e com a mesma falta de legitimidade – que só é conferida pelo voto popular, origem do poder. 
Nem militares nem juízes têm o voto do mandato popular. Em ambos os casos, o Congresso Nacional ficou encolhido. 
Em 1964, elegeu o general Castello Branco presidente. 
Agora, foi um espectador passivo, mesmo quando foi esmagado o artigo 53, da inviolabilidade do mandato. Pode-se dizer que deputados e senadores, intimidados pela quantidade de processos a que respondem, não estiveram à altura da procuração que lhes foi outorgada pelo voto de milhões de brasileiros.  
Ou seja, também nesse último contragolpe o Poder Legislativo, o primeiro na ordem dos três Poderes, como mostra a Constituição, esquivou-se para um lugar secundário.
 
As Forças Armadas saem dos últimos acontecimentos sem a pecha de golpismo de 1964, que ainda vinha sendo usada. Impossível chamar agora de golpista instituição que se recusou a atender ao apelo de uma massa por intervenção militar. 
Agora, militares estão sendo criticados por terem-se mantido na legalidade. Já o Supremo herdou a pecha. Tem sido criticado por não seguir a Constituição nem o devido processo legal. 
Adotou a novidade do ativismo a pretexto de evitar suposto golpe fascista. Suponho que já sinta que está numa camisa de 11 varas para encontrar uma saída que signifique o “retorno aos quadros constitucionais vigentes”, que foi a palavra de ordem no contragolpe de Lott em 11 de novembro de 1955, que garantiu Juscelino presidente, com Goulart vice.
 
Golpes e contragolpes sempre provocam dores. Ontem, em Brasília, saiu mais uma vez o bloco do Pacotão – alusão ao Pacote de Abril editado por Geisel, criando o senador biônico. Em 1978, o Pacotão debochava de dois generais, o presidente e seu sucessor, chefe do SNI, fazendo trocadilho com o aiatolá do Irã: Geisel. “Você nos atolou/ Figueiredo, você também vai nos atolá.” Ninguém foi preso ao fim do desfile.
 
Hoje, há centenas de homens e mulheres desesperados em presídios, pelo 8 de janeiro, e o povo ainda não sabe quem realmente entrou nos palácios e quem realmente quebrou o patrimônio de todos. 
Muito menos se sabe como entraram e quais foram as causas remotas do que desbordou na invasão das sedes dos três Poderes.
 
É a grande oportunidade de o Poder Legislativo, renovado por eleição, mostrar que faz jus à representação popular. 
É nos plenários políticos, e não apenas na polícia, que deve ser investigado o grave acontecimento político de 8 de janeiro. 
Está nas mãos de deputados e senadores demonstrar que são o primeiro dos Poderes numa democracia. 
E não o último, num medo fantasiado de democracia.
 
Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES
 

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

A pax bolsonariana: até quando? - Alon Feuerwerker


Análise Política

As críticas à Lava-Jato vão sendo novamente matizadas, apesar dos percalços. A aliança da operação com os vetores dominantes da opinião pública volta a mostrar vigor, e agora vitamina-se de um novo alinhamento: num lado, o Palácio do Planalto e a Procuradoria Geral da República; no outro, a Lava-Jato e quem flerta com amputar o mandato de Jair Bolsonaro antes do prazo, evitando assim preventivamente também a possibilidade de reeleição.

Quem levará a melhor? A aliança encabeçada pela Lava-Jato vem de vitórias históricas, a começar do impeachment de Dilma Rousseff e da condenação, e inelegibilidade, de Luiz Inácio Lula da Silva. Mas enfrenta uma atribulação no plano tático: as pressões e manobras do Executivo para retomar o poder moderador, o que em linguagem mais delicada ganha o nome de “governabilidade”. E esta passa pela contenção dos polos que floresceram na Brasília do declínio de Dilma Rousseff e Michel Temer.

Num desses polos, o Congresso Nacional, as coisas para o oficialismo bolsonarista parecem ir razoavelmente bem. Ainda há chacoalhadas e rusgas, mas o sentido geral é de pacificação. O impeachment hiberna, e a reforma tributária é o novo brinquedo posto a entreter o Legislativo. E os parlamentares estão às voltas com outros dois assuntos apetitosos: as eleições municipais e a renovação das mesas da Câmara e do Senado.

Nisso, a única coisa que o governo precisa evitar é perder. O ideal para o Planalto serão presidentes alinhados 100% com Bolsonaro, mas Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre continuarem nas cadeiras seria, para o governo, o “problema já conhecido”. Diz a sabedoria: nunca se apresse a eliminar um problema já conhecido, pois o risco é aparecer um novo, e potencialmente mais complicado. Como por exemplo o comando do Congresso nas mãos de personagens inteiramente originais e com apetite por protagonismo.

No Ministério Público e no Legislativo, o cenário para Jair Bolsonaro parece o menos pior desde a posse, inclusive por as disputas da hora serem internas em ambos. E isso enquanto o Executivo vive uma inédita pax bolsonariana, após alguns “expurgos brancos” e a ocupação de espaços estratégicos pelos quadros provenientes das Forças Armadas, da reserva e da ativa. E que estão ali por outra regra da vida política: quando há vácuo, este suga alguém para consertar a anomalia. É o que se passa com os fardados.

O momento de calmaria para o presidente da República decorre também de um fator relativamente inesperado, e de outro previsível. Era pouco esperado que a popularidade do presidente resistisse à dramática contabilidade das mortes da Covid-19. Por alguma razão está resistindo. [uma das razões é que o povo percebeu que o presidente Bolsonaro foi alijado do comando-geral das ações em âmbito nacional de combate ao coronavírus e a persistência da pandemia mostra que as ideias do presidente para conter a pandemia podem não ser 100 corretas mas também não são totalmente erradas.
E tem um fato: a epidemia está acabando - graças a Deus - e não é devido os  méritos das medidas adotadas.
E sem pandemia os fatores se tornam favoráveis ao presidente da República.] O previsível era a dispersão das esquerdas, que sintomaticamente voltaram a ser nomeadas no plural. Aqui, um paradoxo: quanto mais na oposição se fala em frente, mais avança a fragmentação dela própria. Por exemplo na disputa das prefeituras.

O que pode interromper a paz? Afinal, estamos no sempre potencialmente complicado agosto. 

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político - Análise Política