História número 1
Na primeira
aula para a turma de calouros de uma faculdade de Direito, o professor,
logo após a chamada, encarou o aluno visivelmente mais idoso da classe e
disse, em tom agressivo: “O senhor aí, retire-se da minha sala de
aula!”. Após alguns instantes de tensão, tendo o aluno saído, perguntou à
turma: “O que houve? Porque vocês estão assim, com cara de quem viu
lobisomem?”. Longo silêncio até que um dos estudantes, com visível
insegurança, explicou que a expulsão do colega parecia não ter razão de
ser. “Cometi uma injustiça? É isso? Então, vai lá fora e chama-o de
volta”. Ao retornar, a surpresa: o aluno expulso ocupou o lugar do
“professor” e este, encerrada sua representação, sentou-se entre os
colegas. A partir daí, o verdadeiro docente da turma passou a lecionar o
grupo sobre o dever moral, mormente entre advogados, de não silenciar
perante uma injustiça.
História número 2
A aula
daquela matéria toda vez mudava de local. Perdia-se um tempo procurando,
subindo e descendo escadas. Naquela manhã, o professor já começara a
falar quando uma aluna, retardatária, ensaiou entrar na sala. O homem
com giz na mão olhou-a de modo rude e lhe disse, em tom mais rude ainda,
que não podia entrar, pois a aula já começara.
Enquanto a mocinha,
humildemente, se retirava, um aluno levantou-se e explicou ao professor
que sua cadeira sempre envolvia aquela dificuldade de localização, dando
causa a tais atrasos. E completou: “Se a colega não pode entrar, eu
saio”. E saiu da sala, seguido pelos demais.
A primeira
história circula nas redes sociais há algum tempo. Não sei se realmente
aconteceu. A segunda, esta última, deu-se na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da UFRGS, na minha turma, por volta de 1966 e fui eu o aluno
que reagiu à conduta do professor.
Quando o silêncio de alguns faz a história de todos
Injustiças
me incomodam. Por isso, observo com indignação as ocorrências nacionais e
o silêncio de tantos que devendo reagir, não o fazem. Penso na omissão
perante casos como os de Allan dos Santos, de Barbara Destefani (Te
atualizei), de Bernardo Kuster, de Camila Abdo e outros que tiveram
cortadas suas fontes de renda e enfrentam as dificuldades disso
decorrentes sem ter acesso aos seus processos. O que fazem com eles não
cabe no mundo das boas leis. Não conheço a todos, mas os que mencionei
são pessoas que, de bom grado, receberia em casa para jantar com minha
família. A seus detratores, não.
Outro dia,
assisti Bárbara dizer à Jovem Pan que, há 10 meses, foi desprovida de
seu sustento e não recebeu até agora sequer um e-mail que lhe indicasse
os motivos disso. Logo após, li Bernardo afirmando estar na mesma
situação dois anos depois de ter sido vítima de igual arbitrariedade.
A defesa da liberdade
Eles tinham
milhões de seguidores. São pessoas que comungam do amor à liberdade e
da aversão ao arbítrio. Censurados, podem sair à convivência das ruas
enquanto seus censores viajam ao exterior para poder tomar sol.
Nada espero
da OAB, nem dos advogados banqueteiros e festeiros da confraria
Prerrogativas (Prerrô, para os íntimos). Tampouco espero algo das
associações ditas “Pela democracia”, organizadas por pessoas que
passaram por cursos de Direito e nada aprenderam sobre o valor Justiça.
Minha
singular e tênue esperança está em que a sociedade não deixe morrer a
repugnância à injustiça. E perceba, em tempo, o quanto ainda pode ir
além, perigosa e arrogantemente, o poder que tudo pode.
Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores
(www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país.
Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia;
Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.