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domingo, 28 de junho de 2020

‘Caráter inusitado’ - Eliane Catanhêde

O Estado de S.Paulo

PGR em chamas, MP, PF, Receita e ex-Coaf são peças do quebra-cabeças lançado por Moro

A Procuradoria-Geral da República está em chamas e a força-tarefa da Lava Jato reclama do “caráter inusitado” da ação da subprocuradora geral Lindôra Araújo, braço direito de Augusto Aras e ligada à família Bolsonaro, que desembarcou em Curitiba exigindo arquivos e dados sigilosos das investigações e criando a impressão de uma devassa na Lava Jato que pode atingir até o ex-ministro e ex-juiz Sérgio Moro. Esse, porém, é apenas mais um fato “inusitado” num país com quase 60 mil mortos de covid-19.

[Os livros de autoajuda costumam ensinar que quanto mais se concentra em algo, mais fácil fica obter o desejado - nos livros talvez funcione, mas na vida real vale o 'morte desejada, vida alcançada', que adaptado para a política vale dizer que quanto mais os arautos do mal apregoarem derrotas do presidente Bolsonaro e do Brasil - situação advinda de uma impossível vitória dos inimigos do Brasil, da democracia e da liberdade - mais o presidente será vencedor.
Quanto ao quebra-cabeças do ex-juiz, será devidamente montado e a única peça que ficará de fora, por  política e irremediavelmente quebrada, será a correspondente ao ex-juiz.] 
A audácia de Lindôra corresponde à sucessão de mentiras ridículas do advogado Frederick Wassef, capaz de inventar até “forças ocultas” que queriam matar Fabrício Queiroz para atingir o presidente Jair Bolsonaro. E lembra o pedido inusual da delegada da PF Denisse Ribeiro para o Supremo suspender as investigações sobre bolsonaristas golpistas e, assim, evitar “risco desnecessário para a estabilidade das instituições”. Tudo muito inusitado.

O mais grave, porém, é que a ida da procuradora a Curitiba ocorre quando o presidente Jair Bolsonaro é investigado pelo Supremo justamente pela acusação, feita por Moro, de intervir politicamente na Polícia Federal. E tudo num contexto maior de controle dos órgãos de investigação do País, não só para proteger filhos e amigos, como admite o presidente, mas também para perseguir adversários, como suspeitam governadores, ministros do STF, cúpula do Congresso e o próprio Moro. Ou seja, os alvos.


Lindôra, aliás, também exigiu os arquivos da Lava Jato em São Paulo e Rio e já tinha requisitado de todos os Estados e DF as investigações contra governadores. Ela alega que é coordenadora da Lava Jato na PGR e isso faz parte do trabalho, mas seus próprios pares desconfiam dessa “justificativa técnica”, convencidos de uma ação política coordenada. Tanto que três procuradores pediram demissão do grupo de trabalho e uma quarta já tinha saído por divergências.

Assim como Bolsonaro é investigado por intervir na PF e Lindôra invade investigações do MP em Curitiba, Rio e São Paulo, vale lembrar que, depois de revelar ao mundo a existência de um tal de Queiroz, o Coaf saiu do Ministério da Justiça, pulou de galho em galho e foi parar no Banco Central com o nome de UIF. E Bolsonaro, segundo o Estadão em 30/4, já pressionou a Receita Federal para perdoar dívidas milionárias de igrejas evangélicas.

Tudo somado, tem-se que Bolsonaro e seus seguidores têm uma visão muito particular e pouco republicana dos órgãos de investigação: PF, MP, Receita e Coaf, agora UIF. Essas peças vão montando o quebra-cabeças lançado por Moro a partir da demissão do competente delegado Maurício Valeixo da PF e das sucessivas mexidas na superintendência do Rio. Foram inusitadas, mas fazem todo o sentido.

Com Bolsonaro acuado e os militares passando a estabelecer (finalmente...) claros limites entre governo e Forças Armadas, veio à tona o personagem “Jairzinho Paz e Amor”, que dialoga com Judiciário e Legislativo, baixa o tom, ameniza a expressão, para de incendiar o País a cada manhã e de atiçar golpismos a cada domingo. Paz e amor, porém, implicam também órgãos de Estado e de governo independentes, apartidários, sem ações de “caráter inusitado” para salvar filhos e amigos e massacrar “inimigos”. Paz é paz, guerra é guerra.

Saúde
Reunido na quinta-feira para definir as promoções, o Alto Comando do Exército manteve em aberto e não indicou ninguém para a vaga de general de Divisão de Eduardo Pazuello, que foi cuidar da logística na Saúde e acabou ministro. Ele avisou que volta à Força em três meses. É a previsão para o fim da pandemia?

Eliane Cantanhêde, jornalista  - O Estado de S. Paulo


quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Bolsonaro e Israel, uma relação político-religiosa arriscada para o Brasil

Ao anunciar a transferência da embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém, o presidente eleito Jair Bolsonaro respondeu às expectativas das influentes igrejas evangélicas, sua base de sustentação, correndo o risco de uma ruptura com uma política de mais de meio século do Itamaraty.   Seguindo os passos do presidente americano Donald Trump, de quem já se disse um admirador, o futuro chefe do Executivo brasileiro corre o risco de isolar o país diplomaticamente, expondo-o a represálias comerciais de parte dos países árabes, grandes importadores de carne do Brasil.
"O Brasil tem uma posição histórica naquilo que a gente chama de solução de dois Estados [para Israel e a Palestina] e esta decisão pode jogar todos esses esforços no lixo", avalia Guilherme Casaroões, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo.

A anexação de Jerusalém oriental por Israel, após a guerra de 1967, nunca foi reconhecida pela comunidade internacional, para a qual o estatuto da cidade santa deve ser negociado pelas duas partes e as embaixadas não devem se instalar ali enquanto não se cheguar a um acordo.  O governo brasileiro sempre seguiu essa diretriz, mas o posicionamento de Jair Bolsonaro poderia colocá-la em xeque.  "É motivo de respeitar uma nação soberana", declarou o presidente eleito em entrevista à TV Bandeirantes na segunda-feira.

Na terça-feira, ele parecia hesitar, ao declarar que a transferência "ainda não foi decidida", lançando dúvidas sobre sua determinação sobre uma medida tão polêmica.  A transferência da embaixada teria, antes de mais nada, uma motivação religiosa para Jair Bolsonaro, eleito em 28 de outubro com 55% dos votos, em parte graças ao apoio ativo das igrejas evangélicas neopentecostais, que reúnem milhões de fiéis.
"Os evangélicos mais conservadores não colocam em questão, não relativizam nenhuma atitude de Israel. Qualquer decisão, qualquer medida, há um pressuposto que tem a legitimidade para fazer, como povo escolhido", que deve ser defendido custe o que custar, independentemente da atitude de seus dirigentes, explica Ronilson Pacheco, teólogo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
"É uma leitura extremamente literal da Bíblia, sem fazer qualquer reflexão de contexto, de história", acrescentou.

Os neopentecostais brasileiros seguem os preceitos do sionismo cristão, corrente segundo a qual o retorno dos judeus à terra santa e a criação do Estado de Israel, em 1948, segue uma profecia bíblica que anuncia o retorno do Messias.  "Nos templos, há muitos símbolos litúrgicos do judaísmo, como o candelabro ou a estrela de Davi, e alguns pastores até usam o kipá ", acrescenta Ronilson Pacheco.

O próprio Jair Bolsonaro, casado com uma evangélica, foi a Israel em 2016 para ser batizado por um pastor nas águas do rio Jordão.
Mas a religião não é a única motivação para Bolsonaro transferir a embaixada para Jerusalém, um anúncio que agradou o premiê israelense, Benjamin Netanyahu.
"Tem um valor simbólico para ele, pela relação dele com a comunidade evangélica, e também casa com uma revisão da tradição da política externa brasileira, mais globalista, multilateralista", explicou Monica Herz, professora associada do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.

Para ela, o mimetismo com Donald Trump se aproxima a "um alinhamento com o governo americano, coisa que não fizemos nem durante a ditadura militar".  Ex-paraquedista do Exército, Jair Bolsonaro é conhecido justamente pela nostalgia do regime militar, que comandou o País entre 1964 e 1985.  A aproximação com Israel também se deve ao fascínio do presidente pela tecnologia de ponta do Exército israelense.

Um de seus filhos, o senador Flavio Bolsonaro, e o governador eleito do Rio, Wilson Witzel, devem visitar o país em breve para comprar drones de ataque, que poderão ser usados pelas forças de ordem na luta contra os narcotraficantes.
Mas para Guilherme Casarões, "o Brasil teria condições de se aproximar dos EUA e de Israel independentemente de transferir a embaixada" de Tel Aviv para Jerusalém.
Membro da comissão de Relações Exteriores do Congresso, o senador Ricardo Ferraço, considerou recentemente que Bolsonaro fez esta promessa de forma precipitada, sem medir as consequências.
A Câmara de Comércio árabe-brasileira declarou sua preocupação, enquanto o Brasil é o primeiro produtor do mundo de carne halal (cujo consumo é permitido aos muçulmanos). O chefe da representação palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, declarou à AFP esperar que o deslocamento da embaixada não passe de um "anúncio de campanha".