Ao anunciar a transferência da embaixada do Brasil de
Tel Aviv para Jerusalém, o presidente eleito Jair Bolsonaro respondeu às
expectativas das influentes igrejas evangélicas, sua base de
sustentação, correndo o risco de uma ruptura com uma política de mais de
meio século do Itamaraty. Seguindo os passos do presidente americano Donald
Trump, de quem já se disse um admirador, o futuro chefe do Executivo
brasileiro corre o risco de isolar o país diplomaticamente, expondo-o a
represálias comerciais de parte dos países árabes, grandes importadores
de carne do Brasil.
"O Brasil tem uma posição histórica naquilo que a gente
chama de solução de dois Estados [para Israel e a Palestina] e esta
decisão pode jogar todos esses esforços no lixo", avalia Guilherme
Casaroões, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas em
São Paulo.
A anexação de Jerusalém oriental por Israel, após a
guerra de 1967, nunca foi reconhecida pela comunidade internacional,
para a qual o estatuto da cidade santa deve ser negociado pelas duas
partes e as embaixadas não devem se instalar ali enquanto não se cheguar
a um acordo. O governo brasileiro sempre seguiu essa diretriz, mas o posicionamento de Jair Bolsonaro poderia colocá-la em xeque. "É motivo de respeitar uma nação soberana", declarou o presidente eleito em entrevista à TV Bandeirantes na segunda-feira.
Na terça-feira, ele parecia hesitar, ao declarar que a
transferência "ainda não foi decidida", lançando dúvidas sobre sua
determinação sobre uma medida tão polêmica. A transferência da embaixada teria, antes de mais nada,
uma motivação religiosa para Jair Bolsonaro, eleito em 28 de outubro
com 55% dos votos, em parte graças ao apoio ativo das igrejas
evangélicas neopentecostais, que reúnem milhões de fiéis.
"Os evangélicos mais conservadores não colocam em
questão, não relativizam nenhuma atitude de Israel. Qualquer decisão,
qualquer medida, há um pressuposto que tem a legitimidade para fazer,
como povo escolhido", que deve ser defendido custe o que custar,
independentemente da atitude de seus dirigentes, explica Ronilson
Pacheco, teólogo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio).
"É uma leitura extremamente literal da Bíblia, sem fazer qualquer reflexão de contexto, de história", acrescentou.
Os neopentecostais brasileiros seguem os preceitos do
sionismo cristão, corrente segundo a qual o retorno dos judeus à terra
santa e a criação do Estado de Israel, em 1948, segue uma profecia
bíblica que anuncia o retorno do Messias. "Nos templos, há muitos símbolos litúrgicos do
judaísmo, como o candelabro ou a estrela de Davi, e alguns pastores até
usam o kipá ", acrescenta Ronilson Pacheco.
O próprio Jair Bolsonaro, casado com uma evangélica,
foi a Israel em 2016 para ser batizado por um pastor nas águas do rio
Jordão.
Mas a religião não é a única motivação para Bolsonaro
transferir a embaixada para Jerusalém, um anúncio que agradou o premiê
israelense, Benjamin Netanyahu.
"Tem um valor simbólico para ele, pela relação dele com
a comunidade evangélica, e também casa com uma revisão da tradição da
política externa brasileira, mais globalista, multilateralista",
explicou Monica Herz, professora associada do Instituto de Relações
Internacionais da PUC-Rio.
Para ela, o mimetismo com Donald Trump se aproxima a
"um alinhamento com o governo americano, coisa que não fizemos nem
durante a ditadura militar". Ex-paraquedista do Exército, Jair Bolsonaro é conhecido
justamente pela nostalgia do regime militar, que comandou o País entre
1964 e 1985. A aproximação com Israel também se deve ao fascínio do presidente pela tecnologia de ponta do Exército israelense.
Um de seus filhos, o senador Flavio Bolsonaro, e o
governador eleito do Rio, Wilson Witzel, devem visitar o país em breve
para comprar drones de ataque, que poderão ser usados pelas forças de
ordem na luta contra os narcotraficantes.
Mas para Guilherme Casarões, "o Brasil teria condições
de se aproximar dos EUA e de Israel independentemente de transferir a
embaixada" de Tel Aviv para Jerusalém.
Membro da comissão de Relações Exteriores do Congresso,
o senador Ricardo Ferraço, considerou recentemente que Bolsonaro fez
esta promessa de forma precipitada, sem medir as consequências.
A Câmara de Comércio árabe-brasileira declarou sua
preocupação, enquanto o Brasil é o primeiro produtor do mundo de carne
halal (cujo consumo é permitido aos muçulmanos). O chefe da representação palestina no Brasil, Ibrahim
Alzeben, declarou à AFP esperar que o deslocamento da embaixada não
passe de um "anúncio de campanha".
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