O julgamento do Supremo Tribunal Federal que assegurou ao
Ministério Público a atribuição de promover, "por autoridade própria e
por prazo razoável", investigações de natureza penal, de que tratei na
coluna de ontem, terá desdobramento em outras ações, como a que
questiona a autonomia das interceptações de comunicação.
A
disputa entre o Ministério Público e a Polícia Federal sobre
investigações criminais ganhou dimensão especial a partir da repercussão
das ações da Operação Lava-Jato, e há várias Ações Diretas de
Inconstitucionalidade (ADIN) sobre o alcance investigatório do poder
público. O fato de que, como registrei ontem, tanto o
Ministério Público quanto a representação dos delegados gostaram da
decisão do STF, não significa que o debate entre as instituições será
superado. Ao contrário, cada qual interpreta à sua maneira a decisão, o
que deve gerar mais questionamentos.
No dia 28 de abril o Conselho
Nacional do Ministério Público, em resposta a questionamento do Conselho
Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), revalidou o uso do
Guardião, sistema próprio de interceptação de comunicações para efeito
de investigações, apelidado de "Grande Irmão". Através do
pedido de providências a OAB tentou impedir que o Ministério Público
exerça o poder de interceptar comunicações, que ele assumiu em 2009,
através de resolução própria.
Ao fazer isso, segundo a OAB, e
também a Associação de Delegados de Polícia (ADEPOL), usurpou
atribuição das Polícias Civil e Federal, prevista na Constituição
Federal e em lei regulamentar. Em consequência da última
decisão do CNMP, a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, acaba
de entrar com nova ADIN no STF, para não só impedir o uso do Guardião,
como para anular as duas resoluções do CNMP em que o Ministério Público
se baseia para investigar sem controle externo - as de 2009 e do último
dia 28 de abril.
Para a ADEPOL, essas resoluções violaram a
Constituição Federal sob dois aspectos: ofender a competência federal
para legislar sobre direito processual (C.F., art. 22, I) e o princípio
da legalidade (C.F. art. 5, II e XII) e afrontar as funções exclusivas
de polícia judiciária. Pelas resoluções do CNMP, toda
interceptação da polícia é obrigatoriamente fiscalizada pelo Ministério
Público, mas o MP, embora só podendo interceptar também com autorização
prévia do Poder Judiciário, pode interceptar todos os tipos de
comunicação diretamente, sem consultar a polícia e sem ser fiscalizado
por nenhuma outra instituição.
Os embates envolvendo a
definição dos limites para ação do MP, regulamentados por lei após a
Constituição de 88, já resultaram em 28 ADINs no STF, incluindo esta
última da ADEPOL. Esta deve se juntar a outra, impetrada pelo
ex-Procurador Antônio Fernandes Barros, que assinou a resolução de 2009,
quando presidia o CNMP. A explicação para essa aparente
contradição é que ele foi voto vencido no então colegiado, assinou como
presidente, mas, como procurador, na verdade é contra. Assim sendo,
contestou a competência formal do CNMP para normatizar as
interceptações, assinando ADIN que está sob relatoria do ministro Luis
Roberto Barroso.
A ela deve ser juntada a nova ADIN da
Adepol. O sistema Guardião já é usado pelo MP em 17 estados, através de
mão de obra que a Adepol alega não serem identificados, podem ser PMs ou
agentes penitenciários, por exemplo. Só no Rio de Janeiro o MP
requisitou mais de 200 policiais militares para atuarem em
investigações. Em São Paulo o MP local gasta mais de R$ 2 milhões por
mês com a operação do "Grande Irmão".
Esclarecimento
Na
coluna de ontem escrevi que, por ter repercussão geral reconhecida, a
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de permitir ao Ministério
Público investigar teria que ser acatada a partir de agora por toda a
Justiça. Não é verdade. A decisão facilitará o julgamento de futuros
recursos extraordinários, e, quanto ao mérito do recurso, servirá de
norte aos juízes de primeira instância e aos demais Tribunais, que,
entretanto, não estarão obrigados a adotar o entendimento do STF.
Somente a súmula vinculante, prevista no artigo 103 – A, caput, da
Carta Magna, tem o poder de compelir os órgãos do Poder Judiciário e a
administração pública a adotarem o entendimento do STF.
Fonte: Coluna do Merval Pereira - O Globo