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sábado, 1 de julho de 2023

Brasil, de Geisel a Lula - Percival Puggina

 Ernesto Geisel – Wikipédia, a enciclopédia livre

  O site Memorial da Democracia, que está longe, bem longe, de ser um site de direita, reproduz trecho de uma entrevista do general Ernesto Geisel quando presidente. 
Ali pude ler, palavra por palavra, algo de que bem me lembrava porque a expressão usada ficou colada à imagem e ao governo do general. A conversa com os jornalistas aconteceu um mês depois de Geisel haver fechado o Congresso e decretado o Pacote de Abril (uma série de casuísmos como aumento para seis anos do mandato presidencial, nomeação de 1/3 dos senadores por ato presidencial – ditos biônicos –, representação mínima de 8 deputados beneficiando estados menos populosos, etc.).

Palavras Geisel aos jornalistas: “Todas as coisas no mundo, exceto Deus, são relativas. Então, a democracia que se pratica no Brasil não pode ser a mesma que se pratica nos Estados Unidos da América, na França ou na Grã-Bretanha”. Uma semana depois, em entrevista à também francesa RTF 2, reafirmou: “O Brasil vive um sistema democrático dentro de sua relatividade.

Por isso, chamou-me a atenção que Lula, na eloquente defesa que fez da ditadura iniciada por Hugo Chávez e continuada por Nicolás Maduro, tenha usado a mesma expressão.  Recordando: no último dia 29, ao receber a visita do liberticida e inclemente venezuelano, Lula assumiu a proteção do regime implantado naquele país (e que já provocou o êxodo de 6 milhões de pessoas, equivalente a 20% da população). Disse ser uma narrativa a afirmação de que a Venezuela era uma ditadura. Agora, um mês mais tarde, em entrevista a uma emissora de Porto Alegre, voltou ao tema para afirmar ao repórter que “o conceito de democracia é relativo para você e para mim”.

Lula nada disse quando o jornalista Rodrigo Lopes, durante essa entrevista, contou ter sido preso na Venezuela, assim como nada fez quando um dos esbirros de Maduro, no mês passado, soqueou uma jornalista brasileira.

O único absoluto para essa esquerda malsã e sinistra que se abateu sobre o país é a necessidade de calar a divergência onde ela se manifesta: no Congresso, nas redes sociais, no jornalismo tradicional, no ambiente cultural, na cadeia produtiva da educação, nas igrejas, e até mesmo na CPMI instalada para investigar os paradoxos e contradições do dia 8 de janeiro.

Não há mal que sempre dure, porque o inferno é noutro endereço. Para quem esteja se refestelando, lembro: não há bem que não acabe, porque o paraíso tampouco é aqui.

 
[Pedimos vênias ao ilustre Percival pela substituição  da foto que ilustra o  Post ora transcrito - no original do site puggina.org.
É que entendemos, não ser o atual presidente do Brasil digno de ombrear,  ainda que em fotomontagem, com o Presidente ERNESTO GEISEL. Obrigado, Blog Prontidão Total.]

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Da palavra à ação - O Estado de S. Paulo

O Tribunal Superior Eleitoral finalmente reagiu ao liberticida Jair Bolsonaro e de ofício, sem esperar pela iniciativa do Ministério Público Eleitoral

Primeiro, aprovou por unanimidade a abertura de inquérito administrativo contra o presidente, que reiteradamente tem atacado a legitimidade das eleições do ano que vem e a lisura da Justiça Eleitoral, sem apresentar provas de suas acusações. Se constatado que Bolsonaro praticou “abuso de poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea”, como está citado na resolução do TSE, o presidente pode ser impedido de concorrer à reeleição.

Na mesma sessão, o TSE, também por unanimidade, decidiu encaminhar ao Supremo Tribunal Federal (STF) notícia-crime contra Bolsonaro para apurar “possível conduta criminosa” do presidente no âmbito das investigações sobre a disseminação de notícias fraudulentas para prejudicar o STF. À petição, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, anexou o pronunciamento que Bolsonaro fez na quinta-feira passada, no qual reiterou mentiras sobre o sistema de votação e colocou em dúvida a honestidade da Justiça Eleitoral.

Nos dois casos, o TSE agiu de ofício, ou seja, não esperou que a iniciativa partisse do Ministério Público Eleitoral. Afinal, o procurador-geral eleitoral e da República, Augusto Aras, já mostrou que não está interessado em fazer o presidente responder por suas agressões à democracia, embora a função constitucional da Procuradoria-Geral da República seja justamente a de defender a ordem jurídica e o regime democrático. [em síntese: se um órgão do Poder Judiciário entender que o procurador-geral eleitoral e da República está sendo omisso, simplesmente, se torna denunciante e na nova condição assume os poderes da autoridade que entende omissa; PODE?] 

Há um longo caminho até uma eventual punição concreta de Bolsonaro, mas o que importa, neste momento, é que afinal se passou da palavra à ação: depois de inúmeras notas de protesto, mensagens indignadas e declarações escandalizadas de ministros das Cortes superiores, o Judiciário afinal cumpriu seu papel institucional intrínseco, ao chamar o presidente à sua responsabilidade. 

Mas as palavras, necessárias, também não faltaram. No momento em que se anunciavam os inquéritos contra Bolsonaro, o ministro Barroso, na condição de presidente do TSE, deixou claro que a ameaça à realização de eleições, como as que o presidente da República tem feito, “é uma conduta antidemocrática”. E acrescentou: “Conspurcar o debate público com desinformação, mentiras, ódio e teorias conspiratórias é conduta antidemocrática”. Além dos votos de todos os colegas de TSE, o ministro Barroso estava respaldado por uma nota conjunta de todos os seus antecessores desde 1988, na qual reiteraram que “jamais se documentou qualquer episódio de fraude nas eleições” desde a adoção da votação eletrônica.

Um pouco antes, na reabertura dos trabalhos do Supremo, o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, destacou que “harmonia e independência entre os Poderes não implicam impunidade de atos que exorbitem o necessário respeito às instituições” e que ataques aos ministros das Cortes superiores, como os que Bolsonaro faz, “corroem sorrateiramente os valores democráticos”.

Mesmo diante dessa robusta manifestação institucional contra seus atentados à democracia, o presidente não recuou. Ao contrário: reafirmou suas ofensas ao ministro Barroso e suas ameaças às eleições. Disse que o ministro Barroso a quem Bolsonaro já chamou de “idiota” e “imbecil” “presta um desserviço à nação brasileira”. Acrescentou que está pessoalmente numa “briga” com o magistrado porque este estaria “querendo impor sua vontade”. E declarou: “Jurei dar minha vida pela pátria, não aceitarei intimidações”. 

[Desanimador é quando se constata que toda a confusão,  toda a necessidade de robusta manifestação, é consequência apenas de uma vontade, talvez capricho defina melhor, de um homem, de um ser humano - em carne, osso e limitações = ministro Barroso.
Se o presidente do TSE viesse a público e agindo com a exatidão da autoridade máxima da Justiça Eleitoral informasse, de forma clara, simples e convincente: 
- quais as razões que o motivam a ser contrário ao VOTO AUDITÁVEL = REGISTRO DO VOTO?
- Por que ser contra algo que pode tornar a votação mais segura?
Uma vez conhecida as fundamentadas razões para sua posição, a pendenga VOTO AUDITÁVEL = REGISTRO DO VOTO desapareceria e iríamos todos, de forma harmoniosa e patriótica, cuidar dos superiores interesses do Brasil, nossa Pátria  Amada.]

Bolsonaro segue assim a cartilha tradicional dos candidatos a ditador: escolhe um inimigo, a quem atribui todo o mal, e se apresenta como vítima de perseguição de forças ocultas. Reivindica ter seu próprio “exército”se não as Forças Armadas, que seja o punhado de camisas pardas que o adulam – e ameaça desestabilizar o País se não lhe fizerem suas vontades e as de sua família. Tem tudo para ser apenas bravata, mas, pelo sim, pelo não, Bolsonaro deve saber que esta República, ao contrário do que ele gostaria, não é uma terra sem lei.

Opinião - O Estado de S. Paulo


sexta-feira, 6 de novembro de 2020

A democracia e as mulheres estão sob o ataque de rifles e machos

Ascensão da extrema direita populista, ancorada nas redes sociais, traz desafio

O único regime, já escrevi aqui, em que tudo pode é a tirania. Assim é para o próprio tirano e para os seus amigos. A democracia tem interdições. E aí está o busílis. A ascensão da extrema direita populista, ancorada nas redes sociais, traz um desafio. Não raro, sólidas reputações liberais, inclusive neste jornal, confundem, por exemplo, a prática de crimes com a liberdade de expressão, pedra angular da civilidade. E tal confusão é um caminho muito curto para que se tome a liberdade de expressão por um crime.

Assim tem sido nos Estados Unidos, no Brasil e em toda a parte em que a democracia ainda resiste. O momento é delicado. O sistema tem sido refém de uma leitura liberticida de suas próprias premissas. Há uma pergunta, que não é recente, mas que está ainda a pedir resposta adequada: a democracia deve tolerar a ação daqueles que se aproveitam de suas garantias para solapá-la caso cheguem ao poder?

Vejam o que se passa nos EUA. Os celebrados "founding fathers" criaram um modelo em que o federalismo se opõe à democracia genuína, de modo que um homem não vale um voto. Os sinais de esclerose são evidentes. Além do samba e do ditongo nasal "ão", podemos ensinar aos gringos como se organiza uma votação eficiente.

É fato: a forma que assumiu o federalismo americano, somada ao subdesenvolvimento da tecnologia do voto, joga o mundo num impasse. Que tomem emprestadas as nossas urnas eletrônicas! Nada impede que se digite lá o número de um estúpido. Mas o resultado, ao menos, sai com mais rapidez. Assim, o modelo em vigor potencializa a ação de um vândalo da democracia como Donald Trump.

Pergunta com resposta que a mim soa evidente, embora pouco haja a fazer por lá —e já vou chegar ao nosso quintal. É moralmente aceitável que um chefe de Estado coloque em dúvida o arcabouço legal que lhe assegurou a vitória quando este está prestes a certificar a sua derrota? E que fique claro: esse "pôr em dúvida" não se limita a um arroubo retórico.

O chefe da nação convoca abertamente suas milícias digitais a entrar em ação, o que, segundo os padrões americanos, pode implicar comparecer ao local da apuração dos votos com um rifle nos ombros para parar a contagem, como pede o bandoleiro. Deve a democracia garantir ao chefe de Estado a "liberdade de expressão" para incitar a luta armada contra as regras do jogo? É preciso, nesse caso, que o moralmente inaceitável seja também um crime punível.

Olhemos para nossos próprios desatinos. A democracia brasileira deve tolerar que Jair Bolsonaro diga asneiras contra as vacinas enquanto faz, com a força da representação, a apologia de drogas comprovadamente ineficazes contra a doença, usando para tanto a visibilidade que lhe confere o aparelho de Estado? [o presidente Bolsonaro é um cidadão que tem o direito a expressar livremente suas opiniões.

Podemos até discutir caso ele emita um decreto proibindo a vacinação - neste caso cabe um pronunciamento superior, baseado nas leis e em dados científicos confiáveis, fundamentados validando os argumentos utilizados na sustentação do decreto proibindo;

mas sua opinião ele tem o direito constitucional de emitir, se quando e com o conteúdo que lhe parecer conveniente.

Ainda mais quando a tão falada vacina ainda é uma hipótese, digamos promissora.

Vale o mesmo para os remédios contra a peste que contam com a confiança do presidente - são remédios de venda controlada (a cloroquina e o antibiótico azitromicina, sendo a ivermectina venda livre por se tratar de um conhecido vermicida) o que leva ao necessário aval de um médico. O presidente estaria cometendo crime, ou tentando, se emitisse um decreto atropelando a Anvisa e liberando a venda livro dos dois primeiros.] 

As democracias estavam preparadas para enfrentar aqueles que, à margem do sistema, buscavam se organizar para destruí-la. Seus aparelhos de repressão, diga-se, atuam muitas vezes para esmagar até o protesto justo de oprimidos que só reivindicam direitos, o que é lamentável e tem de ser coibido. O regime, no entanto, tem se mostrado inerme para punir a ação daqueles que o sabotam a partir dos aparelhos de Estado, buscando minar por dentro as suas virtudes. E isso, hoje, é uma ameaça concreta às nossas liberdades.

Reinaldo Azevedo, colunista - Folha de S. Paulo/UOL  - MATÉRIA COMPLETA