São incontáveis as decisões inusitadas
As cortes supremas, nas democracias, garantem, em regra,
um insumo indispensável à ordem institucional: a segurança jurídica. Como intérpretes da Constituição,
firmam a jurisprudência e funcionam
como poder moderador –
mais ou menos o contrário do que tem feito, [ EXATAMENTE é mais adequado que o MAIS OU MENOS] já
há alguns anos, o STF, fator de instabilidade não apenas jurídica, mas
sobretudo política e institucional.
São incontáveis as decisões inusitadas, como a desta semana, em que o
ministro Marco Aurélio, em decisão monocrática,
quis atropelar o
próprio plenário da Corte, mandando libertar todos os presos condenados
em segunda instância. Seriam mais de 100 mil, contabilizados, além dos condenados na Lava Jato, criminosos de sangue, perigosos líderes de facções.
Foi uma espécie de Simão Bacamarte, do conto O Alienista, de Machado
de Assis, que chegou a prender e, em seguida, soltar toda uma cidade,
para no fim internar-se a si mesmo como o único louco das redondezas.
Essa sensatez de Simão faltou a Marco Aurélio, que considerou seu ato
normal e necessário e estaria pronto a repeti-lo.
O ato insano não se consumou graças ao presidente da Corte, Dias
Toffoli, que revogou a liminar. Mas isso não o poupou da suspeita de ter
participado de um ato teatral. Na semana anterior,
Toffoli adiou para abril a sessão do plenário que
examinaria pela quinta vez (isso mesmo: quinta vez),
em dois anos, a
jurisprudência a respeito da prisão em segundo grau. Não houve um motivo objetivo para o adiamento. Diante disso,
a
canetada de Marco Aurélio pode ter sido –
e não falta quem disso
suspeite – um balão de ensaio para avaliar a reação social à soltura de
Lula. Absurdo? A tanto chegou o conceito do STF.
Jamais um tribunal mobilizou-se tanto em torno de um único personagem
– no caso,
Lula, condenado em segundo grau, prestes a ter nova
condenação em primeiro grau e tornado réu pela sétima vez há duas
semanas. Não bastasse,
teve ainda seus pedidos de habeas corpus negados
nas terceira (STJ) e quarta instâncias (STF).
O ex-ministro e ex-presidente do STF, Carlos Ayres Brito, diz que a
Corte Suprema “
é uma porta que só se abre por dentro”; ou seja,
nem tudo
que lá chega deve mobilizá-la. Isso, porém, não funciona para Lula e
alguns de seus aliados.
Ter poupado, por exemplo, a ex-presidente Dilma Roussef, quando de
seu impeachment, da perda de direitos políticos por oito anos,
foi um
ato de lesa-Constituição. E foi praticado por ninguém menos que o então
presidente da Corte, Ricardo Lewandowski. Em circunstâncias normais
(que inexistem), seu ato seria considerado
nulo de pleno direito pela própria Corte, que, no entanto, até hoje não
se manifestou a respeito.
O próprio Toffoli até hoje não explicou por que mandou soltar seu
ex-patrão, José Dirceu (que, em face de suas relações pessoais, deveria
considerar-se suspeito para julgar), condenado em segunda instância a 41
anos de prisão. Dirceu está solto e sem tornozeleira eletrônica, em
condições de inclusive deixar o país. [o mais grave é que Toffoli usou para soltar o ex-chefe o absurdo e inexistente recurso 'habeas corpus' de ofício;
Dirceu, a exemplo do terrorista italiano Cesare Battisti, na hora que quiser pode deixar o Brasil - não fez ainda, e, provavelmente, não o fará, por saber que não será preso.
Battisti conseguiu fugir - e tudo indica que não será preso - exatamente por um outro supremo ministro ter anunciado aos quatro ventos que o terrorista poderia ser preso e extraditado.
Battisti entendeu o anúncio e caiu fora.
A favor de Toffoli destaque-se que após ter se tornado presidente do STF tem agido com imparcialidade, um verdadeiro estadista. ]
Se é benevolente com esses personagens, o STF não o foi em relação ao
presidente eleito, Jair Bolsonaro,
aceitando denúncia de uma
procuradora filiada ao PT de que teria incitado o estupro, quando é
autor de projeto que inversamente agrava a punição daquele crime,
estabelecendo castração química para os reincidentes.
Entre as imprevisibilidades que aguardam o novo governo, há ao menos
algo bem previsível: a ação desestabilizadora do STF, adversário
explícito do maior fator de unidade nacional – a Operação Lava Jato.
Esta semana, não por acaso, a história do cabo e do soldado,
como meios
suficientes para fechá-lo, foi repetida em todo o país. E não como
piada.
Ruy Fabiano, jornalista - Blog do Noblat, Revista Veja