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domingo, 7 de maio de 2023

Os inquéritos do fim do mundo - Opinião do Estadão

STF usa inquéritos sobre ‘fake news’ e milícias digitais como pretexto para investigar até suspeita sobre cartão de vacinação de Bolsonaro. Nenhum juiz dispõe de competência universal

Se ainda havia espaço para alguma dúvida, nesta semana ficou patente que os Inquéritos 4.781/DF e 4.874/DF, do Supremo Tribunal Federal (STF), estão servindo a propósitos muito distantes de seus objetivos originais. O primeiro foi aberto para apurar fake news e ameaças contra o Supremo, e o segundo, para investigar atuação de milícias digitais contra o Estado Democrático de Direito. 
No entanto, foram usados agora para remover da internet conteúdo sobre projeto de lei em tramitação no Congresso e para investigar falsificação de cartão de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Observa-se, nos dois casos, uso rigorosamente irregular dos inquéritos, descumprindo regras básicas do ordenamento jurídico. Além de prazo para terminar, toda investigação deve ter objeto certo e determinado. E nenhum juiz dispõe de competência universal.

Acertadamente, anos atrás, o STF rejeitou o entendimento expansivo da Lava Jato, no sentido de que todo indício criminoso envolvendo governo federal e partidos políticos deveria ser investigado e julgado pela 13.ª Vara Federal Criminal de Curitiba. No julgamento, o ministro Alexandre de Moraes ressaltou o absurdo de transformar uma única vara em “juízo universal de combate à corrupção”. 
De fato, a interpretação do então juiz Sérgio Moro e dos procuradores da Operação fez parecer, em determinado momento, que todos os grandes casos de corrupção do País ficariam concentrados em um único magistrado. Sob pretexto de combater a impunidade, burlou-se o princípio do juiz natural, que, como Moraes lembrou na ocasião, “é importante garantia de imparcialidade”.
 
Agora, o País assiste a uma situação similar. Sob pretexto de defesa da democracia em circunstâncias excepcionais, o STF mantém abertos inquéritos que, na prática, estão conferindo uma espécie de competência universal à Corte e, em concreto, ao relator, o ministro Alexandre de Moraes. Os limites foram ultrapassados.  
O que era para investigar fake news contra o Supremo foi usado para arbitrar debate sobre projeto de lei.

O STF agiu corretamente ao abrir os inquéritos. Existia fundamento jurídico a justificar a competência da Corte nessas investigações. No entanto, não existe fundamento jurídico para tornar esses inquéritos perpétuos, menos ainda para, servindo-se deles, transformar o ministro Alexandre de Moraes em “juízo universal de defesa da democracia”.

Essas investigações tiveram papel fundamental. Em momentos especialmente difíceis, elas representaram a eficaz reação do Estado brasileiro contra quem queria vandalizar o regime democrático. Precisamente por isso, devem ser concluídas, como dispõe a lei. Manter os inquéritos abertos, além de ser ocasião para novas medidas irregulares, coloca em risco o bom trabalho feito antes. 
A Lava Jato não foi um aprendizado suficiente? 
Não há apoio popular, nem circunstância política, capaz de legitimar métodos ilegais. Transigir com tais práticas é fazer um tremendo desserviço ao País.
 
Sem ingenuidade, é preciso reconhecer a oportunidade. Os dois episódios desta semana – arbitrar debate público por meio de inquérito policial e pendurar apuração de falsificação de cartão vacinação contra covid em procedimento relativo a crimes contra o Estado Democrático de Direito – facilitaram o trabalho do colegiado do Supremo. 
Eles são muito acintosos para serem relevados. Não se pode tapar o sol com peneira. A condução atual dos Inquéritos 4.781/DF e 4.874/DF não está de acordo com a lei e a jurisprudência do Supremo.
 
O Judiciário tem pela frente um enorme trabalho em defesa da lei e das instituições democráticas; em concreto, o processamento das investigações e denúncias do 8 de Janeiro e o vasto campo de indícios relacionados a Jair Bolsonaro. Não há dúvida de que o caso do cartão de vacinação é apenas o começo. Diante desse cenário, o STF tem o dever de respeitar a lei e sua jurisprudência. A intransigência da Corte com o erro é o que assegura a tão necessária autoridade do Judiciário, especialmente nestes tempos conturbados.

Notas & Informações - O Estado de S. Paulo 
 

quinta-feira, 2 de junho de 2022

Corrupção na Petrobras jamais será esquecida - Gazeta do Povo

Alexandre Garcia

Estatal

Tem aquele ditado que diz "pau que bate em Chico, bate em Francisco". Mas para o Supremo Tribunal Federal, e até para Câmara dos Deputados, parece que não é assim
Algumas coisas da Constituição valem para uns e não valem para outros.

Por exemplo, a inviolabilidade de deputados e senadores por quaisquer palavras não valeu para o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ). Nem no Supremo nem na própria Câmara. Mas, agora, a queixa de um senador contra uma deputada foi arquivada com base nisso.

Síndrome Pós-Covid atinge metade das pessoas que tiveram Covid, mas tem tratamento 

O que diz a comissão do TSE sobre as tentativas de “hackear” as urnas

O caso envolve o senador pernambucano Humberto Costa, que foi ministro da Saúde no governo do PT. Ele moveu uma ação no Conselho de Ética da Câmara contra a deputada Soraya Manato, do PTB do Espírito Santo. Ela escreveu nas redes sociais que Costa estava envolvido na Lava Jato. E depois o chamou de vampiro da saúde, porque ele era ex-ministro da Saúde.
Então, Costa acionou Soraya no Conselho de Ética, achando um absurdo e falta de decoro. O relator da representação, claro, mandou para o arquivo, dizendo que a deputada é inviolável por quaisquer palavras. Só que isso não valeu para Daniel Silveira
E aí eu fico me perguntando: tem uma Constituição para uns e uma Constituição para outros? [exatamente exato; para os conservadores, os de direita e apoiadores do presidente Bolsonaro a Constituição usada é a mesma que condenou Daniel Silveira (beneficiado por decreto de graça, concedido pelo presidente Bolsonaro); 
para a turma da esquerda, os inimigos do Brasil = inimigos do presidente e os da turma do establishment é usada a outra.]

Chefões estão livres

Estou no Rio Grande do Sul e agora mesmo fico sabendo que Lula também está por aqui.   
Chegou por Porto Alegre, que é a sede do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a segunda instância dos processos da Lava Jato, que revisou os dois processos de Lula: do triplex no Guarujá e do sítio de Atibaia.                                                                                                          O tribunal não só confirmou as condenações como aumentou as penas contra o ex-presidente
E ainda seguiu recurso lá no Superior Tribunal de Justiça, que confirmou de novo a condenação. 
E, no entanto, o Supremo Tribunal Federal foi lá e anulou tudo.
 
Por que estou dizendo isso? Porque, nesta quarta-feira (1º), o Tribunal de Contas da União mandou um ex-diretor da Petrobras nomeado por Lula, o Renato Duque, devolver R$ 975 milhões à empresa
Por causa das obras de duas refinarias que foram abandonadas no governo Dilma Rousseff. Duque ficou durante todo o governo petista na Petrobras e dizem que era o homem de José Dirceu dentro da empresa.
 
Renato Duque já tinha sido condenado a 57 anos de prisão, fez acordo de delação premiada e entregou mais gente. Aí eu lembro também do Pedro Barusco, outro ex-gerente da Petrobras, que, de uma hora para outra, devolveu R$ 182 milhões que estavam na conta dele na Suíça. 
E ainda prometeu devolver mais R$ 121 milhões.
 
Ao todo já foram devolvidos mais de R$ 6 bilhões desviados da Petrobras pela corrupção. Os corruptos devolveram, confessaram o crime e, no entanto, os poderosos chefões foram liberados pelo Supremo. 
Não faz sentido. É querer tapar o sol com a peneira, querer imaginar que nós vamos acreditar nessas decisões do Supremo, de gente que foi condenada.

Alexandre Garcia,  colunista - Gazeta do Povo - VOZES


terça-feira, 7 de abril de 2020

Caneta sem tinta - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo

Demitir Mandetta é provocar STF, Congresso, governadores, sociedade e... generais


Na reunião decisiva de dez dias atrás em que alertou o enciumado presidente Jair Bolsonaro de que não pediria demissão, o ministro Luiz Henrique Mandetta também assumiu o compromisso de não capitalizar política e eleitoralmente o eventual sucesso da estratégia do Ministério da Saúde ao fim da pandemia. Isso, porém, não depende só de Mandetta, depende das circunstâncias.

Médico ortopedista, nascido em Mato Grosso do Sul, 55 anos, Mandetta foi secretário de Saúde no seu Estado, cumpriu dois mandatos de deputado federal e não disputou a eleição de 2018. Mas, apesar do currículo político magro e da discrição no primeiro ano no Ministério da Saúde de Bolsonaro, ele conquistou imensa visibilidade, disparou em popularidade e passou a mexer com os brios de Bolsonaro ao ser olhado como candidato. A quê? Neste momento, a qualquer coisa.

[não faz bem à democracia - cantada em prosa e verso, especialmente, quando é usada, às vezes sem nenhum fundamento, contra o presidente da República - que qualquer cidadão, especialmente quando integrante de integrante de outro Poder, em qualquer nível, ignore os ditamos da Constituição Federal, no caso presente, sem limitar, o inciso I, do artigo 84, adiante:
"Constituição Federal 
.....Seção II
Das Atribuições do Presidente da República
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
I - nomear e exonerar os Ministros de Estado;
II - ..." ]


No início dos anos 1990, o professor e sociólogo Fernando Henrique Cardoso não se reelegeria para o Senado e discutia se valia a pena disputar uma vaga na Câmara quando o presidente Fernando Collor caiu, o vice Itamar Franco assumiu e ele, no Ministério da Fazenda, foi o grande avalista do Plano Real. Conclusão: em 1994, elegeu-se presidente da República já no primeiro turno.

O Plano Real foi para FHC o que a pandemia pode se tornar para Mandetta: a grande alavanca da sua carreira política. O Real, por ter sido o maior plano de estabilização da economia da história. A covid-19, por ser o maior desafio de vida ou morte das pessoas e das lideranças de todo o mundo. O ex-presidente Lula levou tão a sério o isolamento que nem se sabe onde está, [mais uma vez a articulista se destaca pelo humor oportuno e a exatidão da colocação = lembra a insignificância, a inutilidade representada pelo petista preso ou solto, tanto que 'cumpre' uma quarentena sem que ninguém saiba ou tenha interesse em saber  onde? desde quando?  e como?
Afinal foi ela quem cunhou a expressão 'o escândalo que encolheu' se referindo àquele jornalista americano.
Aliás, ninguém sabe dele, recolheu-se a sua insignificância?] nem que nome ele trabalha para 2022. Governadores equilibram-se entre a desgraça e o sucesso. Ciro Gomes só sabe gritar. 
Luciano Huck só aparece em propaganda de TV. E, em política, não há vácuos.


Bolsonaro está esfarelando seu capital eleitoral e sua credibilidade mundial e nacional com sua incrível teimosia e, quanto mais ele cai, mais Mandetta sobe. Até ao instituir entrevistas diárias de ministros para tirar os holofotes do titular da Saúde, Bolsonaro conseguiu o efeito oposto: as entrevistas se transformaram justamente em manifestação de união em torno de Mandetta.

Ressentido desde que o ministro trabalhou republicanamente com o governador João Doria contra a pandemia, Bolsonaro agora desdenha de quem se julga “estrela” e saca sua caneta para tentar mostrar quem manda. Sua obsessão em demitir Mandetta, porém, pode custar muito mais caro do que ele imagina. “O governo acaba”, diz importante personagem do poder.

O Supremo em peso, os presidentes e líderes do Congresso, a grande maioria dos governadores, os maiores partidos e a opinião pública se voltariam contra o presidente, que correria o risco de ser desautorizado em todos os flancos – e os generais do poder sabem disso. O STF pode derrubar a demissão de um ministro? Resposta de um jurista da ativa: “Em tese, ele não pode até que possa”. [antes de provar que pode, imperioso que faça.] 
Ou seja, seria inédito, não impossível. [ato equivalente a rasgar o 'estado democrático de direito', pisotear a Constituição, com um ônus que não vale a pena tentar.]

E, além do STF, Estados e municípios podem se rebelar contra o poder central (contra o fim do isolamento social, principalmente) e convém não esquecer que o deputado Rodrigo Maia não tem a caneta, mas tem a pauta da Câmara: cabe a ele decidir, por exemplo, se põe ou não em votação um processo de impeachment. Se demitir Mandetta e desarticular a Saúde em meio a uma pandemia que matou mais de 75 mil pessoas no mundo até ontem, Bolsonaro estará traçando seu próprio destino e o de Mandetta. No vazio de homens e ideias que o Brasil vive, nada como uma pandemia para destruir governantes e alavancar novos líderes. Uma constatação que enlouquece Bolsonaro e prejudica Mandetta, mas é impossível tapar o sol com a peneira. O rei está nu.

Eliane Cantanhêde, jornalista  - O Estado de S. Paulo

terça-feira, 11 de outubro de 2016

A guinada à direita da internet no Brasil

Durante uma visita recente ao Brasil, o ativista espanhol Javier Toret Medina provocou: “os movimentos de esquerda daqui são inúteis na Internet”. Essa “inutilidade” teria ficado clara pela tímida presença de organizações como o Movimento Passe Livre na Internet durante os protestos de 2013.

Ao fazer a crítica, o ativista espanhol exagera, claro. Mas, ao mesmo tempo, toca em um ponto que tem chamado muito a atenção dos estudiosos do ativismo nas mídias sociais no Brasil: a crescente presença de indivíduos e organizações auto-intitulados de direita. São várias organizações que chegam à casa do milhão (milhões!) de seguidores nas suas fan pages do Facebook, deixando para trás organizações com muito mais tempo de ativismo e com maior enraizamento na sociedade civil.

Se olharmos para partidos e, principalmente, para legisladores, a diferença também é gritante. Entre os deputados federais e senadores com maior presença na Internet, a grande maioria está filiada a partidos à direita do espectro político. São super usuários da Internet que utilizam as mídias sociais como plataformas para criar agenda, difundir informações, lançar campanhas e recrutar simpatizantes.

E a esquerda?
O que explica essa aparente indiferença de setores progressistas frente à Internet no Brasil? Ainda não temos boas pesquisas sobre o assunto, mas arrisco dizer que são várias as razões dessa diferença de comportamento com relação ao caso espanhol. Para começar, na Espanha a forte presença da esquerda na Internet era fruto de uma forte presença nas ruas e nas praças. No caso brasileiro, desde 2013 as ruas têm sido dominadas por setores mais conservadores. 

Outra coisa importante, que separa o caso brasileiro do espanhol como um abismo, é que metade da população brasileira ainda não está conectada à Internet. Sem falar das limitações de acesso e uso daqueles que estão conectados. Portanto, qualquer comparação tem que ser feita com cuidado.

Exageros e diferenças à parte, o ativista espanhol tem razão na sua crítica, porque parte da ausência (ou melhor, da presença tímida) na Internet não tem a ver com a exclusão digital e nem com a crise da esquerda. Tem a ver com decisões tomadas por ativistas e por organizações, que refletem uma visão equivocada dos impactos da Internet. Por exemplo, é comum escutarmos um certo desprezo nas análises sobre os impactos das mídias sociais. O ativismo “de verdade” seria o velho ativismo das assembleias, das reuniões presenciais, do corpo-a-corpo das campanhas. O ativismo na Internet seria limitado ao “ativismo do sofá”, aquele que não passa do clique no teclado. E pior: o ativismo no Internet contribuiria para esvaziar as organizações e os espaços de debate presenciais.

Como já discutimos nesta coluna, a Internet não é a panacéia. Está longe de ser a solução para todos os problemas de ação coletiva. E nem dá para generalizar os seus impactos: as plataformas digitais são usadas de maneiras diferentes, e esse uso muda com uma rapidez que só as gerações mais jovens conseguem acompanhar, enquanto os mais velhos correm atrás do prejuízo.

No entanto, dar as costas para os novos tipos de ativismo que estão surgindo via Internet é tapar o sol com a peneira. É ignorar que a tecnologia pode, sim, ser instrumento de mudança social. É deixar de ocupar um campo de disputa, no qual o ativismo político está se reinventando.

Fonte: Marisa von Bülow,  Doutora em ciência política - Blog do Noblat