Análise Política
Há uma tendência a afirmar que a sociedade brasileira está polarizada
ideologicamente, e isso é verdade em certo grau. Mas a tese não ajuda a
desvendar completamente os fenômenos políticos. Seria mais adequado
dizer que, mesmo havendo polarização ideológica, a política prevalece.
Enquanto a primeira se define por visões de mundo opostas, especialmente
no plano das ideias, a segunda separa campos em plano mais terreno,
material.
Não deixa de haver conexão entre as duas formas de determinação, mas
seria um erro não compreender a autonomia relativa de cada uma.
Um exemplo claro foram as votações desta semana no Congresso Nacional. A
oposição ligada ao ex-presidente Jair Bolsonaro apostou na polarização
ideológica para tentar evitar que o Senado aprovasse Flávio Dino para o
Supremo Tribunal Federal. Perdeu. Mas, logo depois, quem perdeu foi o
governo petista, quando o Congresso derrubou os vetos presidenciais à
lei do marco temporal e à prorrogação das desonerações sobre a folha de
pagamento das empresas.
Sempre persiste a tentação de acreditar que, no limite, este Congresso
Nacional faz o que desejam os personagens e grupos que comandam o
Legislativo. Ou que aprova qualquer coisa, desde que o governo atenda o
apetite dos parlamentares por verbas e cargos. Há uma dose de verdade
nisso, mas é errado pensar em termos absolutos. No limite, mesmo tendo
flexibilidade, costuma ser alto o custo de o parlamentar bater de frente
com quem o elegeu.
Recente encontro de dirigentes petistas manifestou desconforto com o
governo depender de uma maioria parlamentar inclinada à direita, até
por, segundo o petismo, as eleições terem aprovado outra agenda. Há aí
um acerto e um erro. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva depende
mesmo de parlamentares eleitos em aliança com Bolsonaro, mas seria
exagero afirmar que as eleições aprovaram uma agenda petista.
A eleição presidencial foi, em última instância, um plebiscito sobre a pessoa de Bolsonaro, e ele perdeu.
A aprovação de Dino e a derrubada dos vetos sobre o marco temporal e as
desonerações mostram que, dentro de certos limites, o Congresso pode até
absorver escolhas ideológicas de Lula e do PT, mas opõe e oporá
resistência a uma agenda, para recorrer à terminologia “faria limer",
anti-business. Pela simples razão de que a maioria do Poder Legislativo é
francamente adepta de um ecossistema com mais liberdade para o capital
buscar sua reprodução.
Pelo ângulo pragmático, talvez isso não chegue a ser problema para Lula.
Pode constituir até uma solução. já que ali na frente, no fritar dos
ovos, o povão vai querer saber principalmente se Lula 3 entregou
crescimento e empregos. E para operar esse milagre da multiplicação dos
pães o presidente precisa que os capitalistas invistam, pois não há como
o Estado brasileiro substituí-los. Ainda que muitos fiéis acreditem
nisso.
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