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terça-feira, 11 de junho de 2019

Tempestade

Moro e Guedes: dois superministros, dois alvos de dúvidas e interrogações

O efeito da divulgação da troca de mensagens do então juiz Sérgio Moro com procuradores é menos jurídico e mais político. É improvável que isso mude alguma coisa, por exemplo, nas condenações do ex-presidente Lula. Mas é provável que deixem Moro debaixo de chuvas e trovoadas, principalmente se os hackers tiverem bem mais do que já foi publicado. [destacando sempre que os hackers cometeram crimes e tudo que fornecerem não tem valor como prova, visto que provas ilegais não são válidas para nenhum fim, inclusive quem as usa não pode alegar a proteção do sigilo da fonte.
Até mesmo a credibilidade das mesmas pode ser posta em dúvida.
Finalizando com o destaque que as mensagens roubadas de Moro e dos procuradores não apontam nenhuma fraude no processo que encarcerou o ladrão petista.]

Moro entra na mira justamente quando o outro superministro, Paulo Guedes, da Economia, começa a fraquejar. A reforma da Previdência virou um samba de uma nota só, enquanto a economia patina e o desemprego não dá refresco. Dois superministros, dois alvos de interrogações. Bom para Moro isso tudo não é. As mensagens confirmam sua forte ligação com procuradores, principalmente com Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato. E a independência da Justiça? Juízes não devem e não podem manter relações promíscuas nem com a defesa nem com a acusação.

Isso, porém, é uma questão formal. Na prática, no dia a dia, que juiz não troca informações, mensagens e dúvidas com um lado, o outro ou ambos? E, cá para nós, nem chega a ser surpresa o trabalho e o esforço conjunto de Moro, procuradores, delegados e agentes da Receita Federal para chegar a um resultado espetacular: a maior e mais bem-sucedida operação de combate à corrupção de que se tem notícia.

No próprio documentário O mecanismo, dirigido por José Padilha e baseado no livro Lava Jato, do jornalista Vladimir Neto, essa relação já é retratada. Todo mundo sabia. Agora todo mundo finge que não e está chocado? E as idas de ministros do Supremo a palácios presidenciais, cervejadas de advogados com procurador-geral da República, visitas “de improviso” de advogados de Lula ao ministro da Justiça? Sem falar na intensa troca de mensagens de todos com todos.


Para conferir ainda mais complexidade à história, há o ataque de hackers. É óbvio que a ação não foi isolada e aleatória. Foi, sim, uma ação orquestrada, concentrada nos principais atores da Lava Jato. Além de Moro, os procuradores de Curitiba, o desembargador Abel Gomes, do Rio, e outros personagens-chave em Brasília. Os celulares invadidos não eram de quaisquer procuradores e juízes, mas de procuradores e juízes da Lava Jato.

Impossível a Polícia Federal chegar aos autores? Impossível não é, até pela máxima de que “não há crime perfeito”. Basta um vacilo, um descuido, um rastro e a investigação pode evoluir como um rastilho de pólvora. E Moro não é só o chefe da PF, mas é um sólido aliado da instituição na Lava Jato, tanto quanto dos procuradores. Agora, há duas questões pairando no ar e impedindo qualquer conclusão precipitada: se há outros trechos e se essas novas revelações podem ser mais diretas e mais devastadoras do que as que já vazaram até aqui pelo site The Intercept Brasil. Até lá, lembre-se que Sérgio Moro tem o lombo curtido e está bastante acostumado a “apanhar” desde os cinco anos de Lava Jato, testando forças com poderosos do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e com as maiores fortunas do País.

Uma coisa é certa: a ida de Moro para a Justiça foi muito melhor para Bolsonaro do que para o próprio Moro e pode até ser que ele vá dormir toda noite pensando se fez bem ou não, à sua biografia, à sua vida privada e até à Lava Jato, ao virar ministro de um governo tão estranho, adepto de armas, empenhado em beneficiar maus motoristas etc. Mas não são esses hackers e as mensagens que saíram até agora que irão derrubá-lo. Muito menos do pedestal na opinião pública. [opinião sensata e de quem sabe o que está dizendo.]

Como bem disse Fernando Henrique Cardoso ontem, houve “comentários impróprios”, mas o resto é “tempestade em copo d’água”.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Coerção ou convencimento?

A pressão através das redes sociais, que pode favorecer o governo em algumas ocasiões, pode também se virar contra ele

 O “presidencialismo de coerção”, como está sendo chamada em Brasília a suposta maneira Bolsonaro de governar, pressupõe uma ação deliberada do governo de pressão sobre os diversos grupos políticos e sociais que se colocarem em oposição às propostas que pretenda aprovar no Congresso.  O presidente eleito mitigou a ameaça, dizendo que a intenção é convencer o Congresso, não impor decisões.  Tem a ver com frases polêmicas do superministro da Economia, Paulo Guedes, que pretendia “dar uma prensa” no Congresso, e o deputado-filho do presidente eleito, que disse que a oposição seria “tratorada”.

A questão é se o e-gov (governo eletrônico) que se está preparando, como anunciou ontem o futuro ministro do Gabinete Civil, Onyx Lorenzoni, vai ter também a função de estimular militantes a pressionar os “ativistas” (que Bolsonaro já disse que quer inviabilizar), ou os congressistas.  Além de baratear custos e desburocratizar, o governo eletrônico tem o objetivo de aproximar governantes e governados através dos novos meios de comunicação. Se essa aproximação, porém, servir para mobilizar a opinião pública de maneira direta contra políticos, ativistas e jornalistas, como estamos vendo acontecer nos Estados Unidos de Trump, podemos ter problemas institucionais graves.

O general Hamilton Mourão, futuro vice-presidente, revelou a estratégia em entrevista, falando genericamente sobre as vantagens das novas mídias: “Aquele processo antigo de comunicação, via filmetes, propagandas tradicionais, será abandonado. (…) A mídia digital é o método fundamental para conseguirmos nos comunicar, muito mais do que essas outras propagandas que gastam rios de dinheiro.”Deu certo na campanha presidencial, por que não dará no dia a dia do governo? Carlos, filho vereador de Bolsonaro, chamado de 02, é o cérebro por trás da estratégia digital do pai, e deve coordenar os instrumentos do “presidencialismo de coerção”, se for colocado realmente em prática.

Mas esse esquema pode se voltar contra o próprio governo. Atribuída a Tancredo Neves, a frase “não nomeie quem não pode demitir” tem sido muito falada em Brasília nesses dias em que dois superministros estão sendo apresentados ao grande público, um, Paulo Guedes, já em plena atividade. Outro, Sergio Moro, às voltas com questões legais, afastou-se dos processos de Curitiba e saiu de férias para poder trabalhar sem ferir a legislação.
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, não parece preocupado com a impressão de que não pode demitir um dos dois quando considerar necessário, e vai dando carta branca para o economista Paulo Guedes nomear seus auxiliares.

Na segunda-feira foi anunciado para presidir o BNDES o ex-ministro da Fazenda de Dilma,  Joaquim Levy, que superou intrigas de bastidores que queriam barrá-lo justamente por ter trabalhado com o PT e com o ex-governador do Rio, hoje preso, Sérgio Cabral.
O presidente eleito entendeu que ele saiu dos dois governos justamente por não poder fazer seu trabalho direito. Bolsonaro sabe que quem delega é quem tem o poder de retirar a delegação, e a prova concreta disso é o ex-presidente Lula, que perdeu dois dos seus principais auxiliares, o ex-ministro do Gabinete Civil José Dirceu, e Antonio Palocci, da Fazenda, e seguiu em frente. Mas é inegável que perder os sustentáculos de um governo é tarefa complicada de lidar.

Especialmente se um é a garantia da política liberal que está animando os mercados e os investidores, e o outro é a garantia da seriedade do compromisso presidencial no combate à corrupção. A demissão de qualquer um terá uma repercussão negativa para o governo, a não ser que aconteça alguma coisa fora do normal — como no caso dos dois superministros de Lula —  que a justifique perante a opinião pública.  A pressão da opinião pública através das redes sociais, que pode favorecer o governo em algumas ocasiões, pode também se virar contra ele no caso de uma demissão injustificada, ou que signifique uma mudança de rumo nas políticas anunciadas.