A reação inicial das atividades, em especial do comércio, indica que o tecido econômico pode não ter se dilacerado tanto quanto se temia
O varejo deu um salto em maio, após o feio tombo de abril. Escorado por
medidas de apoio à renda e ao crédito, o comércio cresceu 13,9% em
relação ao mês anterior no sentido restrito e 19,6% no amplo (inclui
veículos, motos e material de construção), atingindo todos os ramos. A
reação da indústria, que cresceu 7% no mesmo mês, deixou de fora três
Estados. O resultado do varejo foi muito mais forte que o esperado, mas
sua continuidade dependerá da renda dos consumidores, após o fim dos
auxílios e benefícios de emergência. O comércio, praticamente parado
antes, consumiu estoques, o que poderia puxar o desempenho da indústria
mais à frente, se os índices continuarem positivos.
Com graus diversos de reabertura, após o isolamento social forte de
abril, o impacto negativo da covid-19 nos negócios foi menor. O número
de empresas varejistas que assinalaram a pandemia como restrição recuou
praticamente ao nível de março - 43,4% da amostra do IBGE- após ter
subido a 63,1% em abril. O índice de difusão do crescimento, segundo o IBGE, foi semelhante ao
observado em dezembro de 2019 para o varejo restrito e ao de outubro do
ano passado, para o ampliado. O IBGE mediu também o impacto das
justificativas das empresas para a queda do varejo em relação ao mesmo
mês de 2019. A pandemia motivou 6,6 pontos percentuais da queda de 7,2%
do comércio restrito em relação a maio do ano passado, e de 5,8 pontos
percentuais dos -14,9% do comércio ampliado.
O apoio à renda e ao crédito, com repactuações de dívidas que protelaram
desembolsos imediatos, impulsionou o consumo dos típicos bens de
salário, que apresentaram as maiores altas. Tecidos, vestuário e
calçados, que registraram quedas abissais de 42,2% em março e 69% em
abril (em relação ao mesmo mês de 2019), tiveram aumento de vendas de
100%. Móveis e eletrodomésticos avançaram 47,5%. Na mesma base de
comparação, a venda de veículos avançou 51,7% e 22,2% na de materiais de
construção.
Dessa forma, com todo o estrago causado pela pandemia, com números
superlativos na queda e na retomada, o comércio varejista recuou 0,6% no
ano e cresceu 2,7% em doze meses até maio. Hipermercados,
supermercados, alimentos e bebidas avançaram 11% no ano e 7,5% no ano.
Esses segmentos foram os menos atingidos, ao lado (com menos vigor) do
de artigos farmacêuticos e perfumaria. O varejo ampliado ainda mostra
recuo de 5,4% no ano e avanço de 1,4% em doze meses. As medidas de proteção social tiveram um impacto decisivo no resultado,
embora tenham prazo para acabar. No caso dos que perderam o emprego na
pandemia, uma injeção de recursos de R$ 52 bilhões durante três meses
correspondeu a três vezes mais que a liberação dos saques do FGTS no
governo Temer e cerca de 4,5 vezes os permitidos já no governo
Bolsonaro.
Ou foi 35% maior que ambos somados. A grosso modo, incluindo o benefício
emergencial para os que tiveram contrato de trabalho suspenso ou
jornada reduzida, a rede de apoio oficial bancou mais de 25% da folha
salarial total mensal do setor privado no último trimestre. A maior
parte do dinheiro foi para os mais pobres, que gastam o que recebem.
O apoio ao crédito e à liquidez teve peso mais relevante, como esperado,
para as empresas do que para as pessoas físicas. Ainda assim, um
contingente razoável de consumidores não tiveram que pagar dívidas e se
descapitalizar em um momento agudo da crise. Mas as repactuações com os
bancos foram na maioria voltadas às pessoas físicas (58% do total de R$
702,4 bilhões em valor das operações prorrogadas), segundo apresentação
do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, feita ontem. Entre
novas contratações e renovações de crédito, as pessoas físicas tomaram
mais R$ 210 bilhões.
Os estímulos - da ajuda a Estados e municípios à redução de compulsórios
bancários e rede de proteção - somam 7,3% do PIB, segundo o BC, algo
acima dos 6,8% do PIB da média dos emergentes. Pelos resultados, foi
dinheiro bem gasto, na hora certa, mas será retirado da economia em
breve. A reação inicial das atividades, em especial do comércio, indica
que o tecido econômico pode não ter se dilacerado tanto quanto se temia.
Um julgamento definitivo será possível quando os estímulos cessarem. Os
números estarrecedores do desemprego aparecerão com toda a força, em um
ambiente em que o coronavírus ainda estará à espreita. Já será um
grande alívio se o PIB não cair os 6,5% previstos.
Editorial - Valor Econômico