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terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Não se iluda! Os pobres do Brasil continuarão pobres - Gazeta do Povo

J. R. Guzzo - VOZES

 

Discurso eleitoral

O ano eleitoral está aí adiante e, desde já, parece que a pobreza vai estar no centro dos debates. Má notícia para os pobres. Todas as vezes em que candidatos, partidos e o universo à sua volta começam a dizer que estão interessados em resolver a pobreza, pode-se garantir uma coisa: todos vão se aproveitar do tema para se elegerem, ninguém vai resolver nada e os pobres vão levar na cabeça.


Comunidade de Paraisópolis, em São Paulo: candidatos vão prometer, mais uma vez, o fim da pobreza. -  Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Qual poderia ser a dúvida? Nos quase 40 anos que se passaram desde a redemocratização, e especialmente depois da “Constituição Cidadã” de 1988, todo o discurso político do Brasil pretende salvar os pobres – ou eliminar “a fome”, “a miséria”, a “desigualdade”, etc. De lá para cá não se resolveu absolutamente coisa nenhuma; é óbvio que tudo aquilo que foi tentado, proposto e feito neste tempo todo deu completamente errado.

Se falar contra a pobreza servisse para alguma coisa, por que o Brasil continua tão pobre? A economia cresceu dos anos 80 para cá, mas a população cresceu mais ou menos no mesmo ritmo. O resultado foi uma soma zero em termos de renda per capita.

A pobreza continua a existir no Brasil porque todas as doutrinas ideológicas que orientam a política brasileira vão na direção exatamente contrária ao interesse dos pobres. A consequência inevitável disso é que as forças que mandam no país tomam, em todos os níveis, decisões de governo que fazem a redução da miséria e dos miseráveis ficar materialmente impossível.

Há 40 anos o mundo político transfere, sem parar, mais e mais recursos para o setor público – sua folha de pagamento, suas aposentadorias e suas despesas de funcionamento. O que resulta essa deformidade é o completo oposto de distribuição de renda; é concentração direta na veia, e determinada por lei.

Como algum candidato pode falar a sério em combater a pobreza quando os políticos acabam de rejeitar o veto presidencial ao “Fundo Eleitoral” e, por conta disso, metem a mão em quase R$ 6 bilhões para gastarem nas campanhas, ou no que bem entenderem? [destaque-se que neste caso até a chamada oposição - oposição de nada - se uniu a grande parte dos governistas para a derrubada do veto. Alguns governistas votaram contra a derrubada do veto... uns poucos, mas maios que os ditos opositores.]

Durante os próximos meses a população vai ser massacrada com discurseira demagógica contra “a fome”, etc. Mas nenhum candidato ou partido vai deixar de se forrar de dinheiro tirado do público – ou seja, dos mesmíssimos pobres que querem tanto ajudar. Voando pelo país em seus jatinhos último tipo, todos vão propor mais despesa de governo, mais "programas sociais”, mais poder e recursos para o Estado.

Ninguém vai pregar uma única medida que ajude realmente a reduzir a pobreza – a começar pela oferta de mais oportunidades, algo que só existe numa economia que tenha liberdade para crescer. Os pobres, naturalmente, continuarão pobres.

J. R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 


terça-feira, 2 de março de 2021

Bolsonaro veta prazo de cinco dias para Anvisa aprovar vacinas

Segundo as regras em vigor, a Anvisa tem até dez dias para analisar os pedidos de uso emergencial de imunizantes

O presidente Jair Bolsonaro vetou nesta segunda-feira, 1º, para adequação à constitucionalidade e ao interesse público, o dispositivo que exigia que a Anvisa concedesse autorização temporária de uso emergencial para a importação, a distribuição e o uso de qualquer vacina do Covid-19 pela União, pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, em até cinco dias após a submissão do pedido, dispensada a autorização de qualquer outro órgão da administração pública direta ou indireta e desde que pelo menos uma das autoridades sanitárias estrangeiras elencadas no dispositivo tivesse aprovado a vacina e autorizado sua utilização em seus respectivos países.

Justificativa para o veto
A justificativa para este veto, segundo o governo, é que esse trecho da MP viola o princípio constitucional da separação dos poderes ao “usurpar a competência do presidente da República”, contraria o interesse público “ao tornar compulsória a autorização temporária de uso emergencial para a importação, de forma a dispensar a prévia análise técnica por parte da Anvisa” e “tendo em vista que o prazo exíguo de até cinco dias”, além de gerar insegurança jurídica por “dispor sobre matéria análoga em diplomas legais diferentes”.

O trecho vetado estabelecia que, feito o pedido, a Anvisa teria cinco dias para autorizar o uso emergencial desde que a vacina tivesse sido aprovada em pelo menos uma das autoridades sanitárias estrangeiras relacionadas na norma. Segundo as regras em vigor, a Anvisa tem até dez dias para analisar os pedidos de uso emergencial de vacinas. O Congresso poderá agora manter ou derrubar o veto presidencial.

Imunização
Também foi vetado o artigo que previa que, no caso de omissão ou de coordenação inadequada das ações de imunização de competência do Ministério da Saúde referidas neste artigo, ficam os estados, os municípios e o Distrito Federal autorizados, no âmbito de suas competências, a adotar as medidas necessárias com vistas à imunização de suas respectivas populações, cabendo à União a responsabilidade por todas as despesas incorridas para essa finalidade. A justificativa do veto é que o tema se trata de competência privativa do Presidente da República e que contraria o interesse público.

Esses foram dois dos vetos à MP,
sancionada por Bolsonaro a fim de autorizar o governo federal a aderir ao Covax Facility para estimular o desenvolvimento e garantir a compra de vacinas contra a Covid-19. A lei estabelece diretrizes para a imunização da população. O governo já havia liberado R$ 2,5 bilhões para aderir à aliança.

A Covax Facility é uma aliança internacional da Organização Mundial de Saúde (OMS), da Gavi Alliance e da Coalition for Epidemic Preparedeness Innovations (CEPI), que tem como principal objetivo acelerar o desenvolvimento e a fabricação de vacinas contra a Covid-19 a partir da alocação global de recursos para que todos os países que façam parte da iniciativa tenham acesso igualitário à imunização. É uma plataforma colaborativa, subsidiada pelos países-membros, que também visa possibilitar a negociação de preços dos imunizantes.

Com Agência Brasil


sexta-feira, 13 de março de 2020

Pauta-bomba [ou irresponsabilidade do Congresso!] – Editorial - Folha de S. Paulo

Ao criar gasto sem lastro, Congresso foge de debate sobre o Orçamento na crise

O texto que eleva em R$ 20 bilhões ao ano as despesas assistenciais do governo, sem previsão orçamentária, serve como exemplo dos riscos de conferir ao Congresso, no atual cenário, maiores poderes sobre a gestão das finanças públicas.  Os parlamentares decidiram alegremente ampliar a clientela que faz jus ao benefício de um salário mínimo (R$ 1.045 mensais) pago a idosos e deficientes de baixa renda, conhecido como BPC.

Para tanto, mudaram-se os parâmetros para a concessão do auxílio, hoje pago a pessoas cuja renda familiar per capita não ultrapassa 25% do salário mínimo.  Deputados e senadores votaram por elevar esse limite a 50% no ano passado, em proposta vetada pelo presidente Jair Bolsonaro — com o correto argumento de que não havia indicação dos recursos destinados a cobrir a nova despesa. Na quarta-feira (11), os congressistas derrubaram o veto presidencial.

Não resta dúvida de que Bolsonaro age de modo temerário, quando não antidemocrático, ao fomentar conflitos com o Legislativo. Tampouco se pode negar que seria desejável ampliar verbas para a seguridade social. Nada disso justifica, porém, a irresponsabilidade orçamentária que, inevitavelmente, prejudica toda a sociedade.  O Orçamento deste 2020 estima um déficit primário —isto é, receitas insuficientes para a cobertura dos gastos, mesmo sem considerar os juros da dívida— de R$ 124,1 bilhões. Dito de outra maneira, o governo terá de tomar emprestado esse montante para pagar seus compromissos mais básicos.

Criar nova despesa significa, pois, elevar a já descomunal dívida pública brasileira, a menos que se retirem recursos de outras áreas. Desse debate espinhoso, os congressistas se esquivaram.  No atual contexto de turbulência provocada pelo coronavírus, que reduz as perspectivas de crescimento econômico e arrecadação, não é descabido cogitar algum abrandamento orçamentário. Há que fazê-lo de modo criterioso.

Existe certa folga para a elevação de gastos sem descumprir o teto inscrito na Constituição —nos cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI, vinculada ao Senado Federal), essa margem seria de cerca de R$ 26 bilhões neste ano.  
Deve-se utilizar essa possibilidade ou apenas aceitar um déficit maior decorrente de uma queda da receita? 
Em caso de mais dispêndio, as prioridades devem ser a saúde pública, obras de infraestrutura ou a assistência social? [a ordem ideal seria a inclusão, após a saúde pública, da educação e segurança,seguindo com a infraestrutura.
Entendemos que os idosos, especialmente, e especialmente, os mais desamparados, devem receber o BPC - apesar de bilionário o dispêndio, se torna pouco diante de outras benesses que os parlamentares poderiam cortar (entre elas, sem limitar, o Fundo Eleitoral).
Condenamos o veto, só que reconhecemos não ter atentado para a inconstitucionalidade que motivou o veto e que prova que os nossos parlamentares, o que não é surpreendente, não estão nem aí para o idosos - derrubar o veto foi apenas uma manobra contra o governo Bolsonaro. 
O assunto irá parar no Supremo - aliás, o ministro Guedes já informou que irá ao STF contra a inconstitucionalidade da matéria que a derrubada do veto ressuscitou.
O STF derrubando a derrubada do veto, será fácil acusar o Presidente Bolsonaro de estar contra os idosos.]


São questões cujas respostas dependem da evolução da crise, das novas projeções para a arrecadação e do impacto previsto de cada despesa. Não é decisão que possa ser tomada à base de demagogia e enfrentamento político.

Pauta-bomba – Editorial  - Folha de S. Paulo


sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Uma questão de dinheiro - Merval Pereira

O Globo
 
A dificuldade de aumentar o Fundo Eleitoral para as eleições municipais do ano que vem está revivendo entre deputados e senadores a necessidade do financiamento privado das campanhas eleitorais. Com o aumento de custo pela volta da propaganda no radio e na televisão, haverá necessidade de novo tipo de financiamento. O argumento do presidente do Senado, David Alcolumbre, de que as próximas eleições abrangem muito mais candidatos a vereadores e prefeitos dos 5570 municípios do que eleições gerais, e por isso é necessário mais dinheiro para financiar as campanhas, é “questão de matemática”, não resiste à questão política. 
Um país que pede sacrifícios a seus cidadãos não pode dobrar o financiamento público para campanhas eleitorais. Como o valor do Fundo Eleitoral só será definido quando for aprovado o orçamento da União, é provável que os parlamentares revejam o financiamento das campanhas. Para tanto, será preciso aprovar uma emenda constitucional. 

O problema está muito mais na regulamentação dessas doações, nas suas limitações legais, do que no método em si. O que atrapalha  é a legislação eleitoral aprovada pela Câmara que, embora tenha tirado muitas das distorções da proposta original, manteve algumas. Uma decisão pelo menos deve ser vetada pelo presidente Bolsonaro, ou pelo Supremo. É a que faz da lei da Ficha-Limpa letra morta, permitindo que candidatos disputem uma eleição mesmo sub-júdice. Teremos disputas jurídicas, e eleitos atuando sem uma definição da Justiça Eleitoral. 

A dificuldade do veto presidencial, para não entrar em choque com a Câmara, foi reduzida pela posição conciliadora do presidente da Câmara Rodrigo Maia. Ao mesmo tempo em que apoiou a maioria, bancando as duas versões do projeto, admitiu que as pressões da sociedade foram importantes para ajustar certos pontos, e que o presidente Bolsonaro tem o direito de vetar. Não deu sinais, até o momento, de que a Câmara derrubaria os vetos, embora essa hipótese não seja descartável, tamanho o esforço que os parlamentares despenderam na aprovação. 

Os deputados só pensaram em seus interesses eleitorais, Maia disse que aprovaram um projeto “bom para os partidos e as eleições”, o que é um erro de visão. A reação que provocou na opinião pública a primeira versão do projeto deveria ter mostrado aos deputados, como mostrou aos senadores, que jogadas em benefício próprio não são mais aceitas. Além do quase fim da Lei de Ficha Limpa, o mais grave do que restou são decisões que, mesmo que não tenham sido tomadas com este fim, abrem brechas para uso ilegal do dinheiro público. Um exemplo disso é a permissão para que recursos do Fundo Partidário possam ser transferidos para qualquer instituto, desde que presidido pela Secretaria da Mulher. 

Com os exemplos recentes de uso da representação feminina para burlar o financiamento eleitoral, transformando candidatas em “laranjas”, não há garantias de que essa transferência tenha destino legal. Também permaneceu a permissão para que serviços advocatícios e de contadores sejam financiados por pessoas físicas, além do fundo partidário, sem limite de valor e sem contar para o teto legal permitido. Essa é uma brecha para o caixa 2, pois está revelado que esse tipo de serviço muitas vezes foi usado para lavar dinheiro da corrupção.

A retirada dos partidos da classificação de pessoas politicamente expostas tem uma alegação esdrúxula: partidos não são pessoas, e não podem estar nesta lista.
Algumas medidas têm razão de ser, como permitir que o dinheiro seja utilizado para pagamento de passagens a pessoas que não sejam filiadas. Os partidos têm que ter recursos, por exemplo, para convidar especialistas para debater assuntos que sejam objeto de projetos no Congresso. 


Acho também razoável a permissão para que deputados que mudem de partido porque a legenda pela qual se elegeu não atingiu a cláusula de desempenho, aumentem o valor do fundo dos partidos que os receberem. Pela legislação, os votos individuais têm valor para a formação do fundo, e portanto devem ir para onde o candidato que os recebeu for. Os demais se referem ao trabalho da Justiça Eleitoral, sempre no sentido de ampliar os direitos dos partidos. São decisões claramente corporativas que terão que ser acompanhadas com lupa para saber se a desburocratização não significa leniência com ilegalidades.


Merval Pereira, jornalista - O Globo