Surrealismo explícito: Lula vai depor pela primeira vez a Moro. Em vídeo. E como testemunha! Pode gargalhar!
Para espanto de todos, Lula não é um investigado nesse inquérito: há duas delações que o põem na cena do crime; há o seu amigão, que admite o papel de laranja — com que propósito? —, e há um dos donos do grupo Schahin admitindo a negociata. Como explicar que Lula não seja um investigado nesse caso? Bem, não tem explicação nenhuma
Luiz Inácio
Lula da Silva vai ficar pela primeira vez cara a cara com Sergio Moro.
Quer dizer: quase! Vai falar por videoconferência. O ex-presidente
deporá no dia 14 de março como testemunha de defesa de José Carlos
Bumlai, o pecuarista que é seu amigão, no inquérito que investiga um
empréstimo feito pelo grupo Schahin ao PT.
Onde está o
escárnio? Ser Lula mera testemunha nesse inquérito, não um investigado,
é um assombro e uma afronta ao bom senso. Por muito menos, o Ministério
Público Federal já fez muito mais. Vamos lembrar. Em 2004,
Bumlai serviu de laranja do PT e assumiu como seu um empréstimo de R$ 12
milhões feito ao partido pelo braço financeiro do grupo Schahin. O
pecuarista já confessou o seu papel. Disse que o dinheiro foi enviado ao
PT de Santo André, por intermédio do grupo Bertin.
Bumlai,
inicialmente, mentiu que pagara a dívida com embriões e esperma de boi.
Diante do ridículo da coisa, recuou. Até porque a versão foi
desmoralizada por um dos sócios do grupo: Salim Schahin deixou claro que
o empréstimo foi feito ao PT e que nunca foi pago. Então a
empresa morreu com o prejuízo? Não! Em 2009, a dívida do partido já
estava em R$ 60 milhões. E como foi saldada? Ora, o próprio Salim foi
claro a mais não poder: o braço de infraestrutura do grupo fechou um
acordo para operar o navio-sonda da Petrobras Vitória 10.000 entre 2010 e
2020. Valor do contrato: US$ 1,6 bilhão — sim, de dólares mesmo. Cobrar
dívida pra quê? Aqueles R$ 60 milhões foram perdoados. Ou por outra:
foram pagos pela Petrobras.
Agora o busílis
Em sua delação premiada, Fernando Baiano relatou precisamente essa transação e afirmou que Lula participou da negociação. Só Baiano? Não! Nestor Cerveró, igualmente num processo de colaboração negociado com o Ministério Público, disse a mesma coisa: o então presidente da República participara ativamente da negociação.
Em sua delação premiada, Fernando Baiano relatou precisamente essa transação e afirmou que Lula participou da negociação. Só Baiano? Não! Nestor Cerveró, igualmente num processo de colaboração negociado com o Ministério Público, disse a mesma coisa: o então presidente da República participara ativamente da negociação.
Cerveró,
aliás, foi adiante: garantiu que só conseguiu um cargo de diretor na BR
Distribuidora, depois de ter deixado a Petrobras, por interferência de
Lula, uma vez que havia ajudado a viabilizar o acordo do navio-sonda.
Era gratidão. A mão suja que lava a outra. Em seu depoimento, Baiano
assegurou que Bumlai lhe relatara que o então presidente havia mesmo
arrumado a boquinha para Cerveró e que isso era parte da operação que
incluía empréstimo e navio-sonda.
E, no
entanto, para espanto de todos, Lula não é um investigado nesse
inquérito: há duas delações que o põem na cena do crime; há o seu
amigão, que admite o papel de laranja — com que propósito? —, e há um
dos donos do grupo Schahin admitindo a negociata.
Como explicar que Lula não seja um investigado nesse caso? Bem, não tem explicação nenhuma.
A defesa
Afirmou a defesa de Bumlai em documento enviado a Moro:
“A proximidade entre Bumlai e Lula sempre
foi muito explorada pelos que, maliciosamente, viam nela a oportunidade
de encontrar malfeitos que pudessem ser atribuídos ao segundo, seja
durante, seja depois de seus dois mandatos. Nesse período, não foram
poucas as insinuações e por vezes até imputações de que o defendente
seria um intermediário de negócios escusos de interesse do ex-Chefe do
Executivo.”
Ok. O papel
da defesa é defender, né? Mas não custa evitar o exagero. Por acaso
estamos sendo convidados a acreditar que Bumlai assumiu como seu um
empréstimo de R$ 12 milhões só porque é um contumaz admirador das ideias
do petismo, é isso?
A defesa de Bumlai resolveu recorrer à ironia:
“Na verdade, o crime [de Bumlai] é ser
amigo de Lula e, pasme, Juiz, existe até fotografia de ambos numa festa
junina, tornando irretorquível a consumação do delito do artigo 362 do
Código Penal. Sua ameaça à ordem pública consiste em seu potencial de,
no crescendo da indignação, delatar o ex-Presidente de alguma forma.
Esta é a essência deste processo.”
Vamos
explicar. O Código Penal tem 361 artigos. A defesa de Bumlai está
dizendo que se inventou um crime para poder manter preso o seu cliente. E
também acusa, de forma oblíqua, a Operação Lava Jato de submeter o
pecuarista à prisão para forçá-lo a denunciar Lula.
De novo:
papel da defesa é defender. O chato dessa versão é que, lembre-se outra
vez, há três delações que põem Bumlai como personagem ativa de uma
tramoia: Baiano, Cerveró e Salim Schahin, que emprestou o dinheiro e foi
beneficiário do contrato do navio-sonda. Sem contar a insistência
pretérita de Bumlai em assumir como seu um empréstimo quem nem sequer
foi pago.
Amigos
costumam fazer favores, e ninguém tem nada com isso. Se, no entanto,
nesse fazer, há crime, a coisa deixa de ser um assunto privado, e os 361
artigos do Código Penal podem se interessar pela pessoa.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo
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