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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Nas redes da intriga

O novo ativismo é individualista, isolado, orientado para questões de estilo de vida e crescentemente apolítico


A crise que culminou com a queda do ministro da Secretaria-Geral da Presidência guarda dentro de si uma crise maior, alimentada pelo próprio Governo, a crise da democracia representativa. Esse é um fenômeno contemporâneo globalizado que vai se alastrando à medida que os novos meios de comunicação vão abrindo espaço cada vez maior para a participação direta dos cidadãos nas decisões politicas.  Esse empoderamento do cidadão tem seu lado negativo quando os políticos passam a se guiar pelas redes sociais, em vez de liderar ações necessárias ao país, mesmo quando impopulares. O atual Congresso é exemplo concreto desse momento conturbado que vive a democracia. Parlamentares montam estúdios em seus gabinetes para lançar mensagens permanentes, e votam de acordo com as redes sociais.

Um governo eleito fundamentalmente pela ação nas redes sociais, beneficiado pelo poder de expor suas ideias sem ser confrontado, devido à possibilidade de não comparecer a debates de televisão, sente-se dono da comunicação politica. E reputa de “inimigos” aqueles que contestam suas decisões. Um governo desse tipo fica exposto a intrigas e manipulações várias.  O caso em questão é exemplar dessa situação. Se o ministro Gustavo Bebianno foi demitido devido às acusações de manipulação ilegal de dinheiro na campanha eleitoral, a mesma decisão deveria ter atingido o ministro do Turismo, acusado também de desviar recursos partidários utilizando-se de “laranjas”.

Na verdade, independente de Bebianno ser ou não culpado, o que determinou sua derrubada foi uma disputa de poder com o filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro. Especialista em usar as mídias sociais para defender seus pontos de vista, ele teve atuação permanente durante a campanha, mesmo que apartado do aparato formal.  Foi um trabalho solitário, ao lado do pai, sem características profissionais, o que permite a ele até hoje o papel de portador da voz do presidente, fora do circuito oficial que assume posições com base na intermediação com o Congresso, nas pressões da sociedade, na representatividade das corporações, todos representantes da opinião pública.

Carlos, não. É do tipo Twittero que pretende formar a opinião pública, com o uso das novas tecnologias que permitem inclusive a potencialização do alcance das mensagens com o uso de robôs e técnicas de disparos em massa de mensagens que desequilibram a disputa de ideias no espaço público.  A democracia representativa está sendo desvirtuada pelas mídias sociais, transforma-se em uma nova espécie de democracia direta. A ética da responsabilidade que Max Weber definiu para a atuação política não pode submeter-se à irresponsabilidade das redes sociais. O político, como ressaltava o próprio Weber, tem sua ética peculiar, mas quando ela se confronta com a ética da consciência, não pode prevalecer.

O homem moderno, de posse da tecnologia, dispensa intermediários e pretende assumir as rédeas do próprio futuro, interferindo nos governos, na política nacional. A contrapartida deveria ser uma classe política capaz de cumprir seus deveres, de assumir o papel contra-majoritário justamente para guiar, e não ser guiado. A democracia representativa se apresenta em contraposição à democracia direta, que com o uso de plebiscitos e consultas populares, torna mais fácil assumir decisões difíceis. O prefeito do Rio, Marcelo Crivela, que anuncia pretender fazer um plebiscito para decidir se derruba a ciclovia Tim Maia é exemplar desse comportamento.


O surgimento de governos populistas seria, para alguns estudiosos, sintoma de uma época cujos fracassos só superaremos se nos engajarmos na defesa da política contra a democracia despolitizada. O novo ativismo, é individualista, isolado, orientado para questões de estilo de vida e crescentemente apolítico. A democracia representativa sofre, segundo esses especialistas, com a ambivalência de cidadãos cujas demandas desarticuladas são frequentemente contraditórias.  O cidadão empoderado não tem responsabilidade por suas opiniões nas redes sociais, e os políticos e governantes não podem resolver que a solução é seguir a maioria que se expressa nas redes sociais, que certamente não representa a maioria dos cidadãos e pode muito bem estar sendo manipulada.


Merval Pereira, jornalista - O Globo

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Prefeito Marcelo Crivella ganha aposentadoria especial por mandato no Senado - pouco: R$ R$ 12.540



Pedido foi aprovado no mês passado

Enquanto o governo federal tentava aprovar a reforma da Previdência — medida que poderia alterar as regras também para parlamentares —, o prefeito do Rio Marcelo Crivella requereu e conseguiu direito de receber aposentadoria como senador. O pedido foi aprovado no mês passado. Crivella, que ganha como prefeito salário bruto de R$ 18.893, terá direito a pouco mais de um terço do salário de senador, o equivalente a R$ 12.540. 

Crivella completou 60 anos em outubro do ano passado. Segundo as regras do Senado, um parlamentar tem direito ao benefício proporcional a partir dessa idade. O valor da aposentadoria é calculado segundo o tempo de exercício do mandato. Crivella assumiu o Senado em 2003. Permaneceu ali até 2016. Nesse período, pediu licença do mandato para ser ministro da Pesca no governo Dilma Roussef.

No projeto de reforma da Previdência enviado pelo governo ao Congresso, a regra para aposentadoria dos parlamentares muda. Segundo a proposta de emenda constitucional, para ter direito a aposentadoria o parlamentar precisa ter no mínimo 65 anos de idade. Para receber aposentadoria proporcional de senador, Crivella pediu para que fosse averbado tempo de serviço como parlamentar. O pedido foi reconhecido pelo Senado e publicado no Boletim Administrativo da Casa no dia 8 de janeiro deste ano. No dia 17 de janeiro, saiu publicado no Diário Oficial da União, a aposentadoria do prefeito.  No ato, o Senado disse que Crivella terá direito a 13/35 do vencimento de um senador. O salário atual pago aos senadores é de R$ 33.763. A aposentadoria integral é de 
mesmo valor. No caso do prefeito, ele teve reconhecido o benefício proporcional.


APOSENTADORIA PROPORCIONAL
Procurada, a assessoria do prefeito informou que ele tem registrado junto ao INSS 41 anos de serviço. E que Crivella requisitou a aposentadoria proporcional com base na contribuição que recolheu. A assessoria informou ainda que Crivella vai renunciar ao salário como prefeito, permanecendo apenas com o benefício do Senado. [acredite na renúncia quem quiser;  ele tem  direito ao salário e a aposentadoria, já que a soma dos dois valores não atinge o teto constitucional.
Para fazer média poderia até adiar o recebimento da aposentadoria; mas, abrir mão do valor maior para receber o menor, esta nem os  brasileiros que votam no PT - trouxas por natureza e opção - acreditam.] A assessoria não esclareceu se o pedido de aposentadoria feito pelo prefeito tem relação com a mudança de regras prevista na reforma da Previdência.

A divulgação do pedido de aposentadoria ocorreu no mesmo dia em que o prefeito admitiu que sua viagem à Europa, durante o carnaval, apesar de ter sido a trabalho, não teve caráter oficial, conforme informara anteriormente. Tanto que ele não levou o embaixador Antonio Fernando Cruz de Mello, coordenador de Relações Internacionais da prefeitura. As viagens oficiais do prefeito, desde o inicio do mandato, viraram alvo de investigação do Ministério Público, que quer saber os resultados delas.

'APROVEITEI A FOLGA DO CARNAVAL'
Durante a viagem do prefeito à Europa, o Rio foi atingido por um temporal que provocou a morte de quatro pessoas. Ontem, Crivella voltou a afirmar que os órgãos municipais reagiram bem às chuvas de quinta-feira. Longe do discurso oficial, no entanto, a realidade é outra. À tarde, seus assessores preparavam uma dança das cadeiras na Comlurb, justamente por causa de falhas ao reagir à situação de emergência.  — Não era uma viagem oficial, mas a serviço, para melhorar a Segurança do Rio de Janeiro. Aproveitei a folga do carnaval. Quero melhorar o suporte para os policiais subirem em comunidades, mostrar onde está o crime organizado. Eu tenho centenas de câmeras no Centro de Operações, mas não nas comunidades. Quero colocar imagens nas comunidades carentes que tenham intervenção da polícia. A única maneira que eu tenho para fazer isso é com drones — disse o prefeito.

Além disso, o prefeito postou um vídeo na sua rede social onde pede que as pessoas “não acreditem em falácias da mídia”. Segundo Crivella, “as críticas sempre existirão”, mas com trabalho e dedicação, de acordo com ele, as repostas serão dadas por meio dos resultados.

As declarações de Crivella foram feitas durante uma visita do prefeito a um trecho da Ciclovia Tim Maia, em São Conrado, que desabou durante o temporal. Apesar de a entrevista ter sido gravada, horas depois a assessoria do prefeito alegou que ele foi mal interpretado. O trecho da ciclovia que ruiu foi construído acima de uma galeria de águas pluviais, que cedeu no temporal. Apesar de os serviços de recuperação já terem começado, não há prazo para a via ser reaberta. Ontem, a juíza Maria do Carmo Freitas, da 19ª Vara Federal do Rio, concedeu liminar pedida pelo Ministério Público Federal, determinando que a ciclovia, no trecho entre a Barra e o Vidigal, permaneça fechada até que tenha licença ambiental. Apenas um pequeno trecho, entre o Leblon e o Vidigal, que existia antes da obra, poderá ser usada pelo público. Antes dessa decisão, o trecho da ciclovia na Avenida Niemeyer já estava fechada desde abril de 2016, quando um trecho caiu durante uma ressaca, causando duas mortes.

Também ontem, reportagem do “RJ-TV” revelou que Eris Bezerra Crivella, mãe do prefeito, não foi a única pessoa ligada à família operada de forma emergencial no Hospital Salgado Filho. O Ministério Público e o Cremerj investigam se houve tratamento privilegiado à mãe do prefeito. Uma idosa sul-africana, que foi babá dos filhos de Crivella, também passou por uma cirurgia na unidade, em dezembro. Realizada no sábado passado, a operação de Eris Bezerra foi acompanhada pelo subsecretário de saúde, João Berchmans, amigo da família. Crivella disse que, no caso da mãe dele, talvez a opção por um hospital público não tenha sido uma boa ideia.

O Globo
 


quinta-feira, 23 de junho de 2016

A onça e o mico

Antes de Olimpíada começar, pódios já estão cheios de micos pagos pelo Brasil para o mundo

O presidente em exercício Michel Temer não fez questão nenhuma de esconder que o déficit de R$ 170 bilhões nas contas públicas tinha embutido um mimo aos vendilhões dos Estados, quando lhes destinou um terço do total. Como bem disse o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, do mesmo partido dele, quem fez o dever de casa pagou a conta e quem esbanjou o dinheiro do contribuinte, inchando folhas de pagamento e gastando a rodo, recebeu o prêmio pela própria desfaçatez.


O que talvez nem ele esperava foi a esperteza de Francisco Dornelles, seu colega vice em exercício do poder provisório, decretando estado de calamidade pública justamente no Estado mais estroina e mais ostensivo espertalhão da Federação: o Rio de Janeiro. Foi a deixa para um dos anspeçadas do chefe federal, o ex-governador fluminense Wellington Moreira Franco, genro do genro (o célebre almirante Alzirão, justa homenagem à consorte, Alzira, filha favorita de Gegê Vargas), sapecar uma frase digna de substituir o lema Ordem e Progresso na bandeira, agora emprestado ao governo provisório por ideia providencial do marqueteiro do chefão, Elsinho Mouco. “O Brasil não pode pagar esse mico”, disse Moreira. O gato angorá (apud Brizola) não teme a esperteza engolir o dono quando demasiada, como alertava Tancredo Neves, com quem o marinheiro Amaral Peixoto convivia muito no “raposário” do PSD.

Pelo visto, ninguém avisou ao ex-marido de Celina Vargas do Amaral Peixoto Moreira Franco que os pódios da Olimpíada do Rio, que já foi Cidade Maravilhosa e agora virou o Paraíso do Pó (cocaína ou calcário), ainda nem foram montados, mas já estão invadidos pelos malfeitos dos campeões da má gestão nesta Pátria Incompetenta.  Em agosto de 2015, o velejador sul-coreano Wonwoo Cho, da classe RSX, passou mal num evento-teste na Baía da Guanabara e foi levado ao hospital. Antes do réveillon de Copacabana, foi a vez do holandês, campeão olímpico em Londres 2012, Dorian Rijsselberghe, vencer uma competição e sair maldizendo os riscos das águas da baía cantada por Cole Porter na letra do standard De-Lovely. Ele vaticinou: “Ninguém fez nada. Todos os alarmes tocaram, mas nada mudou.”

Inaugurada em janeiro, a ciclovia Tim Maia, parte do “legado olímpico”, não resistiu a uma ressaca no Vidigal e desabou em março. Todas as evidências de negligência no planejamento e na realização da obra desastrada foram negligenciadas pelo prefeito e seus subordinados. Foi dito até que as ondas violentas, que desde o Gênesis sazonalmente se chocam contra as pedras à margem da Av. Niemeyer, surpreenderam gestores e técnicos. 

Laudos sérios e isentos deram conta de deficiências estruturais de sustentação da pista. Mas entre as desculpas esfarrapadas dadas por figurões que desprezam a inteligência e o senso comum dos cidadãos só faltou uma: a de que a ciclovia foi feita para voar sobrevoar o mar, como aqueles teco-tecos que arrastam publicidade sobre as praias da Zona Sul nos meses de verão.

Os recordes dos astros olímpicos ainda não assombram o mundo, mas os reis da malandragem têm incorporado novos feitos à crônica policial, além de cenas de violência explícita transmitidas nos noticiários do planeta perplexo com a irresponsabilidade da escolha da sede pelo Comitê Olímpico Internacional. Os últimos protagonistas foram a paratleta australiana Liesl Tech e a fisioterapeuta Sarah Ross, assaltadas à mão armada  no Aterro do Flamengo domingo. Tiveram a sorte de sobreviver para contar. E o Comitê Olímpico Australiano fez o que devia: exigiu segurança dos organizadores brasileiros.

O vigilante Ronaldo Luiz Marriel da Silva não teve a sorte delas. Naquele domingo foi ao hospital citado na propaganda da Olimpíada como modelo de atendimento ao público, o Souza Aguiar, buscar socorro e saiu num ataúde. Baleado na invasão do hospital por cerca de 15 bandidos armados de fuzis e granadas para resgatar o traficante  Nicolas Labre Pereira Jesus, vulgo Fat Family, morreu imediatamente. Mais três ficaram feridos. Avisada antecipadamente da ação dos delinquentes, a autoridade (ir)responsável só agiu a posteriori: o comandante da Polícia Militar, coronel Edson Duarte, exonerou dois dias depois o tenente-coronel Wagner Gaurci Nunes, comandante do 5º BPM (Praça da Harmonia), responsável pelo policiamento da área onde fica o hospital. Aí, o mundo ficou sabendo que a única providência que se toma no território minado da sede da Olimpíada é instalar na porta arrombada um ferrolho frouxo.

Assim como a Copa da Fifa em 2014, a Olimpíada do Rio foi anunciada e programada como uma espécie de quarup para cultuar a personalidade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disposto a mostrar ao mundo que o Brasil elegeu um operário braçal presidente e que ele próprio estava à altura de repetir Hitler, Mussolini, Stálin, Mao e Pol Pot. Deu no que deu. Respondendo a inquéritos policiais por haver assistido inerme o assalto também programado da organização criminosa à qual entregou chaves e segredos dos cofres públicos, o ex-dirigente sindical não sobreviveu sequer à condição de símbolo da riqueza ostensiva da nova classe dirigente brasileira, que saiu da periferia pobre, frequentou palácios e morre de medo de terminar na prisão. Enquanto aguarda a polícia bater à  sua porta, Lula vê evaporar até o status de símbolo dos Jogos que consagram atletas pelo suor e governantes pelo oportunismo. O lugar foi tomado por uma mártir de verdade: depois de acorrentada para ser fotografada cercada de soldados do Exército fardados e com metralhadoras em riste, a onça-pintada Juma, mascote do Centro de Instrução de Guerra na Selva, Centro Coronel Jorge Teixeira, foi abatida por um tiro de pistola para não ferir, machucar e talvez até matar um garboso soldado.

A fotografia, publicada na página 16 do Estadão de hoje, é, ao mesmo tempo, pungente e lastimável: dois sujeitos fantasiados de guerreiros da paz erguem uma tocha olímpica, objeto cênico usado para fingir uma harmonia que o país deixou de viver há muito tempo. O animal à frente, evidentemente irritado, serve de símbolo de uma nação espoliada por um bando de canalhas que, além de roubá-la, ainda sai pelo mundo afora a ostentar o produto de sua rapina. Com a cumplicidade tácita de um bando de exibicionistas que põem a própria vaidade acima de tudo na vida, inclusive a vergonha alheia.

Por enquanto, a Olimpíada do Rio só serviu mesmo para mostrar que os colonizadores de antanho tinham razão quando advertiam que feras selvagens vagueiam pelas ruas de nossas favelas. Enquanto paspalhos exibem seus tacapes com a borda superior em chamas.

Fonte: Blog do Nêumanne

domingo, 24 de abril de 2016

A descida do Olimpo

O fato de Eduardo Paes ter apresentado a ciclovia como parte do chamado ‘legado olímpico’ é parte do problema

Coube ao leitor Rogério Ribeiro de Oliveira apontar a atroz incongruência que salta aos olhos em todas as fotos da tragédia ocorrida na quinta feira na Ciclovia Tim Maia. Em primeiro plano, o fatal rasgo de 50 metros na obra de apenas três meses, erguida com recursos tecnológicos de ponta e saber da engenharia do século 21. Ruiu

Nas fotos logo atrás dela, no mesmo trecho rochoso da encosta, sólido e indiferente ao mar em ressaca, o clássico viaduto construído quase 100 anos antes para a visita do rei Alberto I da Bélgica ao Rio de Janeiro em 1920. Das duas uma: ou o Brasil regrediu ou está apressado demais em chegar no futuro sem passar pelo presente. Ou ainda as duas coisas, em dosagens variadas.

Inicia-se agora o processo de apuração das responsabilidades pelo desmoronamento. Espera-se que, uma vez definidas, elas venham a ser punidas com o empenho que faltou à Justiça no caso do incêndio na boate Kiss, de Santa Maria. O fato de o prefeito Eduardo Paes ter apresentado a ciclovia de R$ 44,7 milhões como parte do chamado “legado olímpico” é parte do problema. Invenção multiuso do Comitê Olímpico Internacional (COI), o termo é deliberadamente impreciso, convenientemente abstrato e frequentemente enganoso. Ainda assim ele é um achado com impacto comunicativo forte. Está presente nas brochuras de todas as candidaturas a cidades-sede dos Jogos, na literatura dos mais de 200 comitês nacionais espalhados pelo mundo e na entidade central com sede em Lausanne. 

O COI faria um enorme favor aos munícipes de toda cidade olímpica se impusesse uma espécie de moratória ao termo. Sugestão: para poder ser chamado de legado olímpico, uma obra, parque ou o que fosse precisaria ter sido usado e aprovado pelos moradores durante um ou dois anos depois de encerrados os Jogos na cidade. Elefantes brancos ou arroubos que nada têm a ver com prioridades locais seriam desestimulados.
No fundo seria apenas uma extensão alvissareira do zelo canino que o COI e comitês nacionais já exercem sobre o uso privativo dos termos olímpico, olimpíada, jogos olímpicos e variações. Ainda no mês passado, um inofensivo conjunto de instrumentistas clássicos da França — o Concerto da Loggia Olímpica — cujo nome data de uma formação do fim do século 18, teve de mudar de identidade artística por ordem judicial. 

Ou seja, quando quer, o olimpismo cuida de sua imagem. Uma cautela maior antes de dar a chancela de legado olímpico a programas ambiciosos como a urbanização das mais de 700 favelas cariocas em dez anos, por exemplo, também feita pelo prefeito do Rio, teria sido prudente. Ultimamente uma questão maior tem envolvido a organização de toda Olimpíada, por ela ser esse evento pantagruélico para o qual é impossível haver um plano B, porém, é outra. Apenas dois tipos de candidaturas têm se revelado confiáveis para entregar no prazo e nos moldes combinados os Jogos memoráveis que prometeram seis anos antes ao serem escolhidas: ou cidades de países autoritários, onde o poder central não precisa prestar contas à população, ou cidades de países desenvolvidos que já contam com boa parte da infraestrutura e instalações necessárias.

E a cada nova edição essa tendência torna-se mais evidente. Tome-se o exemplo das candidaturas para os Jogos de 2024: consultados, os moradores de Boston, Oslo, Cracóvia e Estocolmo disseram “não”, apesar das promessas de que reinaria frugalidade nos gastos. [no Brasil apenas a palavra de um Apedeuta incompetente, estúpido, megalomaníaco, chefe de organização criminosa -  o estrupício do Lula -  foi suficiente para decidir que o Rio e o Brasil teria que ser submetido ao vexame de sediar as Olimpíadas de 2016.] Em contrapartida, Pequim derrotou Almaty, do Cazaquistão, para os Jogos de inverno em 2022, tornando-se assim a primeira cidade do mundo a abrigar uma Olimpíada de Verão (em 2008) e uma de Inverno. Para isso, entre outros malabarismos que envolvem grandes recursos, terá de sugar um lago do entorno da capital e transformá-lo numa montanha de neve. A meta final do regime é sediar uma Copa do Mundo. 

Trinta anos atrás, William E. Simon, ex-secretário do Tesouro e presidente do Comitê Olímpico dos Estados Unidos à época dos Jogos de 1984 em Los Angeles, formulou uma ideia que à época pareceu insana. Hoje, à luz das dificuldades de um mundo em solavancos, ela soa como uma receita de bom senso. Reduziria boa parte das oportunidades para malfeitos, eliminaria os custosos processos de candidatura, garantiria ciclos regulares de bonança regional. 

A fórmula? Definir cinco sedes permanentes e rotativas para os Jogos uma em cada continente, o que preservaria a geopolítica representada pelos cinco anéis olímpicos. No entender de Walker os lucros comerciais, turísticos e esportivos de cada sede acabariam se esparramando para cidades e países vizinhos, devido à previsibilidade do evento. Faltaria combinar com os mais de 200 países membros do COI, é claro. Ou seja, não é coisa para este milênio.

Portanto, para este ano nos resta torcer. E dar a chance ao esporte, aos atletas, ao Rio, aos cariocas e ao Brasil de ser feliz por 17 dias.


Fonte: O Globo - Dorrit Harazim,  é jornalista