Temer parece ter esgotado prazo inicial de carência com que contava. Tudo indica que está consciente dessa dificuldade
Desde
que assumiu a Presidência da República, há 90 dias, Michel Temer tem
sido criticado pela complacência com que vem acomodando iniciativas na
contramão do esforço de ajuste fiscal que hoje se faz necessário. De
início, não faltava quem estivesse pronto a atribuir sua suposta falta
de firmeza à interinidade do seu mandato. E até quem louvasse a forma
pragmática com que ele sabia evitar confrontos com o Congresso. Mas, a
esta altura, a racionalização da sua complacência vem se tornando cada
vez mais difícil.
Entre os que conseguem perceber com nitidez as
reais proporções da crise fiscal que enfrenta o país, Temer já parece
ter esgotado o prazo inicial de carência com que contava. Tudo indica
que o próprio presidente está plenamente consciente dessa dificuldade. E
não esconde suas preocupações com a perda de credibilidade que poderá
ter de enfrentar. A melhor evidência disso é o estranho artigo, em tom
defensivo, que Temer publicou no “Estado de S.Paulo” de 9 de agosto, sob
o título “A democracia” .
O que aflige o presidente, no artigo, é
que seu governo esteja sendo acusado de ter recuado na renegociação das
dívidas dos estados com a União. Sua linha de defesa é lamentar a
“vocação centralizadora e autoritária” da cultura política brasileira,
que estaria por trás da presunção equivocada de que, “ao mandar projeto
ao Legislativo e ajustar seus termos”, o governo estaria recuando. O
presidente sugere que não mostrar flexibilidade seria próprio do
autoritarismo, da falta de diálogo e de democracia. Afirma que gestos
autoritários são incompatíveis com sua formação democrática. Que sua
escolha já foi feita. E que cabe aos que criticam o governo, com alusões
a “recuos”, escolher a via do autoritarismo.
Tendo se permitido
desabafo tão descabido, é importante que o presidente seja capaz de se
livrar da postura defensiva e equivocada a que se agarrou no artigo,
para que possa entender com clareza a gravidade do processo de
desestruturação que voltou a se abater sobre o federalismo fiscal
brasileiro. Só assim poderá perceber que a reversão desse
processo deverá exigir da esfera federal postura bem mais firme do que a
que seu governo parece disposto a assumir. E que tal postura nada tem a
ver com autoritarismo. É tão somente a chave para a mobilização das
forças democráticas do país para a penosa tarefa de reconstrução do
federalismo fiscal brasileiro.
A firmeza que voltou a ser
necessária é a mesma que possibilitou o notável esforço de ordenamento
do federalismo fiscal no país que, a partir da segunda metade dos anos
90, redundou na renegociação das dívidas dos estados e na aprovação da
Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000. Lamentavelmente, boa
parte dos resultados deste esforço desapareceu na esteira da demolição
institucional perpetrada pelas autoridades fazendárias do segundo
governo Lula e do governo Dilma. E o que sobrou está sendo agora
submetido ao teste de estresse da queda de arrecadação, imposto pela
colossal recessão em que a economia brasileira foi metida.
Para
que tivessem condições de conduzir a contenção de gastos que se espera,
governadores e secretários de Fazenda dos estados precisariam contar com
a ajuda de restrições legais e contratuais adequadas que, supostamente,
seriam impostas pela esfera federal ao longo do processo de
renegociação das dívidas estaduais com a União. Sem isso, lhes será
muito difícil enfrentar, nos estados, as pressões políticas das
corporações de funcionários públicos dos Três Poderes e dos demais
lobbies que, incansavelmente, se batem pela expansão de gastos.
Goste
ou não o governo, fechar uma generosa renegociação das dívidas dos
estados, concedendo-lhes mais 20 anos de prazo para pagamento, sem
conseguir lhes impor tais restrições, será visto como mais uma
demonstração de temerária complacência na condução da política fiscal,
fadada a lançar sérias dúvidas sobre o avanço da pesada agenda de
reformas que o país tem pela frente.
Fonte: O Globo - Rogério Furquim Werneck, economista e professor da PUC-Rio
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