O Ministério Público descreve um padrão de comportamento — o uso da política para enriquecimento pessoal, a prevalência do interesse privado sobre o público
Um guia
sobre o PMDB de Michel Temer foi divulgado ontem, em Brasília. É obra relevante
para quem tenta compreender a desconstrução da política no Brasil nas últimas
duas décadas. É grátis
e está disponível na internet. Tem 245 páginas, leva o selo do Ministério
Público Federal, foi assinado e protocolado no Supremo pelo procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, que deixa a função na próxima segunda-feira.
Será
melhor compreendida, se percebida como parte de uma tragédia política sobre a
partilha e o usufruto do poder público para benefícios privados. É
indissociável das denúncias anteriores, contra o PT de Lula e outros partidos. Ela está
circunscrita a meio bilhão de reais de exemplos de fraudes em negócios públicos
realizados nas empresas estatais Petrobras, Furnas, Caixa Econômica, nos
ministérios da Integração Nacional e da Agricultura, na Secretaria de Aviação
Civil da Presidência da República e na Câmara dos Deputados.
Temer
reagiu, classificando-a como “realismo fantástico em estado puro”, num
exercício do direito de defesa prévia. Seu
problema, porém, é a realidade ululante descrita em viva-voz do presidente da
República; nos depoimentos de vários aliados do PMDB no Congresso; nos
depoimentos dos coletores de propinas; no mapeamento das sucessivas entregas de
malas de dinheiro — algumas registradas em vídeo e fotografias; em milhares de
e-mails, telefonemas e conversas eletrônicas rastreadas pela polícia; nas
contas bancárias, planilhas e comprovantes de pagamentos entregues por algumas
das maiores empresas do país, entre elas Odebrecht e JBS.
O
Ministério Público descreve um padrão de comportamento — o uso da política para
enriquecimento pessoal, a prevalência do interesse privado sobre o público. É o
que se vê, por exemplo, nos R$ 29 bilhões de prejuízos provocados na Petrobras
e nas vendas de emendas “jabuti” negociadas em Medidas Provisórias. O
comércio de leis, no governo e no Congresso, é um capítulo à parte. Alguns
casos até foram denunciados durante a votação no plenário da Câmara, como
ocorreu na Medida Provisória sobre o o setor elétrico (nº 579).
Outras encomendas são mais recentes, como a autorização de ingresso de capital externo no controle de hospitais, laboratórios médicos e de empresas de planos de saúde. Esta foi negociada diretamente pelo ex-deputado Eduardo Cunha com líderes do grupo Amil, o falecido empresário Edson Bueno, e da empresa Rede D'Or, o banqueiro André Esteves, do grupo BTG. A partir da citação de Ulysses Guimarães (“o poder não corrompe o homem, é o homem que corrompe o poder”), esse guia sobre o PMDB de Temer, às vezes, parece mesmo descrição de um mundo fantástico. Seria ótimo, se fosse apenas coisa do realismo mágico. O problema é que é tudo é verdade, informa a coletânea de provas judiciais anexada.
Fonte: José Casado - O Globo
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