As manifestações de domingo passado em defesa do governo ocorreram de
maneira ordeira, sem incidentes de maior gravidade e, principalmente,
sem a radicalização que tanto se temia. O discurso predominante não foi o
da minoria extremista que, às vésperas das passeatas, pregava o
fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso. Foram às ruas
brasileiros interessados em reafirmar a importância das pautas que
decidiram as eleições do ano passado, tais como a moralização da
política e o combate ao crime. Houve ainda forte defesa da reforma da
Previdência, o que é fato raro de ver em manifestações populares.
Espera-se que o presidente Jair Bolsonaro não tome esses protestos como
uma espécie de carta branca para ampliar sua força na tumultuada relação
com o Congresso, até porque o comparecimento não foi tão estrondoso
como seus seguidores mais radicais esperavam. Mas é inegável também que
essas passeatas, cuja afluência não foi nada desprezível, podem
funcionar como uma espécie de confirmação da legitimidade de Bolsonaro
obtida nas urnas no ano passado. Nesse sentido, o presidente deveria aproveitar essa segunda oportunidade
que seus eleitores lhe deram para, enfim, fazer política e governar o
País.
Há toda uma agenda de reformas e de modernização à espera de um governo
que, malgrado as limitações naturais da conjuntura e os gigantescos
obstáculos gerados pela grave crise nacional, tenha a capacidade de
articular as forças políticas necessárias para a resolução dos muitos
problemas do País. Os milhões de votos depositados nas urnas para eleger
Bolsonaro e mesmo os milhares de manifestantes que foram às ruas no
domingo para defendê-lo não bastam para que os projetos do governo sejam
aprovados no Congresso – cujos integrantes gozam da mesma legitimidade
eleitoral do presidente.
Bolsonaro cometerá grave erro se, no embalo das ruas, continuar
considerando que aos parlamentares só cabe chancelar o que o Palácio do
Planalto lhes encaminha, sem a necessidade de diálogo. Deve o presidente
convencer-se, rapidamente, de que discursos inflamados e xingatórios
pelas redes sociais não são fatores de articulação de políticas
governamentais. É preciso que o presidente se recorde de que, há poucos dias, houve
outra ampla manifestação nas ruas, esta contra o governo, e tais vozes
são tão importantes quanto aquelas que lhe prestaram homenagens no
domingo passado. Do mesmo modo, se há parlamentares e partidos que fazem
objeções aos projetos governistas submetidos à Câmara e ao Senado,
estes não podem ser tratados como inimigos ou tachados como interessados
somente em auferir lucros pecuniários e políticos na negociação com o
governo.
Poucas vezes a política foi tão necessária na história recente do País.
Nunca é demais lembrar que a reforma da Previdência, malgrado sua
urgência, deve ser apenas o início de um amplo processo de mudanças com
vista a ensejar uma retomada do crescimento que, finalmente, comece a
tirar o Brasil da sua persistente mediocridade. Nada disso será
alcançado sem contrariar as corporações que capturaram o Estado para a
satisfação de seus interesses, e para isso será preciso arregimentar
democraticamente as forças dispostas à articulação de um consenso
mínimo.
Bolsonaro precisa estar à altura desse desafio. O presidente não pode se
contentar apenas em passar à história como aquele que derrotou o PT;
essa condição era necessária para o saneamento da economia e a
moralização da política, mas está longe de ser suficiente. Se Bolsonaro
está realmente tão interessado em defender o interesse público e
modernizar o País, deve ajudar a restituir à política a relevância que
os anos de malfeitos e demagogia lulopetistas tiraram. Para começar, deve parar de dividir o País entre “nós” e “eles” – isto
é, deve parar de estimular a hostilidade contra os que dele discordam,
como faziam os petistas. A essência da política é alcançar consensos em
favor do interesse público, e isso implica fazer concessões e aceitar as
divergências. Acima de tudo, porém, fazer política significa trabalhar
duro, concentrar energias na negociação com o Congresso e juntar forças
para formar uma boa base governista, capaz de aprovar as reformas – pois
a multidão pode até impressionar, mas só em ocasiões revolucionárias
aprova ou rejeita projetos em curso no Congresso.
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