Na relação com o Congresso, o presidente Jair Bolsonaro está conseguindo o contrário do que pretende
As pessoas que foram às ruas no domingo atendendo a chamado do
presidente e as que vão às ruas nesta quinta-feira para protestar contra
o governo deram uma demonstração de política real. Uma e outra sugerem a
Jair Bolsonaro que ele teria prevalecido num teste de forças que, na
verdade, está apenas no começo e no qual a caneta Bic do presidente é
insuficiente para vencer.
Começa pelo tal “pacto” dos três Poderes que nem tem como existir (o STF
assinando pactos?). A ênfase retórica no “pacto” é, em parte, o
resultado da percepção de Bolsonaro de que os termos da vitória
eleitoral e “as ruas” lhe teriam permitido enfrentar os outros dois
Poderes, e que levou o ministro Paulo Guedes a dizer que “não há
antagonismo” entre eles (os Poderes) – frase que só provocou risadas
entre seus pares no mundo real da economia e finanças. Tudo bem,
reconheça-se que um dos pilares do governo não poderia mesmo declarar
outra coisa em público, ainda que fosse para segurar o dólar.
“As ruas” – ou o que Bolsonaro entende por isso – teriam também dito ao
presidente que ele não precisa se esforçar muito em conseguir uma base
estável no Congresso, pois o ronco das multidões que o apoiam superaria
em caso de necessidade os cochichos dos participantes do nefasto
conchavo que o impede de realizar os anseios do povo. O problema aqui é o
de desafiar um dado estrutural do sistema de governo brasileiro
(admita-se, o pior do mundo), que obriga Executivo e Legislativo a se
entender de alguma maneira.
Nesse sentido, Bolsonaro está conseguindo o inverso do que pretende. O
Congresso está caminhando até com certa rapidez para fortalecer suas
prerrogativas e com pautas próprias (na área tributária, por exemplo).
Mais complicado ainda para o presidente, o mundo parlamentar se
impressionou menos do que ele acredita com as manifestações de rua. Ao
contrário, está tomando a guerra deflagrada pelo bolsonarismo nas redes
sociais como incentivo para reduzir as prerrogativas do Executivo em
dois setores-chave: alocação de recursos pelo orçamento e uso de medidas
provisórias.
Ao aderir a simplificações brutais da (admita-se) complexa e dificílima
relação com o Legislativo, Bolsonaro ignora um outro dado relevante da
realidade dos fatos. Parlamentares reagem, sim, não só “às ruas”, mas,
também, a uma série de pressões políticas, sociais, econômicas e
regionais que os empurram, por exemplo, para a aprovação de alguma
reforma da Previdência – é o que explica, em parte, o entendimento
relativamente muito mais fácil entre o próprio Guedes e os presidentes
das casas legislativas, que estabeleceram há tempos linha direta com
importantes segmentos da atividade econômica.
As elites da economia estão há tempos totalmente convencidas de que não
há um plano B para a não aprovação de alguma reforma da Previdência.
Mais ainda: clamam por algo que mexa com a sufocante questão dos
impostos (nem estamos falando da carga). Alguma surpresa com o fato,
mencionado acima, de o Legislativo querer seguir adiante com uma pauta
“própria” de reforma tributária? Ou das expectativas dos agentes de
mercado voltadas agora menos para Bolsonaro e mais para o Congresso?
Aos cinco meses de governo, está se ampliando a noção de que a formação
de uma base coesa e estável de Bolsonaro no Legislativo não só continua
distante, mas, talvez, nunca se concretize. O presidente não se mostra
disposto a liderar nada nesse sentido, e já deixou a própria bancada
mais de uma vez na mão. Confia estar na rota política correta. É a que
vai ajudar a diminuir muito o poder da sua caneta.
William Waack - O Estado de S. Paulo
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