"A conjuntura piora em uma velocidade enorme", diz Delfim
Domingo, dia 26, data marcada para manifestações de apoio ao presidente
Jair Bolsonaro e às reformas, será um ponto de inflexão nos rumos do
governo e, consequentemente, do país. Se a convocação for muito
bem-sucedida, com comparecimento maciço, Bolsonaro tenderá a achar que
as forças da rua poderão viabilizar restrições à democracia ou até mesmo
o fechamento do Congresso ou do Supremo Tribunal Federal (STF). Se ele
der qualquer passo nessa direção, produzirá uma crise institucional que
provavelmente desaguará em um processo de "impeachment" e o país terá
uma nova eleição. Se, ao contrário, for fraca, ele virará a rainha da
Inglaterra. Ficará isolado e haverá uma reorganização interna do
governo.
"Foi uma decisão insensata", avalia o ex-ministro e ex-deputado Delfim
Netto, ao considerar as duas hipóteses acima. "Já vimos duas dessas
provocações darem com os burros n'água. A do Jânio Quadros e a do
Collor." Delfim diz que sua intuição é de que a manifestação será
"murcha". Nesse caso, Bolsonaro terá que se render à ideia de que fazer uma
política republicana de divisão do poder com os partidos não significa
participar da corrupção. Quando o partido do mandatário não tem maioria, o entendimento, em
qualquer república democrática, é de que um conjunto de partidos vai se
unir e dividir o poder. O Centrão, grupo informal de partidos composto
por DEM, PRB, PP, PR, PTB, MDB e SD, nesse sentido, está exercendo o
legítimo direito de participar do governo se o governo assim o quiser,
considera o ex-ministro.
Na Alemanha, Angela Merkel, da União Democrática Cristã (CDU) fez acordo
com o Partido Social-Democrata (SPD), da oposição, para quem destinou
uma cota relevante de ministérios. Não se tem notícia de que isso
implicou tolerância com a corrupção, cita. A opção de Bolsonaro, no entanto, tem sido pelo confronto. Há dúvida se
isso decorre de ignorância ou se são movimentos táticos que obedecem a
uma estratégia. O ex-presidente José Sarney disse, em entrevista ao
"Correio Braziliense", no domingo, que "Bolsonaro está colocando todas
as suas cartas na ameaça do caos". Delfim acredita que "é um misto das
duas coisas, fruto da incompreensão de como funciona o exercício da
política na democracia". Ele alerta: "Se alguém tiver a ilusão de que
vai poder violar os dispositivos da Constituição de 1988, terá uma
grande surpresa".
Um dos grandes erros do presidente e dos seus seguidores, segundo o
ex-ministro, "é pensar que a voz do povo é a voz de Deus. Não é! A voz
do povo é a voz do diabo, que está se divertindo. O povo não tem
lealdade. Ele flutua, é influenciável". Outro erro é imaginar que as manifestações do último dia 15, contra o
contingenciamento de verbas das universidades públicas, foram
organizadas pela esquerda. "Esse é um grave engano, porque a esquerda
não coopta mais ninguém depois do tumor de fixação que se criou no PT!",
ressalta Delfim. Para ele, quem participou das passeatas de protesto
naquele dia foram os alunos e os pais bolsonaristas, "que constituem a
maioria".
Há 50 anos os governos fazem o contingenciamento do orçamento, seja
durante o regime militar, seja na democracia, e "nunca houve
manifestações ou passeatas contra; a notícia saía na oitava página dos
jornais". As universidades, diz Delfim, sempre souberam disso. O
Ministério da Fazenda contingencia as despesas à espera das receitas. O
que houve de diferente, desta vez, "foi a imbecilidade de dois ministros
da Educação, em um prazo de apenas cem dias, que ele [Bolsonaro]
empurrou à população", acrescenta. Este foi mais um dos erros cometidos
pelo governo. "Temos, nesses cinco meses, a maior densidade de lambança por unidade de
tempo já vista no país", diz o ex-ministro, não em tom de blague como
seria de se esperar, mas de perplexidade.
Curioso é que todas as controvérsias e fagulhas que ameaçam espalhar o
fogo são produzidas pelo próprio governo. "É como aquele cara que joga a
casca de banana na outra rua e, depois, atravessa a rua para escorregar
na casca de banana", comenta.
No mais recente confronto, o presidente quis demitir o ministro da
Secretaria de Governo, general Santos Cruz, por considerar que ele havia
feito comentários desabonadores sobre o seu governo. "Ele desmoralizou
os militares que estão do lado dele!", salienta Delfim, sem disfarçar o
espanto.
O mesmo povo que elegeu Bolsonaro elegeu, também, 513 deputados e 54
senadores. Se a manifestação de domingo for muito bem-sucedida, a
mensagem será de que o povo decidiu acabar com a democracia. Mas a
democracia é uma cláusula pétrea da Constituição. O STF, como o garante
da Constituição, em uma situação como essa, pediria ao Congresso o
"impeachment" do presidente, o que levaria o país a uma nova eleição. "Imagine onde jogaremos o Brasil! E quem for eleito receberá os cacos do
que um dia foi a economia brasileira, que colapsará instantaneamente",
prevê.
A outra hipótese é a do isolamento do presidente, se o resultado da
manifestação ficar aquém do esperado. Nesse caso, o governo se
reorganizaria internamente para administrar o país até as próximas
eleições. Delfim deixa claro que não se trataria, aí, de um governo sob o
comando dos militares. Argumenta que é um erro pensar que os generais
que estão em cargos importantes no governo representam as Forças
Armadas. "Aposentados, eles são civis", reforça. Quando fala na
eventualidade de uma reorganização interna, o ex-ministro diz que se
refere à parte sensata do governo. Delfim e Affonso Celso Pastore conversaram na terça-feira. "Estamos
plenamente de acordo: caminhamos para uma depressão econômica", diz o
ex-ministro, conforme indica um estudo recente da consultoria de
Pastore, divulgado no fim de semana pelo jornal "Folha de S.Paulo". "Estamos na boca de um buraco negro que está atraindo tudo lá para
dentro. A conjuntura está piorando em uma velocidade enorme", lamenta.
Claudia Safatle - Valor Econômico
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