Quem vigia o vigia?
Projeto sobre abuso de autoridade, aprovado no Senado, tenta preencher lacuna
Já o integrante do Ministério Público submete-se ao mesmo espectro de punição se emitir parecer em situação proibida pela legislação ou se investigar alguém sem mínimos indícios de prática criminosa, entre outros atos tipificados. A motivação político-partidária nas condutas de magistrados, procuradores e promotores também vai se tornar crime na hipótese de esse trecho do projeto passar incólume pela Câmara dos Deputados. Os senadores tomaram o cuidado de estreitar a margem de interpretação para quem for aplicar os princípios elencados no texto.
Não basta a autoridade ter incidido nas situações descritas para ser enquadrada. É preciso que tenha atuado deliberadamente, com a intenção de prejudicar alguém ou de obter vantagem. Os legisladores, porém, apenas contribuíram para o anedotário ao acrescentar a esse rol de motivações dolosas o mero capricho e a satisfação pessoal. Não procedem as críticas de que o avanço do projeto sobre crimes de abuso de autoridade seria uma retaliação às operações anticorrupção da parte de políticos, potenciais alvos dessas investigações.
Inibir nos investidos do poder de Estado a propensão, demasiado humana, para o desvio é uma lacuna secular da legislação brasileira.
Impregna-se na tradição mandonista da República, desde a sua fundação, a cultura da autoridade que não deve satisfação a ninguém, ao que corresponde a figura de um cidadão mal protegido, sujeito a arbitrariedades cotidianas. A esse substrato a Constituição de 1988 acrescentou categorias superpoderosas de fiscais e aplicadores da lei, sob o objetivo meritório, e satisfatoriamente atingido, de impedir a brotação do germe cesarista sempre latente no Executivo.
E quem controla o controlador?
O sistema apenas tímida e tardiamente tem se lembrado da necessidade de estabelecer limites também a esses agentes. É fraquíssima a capacidade de atuação independente de órgãos de correição, como o Conselho Nacional do Ministério Público, um exemplo do mais rematado corporativismo nacional. Por isso iniciativas para trazer mais equilíbrio a essa relação, sob a forma de legislações razoáveis e ponderadas como a que saiu do Senado, merecem ser saudadas.
Opinião - Folha de S. Paulo
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