O Globo
A economia brasileira começa a ter um alívio no momento exato em que aumentam as sombras no mundo. Os dados preliminares mostram que o terceiro trimestre do ano teve um bom nível de atividade. Há indicadores que ainda não saíram, mas ontem, por exemplo, a notícia foi de que as vendas dos supermercados em agosto aumentaram mais de 4% sobre o mês anterior, e mais de 7% sobre agosto de 2018. O temor de que o trimestre fosse negativo já ficou para trás.
Por outro lado essa semana houve uma queda forte das bolsas no mundo. A economia anda assombrada pelo aumento da incerteza de um processo de impeachment nos Estados Unidos, pelas idas e vindas da guerra comercial entre as duas maiores potências, pela intensidade das trapalhadas inglesas, pela frieza da economia alemã, pelos sinais de desaceleração global. Na economia, os Estados Unidos vivem uma contradição: a menor taxa de desemprego em 50 anos e o aumento dos temores com a desaceleração. As encomendas à indústria dos EUA encolheram em agosto. Como as fábricas de lá demandam produtos de diversos outros países, o problema extrapola suas fronteiras. Indicadores mostram que também em setembro houve retração no setor industrial. Na próxima semana, haverá novas rodadas de negociações entre americanos e chineses, o que deixa o mundo sempre de nervos expostos. As investigações do processo de impeachment contra o presidente Donald Trump também aumentam a incerteza. Os indícios dos erros se acumulam e Trump ataca e quer dobrar a aposta.
A Organização Mundial do Comércio (OMC) cortou de 2,6% para 1,2% a estimativa de crescimento do comércio este ano. Isso é reflexo direto da guerra comercial. Para o ano que vem, a redução é mais discreta. Um mundo com menos comércio cresce menos e isso atinge algumas economias mais do que as outras. A Alemanha, que é o motor da economia da União Europeia, e tem muita integração com as cadeias produtivas globais, já está com números negativos. O PIB encolheu 0,1% no segundo trimestre e de julho a setembro a situação piorou, especialmente na indústria. O Reino Unido não sabe como levar adiante o plano do Brexit. Não sabe, a bem da verdade, desde que aprovou essa saída, mas agora o processo está sendo liderado por um primeiro-ministro que vem escalando os conflitos políticos e as ameaças de uma separação sem negociação. O Japão, que já vinha em baixo crescimento, elevou o imposto sobre o consumo e ativou temores de uma recessão.
Na América do Sul, a Argentina, que é o principal destino dos nossos produtos industriais, tem eleições no final do mês, e muito provavelmente Mauricio Macri, candidato à reeleição, será derrotado. A dúvida é se o governo brasileiro levará adiante as ameaças do presidente Jair Bolsonaro de se afastar do país por não gostar da linha ideológica do governo peronista que pode vir a ser eleito. Acumulam-se dúvidas no mundo, no momento em que o Brasil ainda se debate com o baixo crescimento. Não há no horizonte qualquer garantia de crescimento vigoroso e sustentado, porém os dados mostram que de julho a setembro o Brasil colheu alguns bons números, afastando o risco de um PIB negativo. A indústria teve um crescimento mais forte em agosto, recuperando praticamente o que havia perdido nos três meses anteriores. O comércio e os serviços vieram acima do esperado em julho. A Abras, Associação Brasileira dos Supermercados, divulgou um forte avanço nas vendas em agosto, com ganhos reais de 4,25% sobre julho e de 7,1% sobre agosto de 2018. A LCA Consultores estima um crescimento de 0,5% do PIB sobre o segundo trimestre, o Itaú Unibanco projeta 0,4%. Com algumas diferenças, as previsões são em geral positivas. Houve dados bons na criação de empregos.
A retomada do crescimento precisa de muito mais do que isso, evidentemente. Mas nessa briga trimestre a trimestre, o que acaba de ser encerrado teve pelo menos algumas boas surpresas. O problema é que as sombras que se espalham no mundo, de incertezas políticas, econômicas e comerciais, podem tornar mais árduo o esforço de tirar o país do crescimento de 1% que se repete pelo terceiro ano consecutivo, depois de duas quedas sequenciais. O mundo confuso é um desafio a mais para a economia.
Blog da Míriam Leitão, jornalista - Economia -O Globo
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