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segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Por que de repente a coisa desanda, como agora no Chile - Alon Feuerwerker

Análise Política

[as dificuldades do  Sebastián Piñera no Chile, reforçam o entendimento que um governante só pode partir para o confronto quando tiver certeza da sua superioridade.

A esquerda no Chile está de há muito se preparando para o conflito; perderam uma vez e nao querem perder novamente.]

A explicação difundida sobre as ditas jornadas de junho de 2013 no Brasil era a profunda insatisfação com os serviços públicos. Havia inclusive uma tese de a vida ter melhorado dentro de casa mas continuado ruim fora. Obviamente uma explicação errada. Ou pelo menos gravemente parcial. Pois os serviços públicos continuam do jeitinho que eram e nunca mais se viu nada remotamente parecido com 2013. Teve as mobilizações pelo impeachment, mas já era outra coisa.

Há um esforço intelectual disseminado para encontrar um fio condutor que ligue as rebeliões populares ao redor do planeta,
e naturalmente cada um puxa a brasa para sua sardinha particular. Uns culpam o que chamam de neoliberalismo ali, outros a falta de liberdade acolá, outros o déficit de soberania nacional mais adiante. É provável que todas essas explicações estejam algo certas. E também por isso elas têm pouca utilidade para localizar o tal fio condutor.

A erupção de rebeliões populares, como agora no Chile, exige duas premissas: as pessoas comuns não estarem mais dispostas a aceitar as condições materiais e espirituais em que vivem e o sistema não mais deter força suficiente para obrigar as pessoas a continuar aceitando tais condições. E o segundo fator está associado diretamente à queda nas taxas de coesão entre os grupos que detêm o monopólio weberiano da "violência legítima”.

A ubiquidade da transmissão de informações e da conectividade, algo traduzido na expressão genérica “redes sociais”, afetou diretamente a possibilidade de aplicar essa violência. Ela persiste firme em situações, como na Síria, onde o poder consegue bloquear a informação. No Chile não dá. Sebastián Piñera chamar as Forças Armadas teve pouco efeito prático porque a tropa não pode atirar nos manifestantes para matar. O remédio pinochetista está vencido. [é aceitável que a tropa use da força necessária para ter sua integridade preservada;

manifestantes, em principio, não possuem o poder de fogo para enfrentar as tropas mas, se essas vacilarem poderão sofrer pesadas baixas - manifestantes que incendeiam, depredam, são desordeiros e não vacilarão em causar vítimas, sem diferenciar inocentes desarmados e forças de segurança policiais lenientes.]

Qual seria então o tal fio condutor? Uma boa hipótese é o sentimento de a injustiça ter ultrapassado o limite do aceitável. Verdade que a régua para medir esse “aceitável" é bastante subjetiva, mas paciência. A subjetividade explica por que a rebelião popular pode perfeitamente acontecer, e acontece, mesmo quando as condições materiais objetivas não estão piorando, ou até quando estão melhorando. Um paradoxo que neutraliza as explicações mecanicistas e economicistas.

Esse viés subjetivo explica também a certa imprevisibilidade de acontecimentos como do Chile. Não existe um método quantitativo 100% confiável para medir quando os de baixo não mais estarão dispostos a viver como antes e os de cima não mais poderão obrigá-los a isso. Daí que duas atitudes sejam essenciais no exercício do poder: 

1) ficar esperto
2) não dar sopa pro azar. O primeiro depende de empatia. Já para o segundo contribui bastante a paranoia. [as duas recomendações do ilustre articulista, fecham com o nosso entendimento desfavorável a forças de segurança lenientes.
Mais vale um paranóico vivo do que um confiante morto.]
Um dia alguém disse que apenas os paranóicos sobreviverão. Mesmo se for verdade, não é suficiente constatar. É preciso dar consequência à paranoia. Por isso governos investem tanto em sistemas de informação, espionagem e repressão, mas também difundem platitudes do tipo “governarei para todos”, “precisamos unir o país”, “basta de polarização”. São platitudes, mas ajudam a atenuar o sentimento de estar excluído do jogo, e portanto de ser alvo de injustiça.

Outro detalhe: os mesmos atores colocarem o gênio de volta na garrafa pode exigir um nível da tal “violência legítima” acima do disponível em determinada correlação de forças. Também por isso governos caem. Aliás, as chamadas transições pacíficas costumam resultar não tanto de um caráter pacífico inerente aos atores, mas de correlações de força esmagadoras e que levam à situação ideal de vencer sem precisar guerrear. Só que nem sempre é possível.

Para o poder, bom mesmo é não deixar o gênio escapar. 


Alon  Feuerwerker, jornalista  - Analista Político


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