Folha de S. Paulo - Hélio Schwartsman -
Meios acadêmicos têm justificado viés antibolsonarista e foram implacáveis com ele
O racismo contribuiu para derrubar Carlos Alberto Decotelli do comando do Ministério da Educação?
[o racismo é uma das formas de preconceito. Uma outra é preconceito devido a profissão.]
A essa altura não há dúvida de que ele inventou para si títulos que não
obtivera, o que é um dos pecados mais graves que se pode cometer na vida
acadêmica, além de ilícito penal, caso a mentira seja registrada em
documentos públicos como a plataforma Lattes. E isso, creio, é mais do
que suficiente para desqualificá-lo para o cargo, que nem chegou a
assumir. Ainda assim, é possível que o chamado racismo institucional
tenha dado uma ajudinha.
Como quase ninguém admite ser racista, a melhor forma de constatar o
fenômeno é recorrer às estatísticas, em busca de desfechos diferenciados
para negros e não negros que tenham logrado os mesmos êxitos ou
incorrido nos mesmos erros. Trocando em miúdos, não negros que também
falsificaram seus currículos tiveram o mesmo tratamento dispensado a
Decotelli? Numa análise perfunctória das histórias de políticos que pregaram
mentiras curriculares, a resposta é negativa. O próprio governo
Bolsonaro abriga dois ministros que já turbinaram seus CVs, Damares
Alves e Ricardo Salles.
Se expandirmos um pouco mais o círculo, temos os casos do governador
Wilson Witzel, da ex-presidente Dilma Rousseff e do ex-chanceler Celso
Amorim. Nenhum deles chegou perto de ter sua carreira ameaçada pela
imaginação fértil. Nosso número de casos é pequeno demais para autorizar
conclusões científicas, mas basta para deixar a suspeita no ar.
Também seria possível argumentar que o que atrapalhou Decotelli, mais do
que o fato de ser negro, é o fato de ser bolsonarista. Os meios
acadêmicos têm um forte e justificado [sic] viés antibolsonarista e por isso
foram implacáveis com o ex-quase-ministro. De qualquer forma, o
embelezamento curricular é um fenômeno maciço.
Levantamento de 2019 da DNA Outplacement mostrou que 75% dos CVs
enviados aos RHs de 500 empresas no Brasil continham informações
distorcidas. Os pontos sobre os quais os candidatos mais mentem são
salário (48%) e fluência no inglês (41%). Escolaridade e títulos
acadêmicos são deturpados por 10% dos profissionais. Uma das razões por
que se mente tanto, acredito, é que se checa pouco. Que um RH de uma empresa pequena deixe essas coisas passarem é mais ou
menos esperado. Mas, quando quem come mosca é um governo que conta com
vários serviços de informação, civis e militares, já entramos no terreno
da incompetência estrutural.
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