O Estado de S.Paulo
Conferir seu exercício às Forças Armadas significa abrir largas portas ao arbítrio
Na ausência de motivos para levarem a efeito a ideia do golpe, as hostes
bolsonaristas recorrem à figura do Poder Moderador. Invocam a aplicação
forçada e torta do artigo 42 [142] da Constituição de 1988. Poder Moderador existiu, mas na Carta Imperial de 1824, outorgada por
Sua Majestade o imperador dom Pedro I. Dizia o artigo 98: “O Poder
Moderador é a chave de toda organização política e é delegado
privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e seu primeiro
representante, para que, incessantemente, vele sobre a manutenção da
independência, equilíbrio e harmonia dos poderes políticos”.
Para a regime monárquico era aceitável que ao imperador coubesse a
prerrogativa de velar, ou seja, de fiscalizar a preservação do
equilíbrio e da harmonia entre os Poderes Legislativo e Judiciário.
Afinal, a ele pertencia a chave da organização política. Registre-se,
ademais, que Sua Majestade era pessoa inviolável e sagrada, não se
encontrando sujeita “a responsabilidade alguma”, conforme prescrevia o
artigo 99.
Proclamada a República, as coisas deixaram de ser assim. O presidente da
República, chefe do Poder Executivo, não é inviolável ou sagrado.
Responderá, se for o caso, pela prática de crimes de responsabilidade e
comuns, conforme determinam os artigos 85 e 86 da Lei Fundamental.
[os que estão imbuídos do viés antibolsonarista, que temem medidas mais enérgicas, possíveis de adoção dentro da Constituição Federal vigente, buscam por todos os meios desqualificar as interpretações do artigo 142 'caput' e seu parágrafo primeiro, da Carta Magna, tentando denominar as Forças Armadas - instituição encarregada de executar as ações autorizadas naquele artigo - de Poder Moderador.
Com isso buscam desqualificar qualquer pretensão das Forças Armadas serem consideradas um quarto poder, que seria o Poder Moderador.
Tal busca não tem como prosperar,ser exitosa, exceto se o STF optar pele recurso da interpretação criativa - mais uma, que se prosperar não será a última.
O tão comentado artigo 142 é bem claro quando atribui as Forças Armadas o exercício de atribuições que podem ser consideradas - especialmente no caso de conflito entre Poderes - específicas de um Poder Moderar, atribuições que estão embutidas naquele comando constitucional.
É cristalina a redação do mesmo dispositivo quando atribui ao Presidente da República o Comando Supremo das Forças Armadas.
A Lei complementar nº 97, especialmente o seu artigo 15, é claríssima quando estabelece que a requisição proveniente dos Chefes do Poder Judiciário e/ou dos Poder Legislativo, para emprego das Forças Armadas deve ser dirigida ao Presidente da República.
A Lei Complementar 97, foi editada em cumprimento ao determinado na Constituição Federal, artigo 142, parágrafo primeiro. Tal lei está em vigor há mais de 30 anos e tem competência outorgada pela própria CF para disciplinar, complementar aquele artigo.
Chamar de Poder Moderador as FF AA por exercerem uma função constitucional nada importa. A turma do mecanismo, seus simpatizantes e incautos, busca ao insistir nessa denominação, desclassificar um inexistente Poder Moderador ou tentativa de criá-lo.
O exercício das funções moderadoras é, constitucionalmente, das Forças Armadas. Chamar as forças singulares, no exercício de função moderadora, de Poder Moderador, Poder Regulador, é uma mera opção.
Caso a Constituição esteja errada, equívoco só agora percebido - tudo indica, consequência de ser o presidente Bolsonaro o Comandante Supremo das Forças Armadas, que não tem a simpatia da turma citada e nem dos que com ela simpatizam, apoiam.
Então emendem a Constituição.
Sendo retirada da Constituição - resultado de alteração efetuada na forma estabelecida no artigo 60 da Lei Maior, não existe nenhuma instituição com funções de Poder Moderador.
Não ocorrendo emenda e permanecendo a redação atual, , executar atribuições típicas de um Poder Moderador - dentro do 'estado democrático de direito' no qual o Brasil se encontra - será missão das Forças Armadas do Brasil.]
Há algum tempo registrei que a Constituição de 1988 é a única, entre
oito, que não resultou de golpe militar. Sucedeu à Constituição de
17/10/1969, conhecida como Emenda n.º 1, editada pelos ministros Augusto
Hamann Rademaker Grünewald, da Marinha,
Aurélio de Lira Tavares, do
Exército,
e Márcio de Souza Melo, da Aeronáutica.
Haviam assumido a
chefia do governo com a doença do presidente Costa e Silva. Para fazê-lo
afastarem o vice-presidente Pedro Aleixo, seu sucessor natural de
conformidade com o artigo 79 da Constituição de 1967. A História aí está
para não nos esquecermos.
O dr. foi eleito em 5/1/1985, pela pressão popular. O
colégio eleitoral apenas ratificou a vontade do povo, cansado de duas
décadas de autoritarismo. Unida em torno dos partidos de oposição, a
Nação reivindicava, em grandes manifestações públicas e pacíficas, o
restabelecimento das eleições diretas e a restauração do Estado
Democrático de Direito.
A doença que vitimou o dr. Tancredo quase pôs tudo a perder. Na noite de
14 de março, ao ser divulgada a notícia da internação no Hospital de
Base começaram a circular em Brasília boatos de intervenção militar para
impedir a posse de José Sarney. A rápida interferência do general
Leônidas Pires Gonçalves, futuro ministro do Exército, teria assegurado
ao vice-presidente o exercício interino da Presidência até a morte de
Tancredo, em 21 de abril. A Constituição de 1988 não é produto de crise ou de golpe militar.
Resultou de Assembleia Nacional Constituinte, convocada e eleita como
compromisso da campanha pela redemocratização. Tem defeitos. O maior,
talvez, decorrente de irrefreável prolixidade.
Contém, entretanto, os instrumentos necessários à defesa do regime
democrático. Às Forças Armadas – constituídas pela Marinha, pelo
Exército e pela Aeronáutica, instituições nacionais permanentes e
regulares, organizadas com base na disciplina e na hierarquia, sob a
autoridade suprema do presidente da República – incumbe a defesa da
Pátria, a garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de
qualquer destes, a defesa da lei e da ordem. A Constituição não as
investe do Poder Moderador. Não são elas “a chave de toda a organização
política”. Tampouco lhes compete velar pela manutenção da independência,
do equilíbrio e da harmonia dos demais Poderes políticos, prerrogativa
dos imperadores.
Para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e
determinados, a ordem pública ou a paz social, ameaçadas por grave e
iminente instabilidade institucional, ou atingidas por calamidades de
grandes proporções da natureza, o presidente da República pode se valer
da decretação do estado de defesa.
Nos casos de comoção nacional ou de
fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de
defesa, ou de declaração de estado de guerra ou resposta a agressão
armada estrangeira, tem ao seu dispor o estado de sítio. No primeiro
caso, o decreto deverá ser submetido de imediato ao Congresso Nacional,
para validá-lo ou não. No segundo, o Congresso deverá ser consultado
antes (artigos 136/141 da Constituição).
Em ambas as situações, para preservação do Estado Democrático de Direito
o Congresso Nacional permanecerá em atividade, sendo assegurada a
divulgação dos pronunciamentos dos parlamentares nas correspondentes
Casas Legislativas, desde que liberados pelas respectivas Mesas
Diretoras. Pelas mesmas razões, o estado de defesa e o estado de sítio
não impedirão o acesso à tutela do Poder Judiciário.
Conferir às Forças Armadas o exercício de Poder Moderador, instituto
estranho ao arcabouço constitucional, significa abrir largas portas ao
arbítrio.
Almir Pazzianotto Pinto - Advogado, ex-ministro do Trabalho
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