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quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Lava-Jato, morte e ressurreição - Nas entrelinhas

O presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, surpreendeu ao esvaziar o poder das duas turmas no julgamento de ações penais e inquéritos criminais, que voltarão a ser analisados em plenário

Em cerimônia no Palácio do Planalto, ontem, bem ao seu estilo, o presidente Jair Bolsonaro disparou: “Queria dizer a essa imprensa maravilhosa nossa que eu não quero acabar com a Lava-Jato… eu acabei com a Lava-Jato”. Entretanto, relativizou: “porque não tem mais corrupção no governo”. Bolsonaro endossou a avaliação feita pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) de que seu grande legado será o “desmonte” da operação, que já teria ocorrido em razão de mudanças no Coaf, na Receita Federal, na Polícia Federal, no Ministério Público Federal (MPF) e estaria em vias de ocorrer no Supremo Tribunal Federal (STF), com a indicação do desembargador federal Kassio Marques para a vaga do decano Celso de Mello, que está se despedindo da Corte.

Mas pode não ser bem assim, porque o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, ontem, surpreendeu a maioria dos pares ao propor a mudança do regimento da Corte e esvaziar o poder das suas turmas no julgamento de ações penais e inquéritos criminais, que voltarão a ser analisados em plenário. A proposta foi aprovada por unanimidade. Desde 2014, depois do processo do mensalão, essas matérias eram apreciadas nas turmas, cada qual com cinco ministros. Agora, serão apreciadas por 11 ministros, inclusive o presidente do Supremo, que não vota nas turmas. A mudança fortalece o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, que estava perdendo quase todas as votações na Segunda Turma, presidida pelo ministro Gilmar Mendes.

O argumento utilizado para a mudança foi o fato de que a decisão de atribuir os julgamentos às turmas fora uma decorrência do acúmulo de processos no STF, o que não ocorreria mais. A proposta de Fux pegou os chamados “garantistas” de surpresa. De certa forma, dará uma sobrevida para a Lava-Jato no caso dos processos relatados pelo ministro Fachin, cujas investigações estão concluídas. Os casos que ainda estão sendo investigados pelo Ministério Público Federal (MPF) são outra história: vão depender das medidas adotadas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, para enquadrar e centralizar a atuação dos procuradores das forças-tarefas no Paraná, no Rio de Janeiro, no Distrito Federal e em São Paulo.

Simbolismo
Renan tem razão quando assinala que o cerco à Lava-Jato se fechou, com as medidas adotadas por Bolsonaro. Entretanto, no plano simbólico, tudo o que é feito contra a operação tem repercussão negativa na opinião pública. A operação continua sendo um vetor importante nas eleições municipais em curso e, provavelmente, o será nas de 2022, mas sem o mesmo efeito catalisador que teve nas eleições passadas. As pesquisas eleitorais em muitas cidades estão mostrando cautela dos eleitores com candidatos desconhecidos e certa tendência à reeleição, bem como preferências por políticos ficha limpa já conhecidos.

Além disso, houve de fato um descolamento de Bolsonaro da Lava-Jato, assumido publicamente ontem, que começou com a demissão do ex-juiz Sergio Moro do Ministério da Justiça. Esse afastamento se consolidou com a aliança do presidente com o chamado Centrão, cujos partidos são liderados por políticos tradicionais, quase todos enrolados na operação. Isso significa que Bolsonaro abdicou completamente da bandeira da ética? Obviamente não. A atuação da Polícia Federal nos escândalos envolvendo a Saúde, em diversos estados, mostra exatamente o contrário. O que há é uma separação entre o combate à corrupção e a Lava-Jato. E a suspeita de que haveria manipulação política nessas ações, mas esse costuma sempre ser o argumento de defesa dos políticos investigados.

Na verdade, o desgaste ético de Bolsonaro ocorre em razão do caso Fabrício Queiroz, no inquérito que investiga as rachadinhas nos gabinetes dos deputados da Assembleia Legislativa fluminense, no qual familiares do presidente são investigados, sobretudo o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), seu filho mais velho. A mudança de rota do Palácio do Planalto tem muito a ver com isso, pois as investigações forçaram Bolsonaro a articular uma base de apoio mais consistente no Congresso, que não quer nem ouvir falar em Lava-Jato, e promover uma aproximação com Supremo. Estava tudo dominado por Bolsonaro na Segunda Turma, na qual tramita o caso de Flávio, mas a decisão de ontem de levar os processos para o plenário da Corte embaralhou o jogo. Faltou combinar com os russos, isto é, com o presidente do Supremo, Luiz Fux, que não tem vocação para rainha da Inglaterra.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense



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