Não custa lembrar. A Operação Castelo de Areia, de 2009, foi uma espécie de pré-Lava Jato. O alvo, uma empreiteira, a Camargo Correia, da qual quatro diretores foram presos no primeiro momento, pairando ameaças sobre outros membros da empresa e associados no governo do então presidente Lula. Mas logo apareceu um recurso junto ao Superior Tribunal de Justiça, que caiu com o magistrado Cesar Asfor Rocha. E ele simplesmente cancelou toda a operação, com base numa ridícula formalidade: as denúncias iniciais haviam partido de fontes anônimas.
Ridícula, para não dizer outra coisa, porque as denúncias recebidas anonimamente foram objeto de uma ampla investigação que encontrou, sim, grossa corrupção. Não foi mera coincidência que o ministro da Justiça na época era o advogado Marcio Thomas Bastos, uma espécie de grande chefe dos criminalistas especialistas em anular processos e adiar processos indefinidamente. Reparem, não se tratava, então, de provar a inocência dos réus, mas de melar o processo ou de reduzir crime a simples infrações. Como diziam os advogados no julgamento no Petrolão – não é corrupção, é simples caixa dois.
Por outro lado, não é própria polícia que incentiva as denúncias anônimas, no mundo todo? Aliás, não resisto a contar uma historinha que se não é verdade, é bem ilustrativa. Diz que um empresário quebrado e envolvido em confusões procurou um famoso escritório e pediu: não me importo de perder todo meu dinheiro, só quero ficar com o nome limpo de novo. E ouviu do advogado: o senhor veio ao escritório errado; aqui nós salvamos o dinheiro e deixamos o nome sujo.
Tudo isso deu força ao ministro Gilmar Mendes na sua campanha para não apenas livrar Lula, mas anular toda a Lava Jato – e livrar assim todos os empresários e políticos amigos apanhados pela operação. Acrescente a intensa movimentação do presidente da Câmara, Artur Lira, ele próprio um denunciado, para aprovar leis que restringem o conceito de crimes do colarinho branco e protegem os eventuais apanhados, e pronto: está em curso avançado o movimento das elites para abafar o combate à corrupção. Ou, dito pelo avesso, movimento pró-impunidade.
A operação Lava Jato aprendeu com os processos de combate à corrupção desenvolvidos inicialmente nos Estados Unidos e depois absorvidos pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. O Brasil é signatário, por exemplo, do acordo de combate à lavagem de dinheiro, prática apanhada pela Lava Jato. Aliás, a OCDE, hoje em dia, leva em consideração dois temas básicos quando define políticas de crescimento sustentado: proteção ao meio ambiente e combate à corrupção.
O Brasil não se torna pária “apenas” por causa de Bolsonaro.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
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