Ana Paula Henkel
Em tempos estranhos, quando a coragem parece ter desaparecido, Olavo, mesmo depois de sua morte, continua incomodando aqueles que não conseguiram desqualificar suas ideias
Mas eu não estou aqui para te convencer a gostar de Olavo de Carvalho. O mergulho em sua obra, e não no personagem politicamente incorreto das redes sociais, é um mergulho que faz parte de uma decisão pessoal. O que eu posso dizer é que quem leu uma obra do escritor entende que ele foi um homem à frente do nosso tempo. Muito além do barulho vazio das discussões supérfluas das tóxicas plataformas sociais. Mas, como disse, não estou aqui para te convencer nem sequer a ler um artigo ou um livro do professor. Essa é uma viagem individual com passagem só de ida. É uma decisão extremamente particular exatamente por ser uma viagem sem volta.
Não fui aluna do Olavo. Assisti a algumas aulas de seu curso on-line de filosofia (COF), fiquei bastante impactada com o material, com as aulas e com a sua presença — bem diferente das redes sociais —, mas não tive como seguir o planejamento por falta de tempo, já que, quando me debrucei em algumas sessões, eu ainda estava na UCLA fazendo arquitetura, e a profundidade do material oferecido pelo professor merecia uma imersão completa.
Também nunca fui próxima do Olavo. Nunca o conheci pessoalmente e nunca tive nenhuma conversa particular com ele. Nossos encontros foram em entrevistas e programas que estivemos juntos, ou com a sua companhia nas páginas de suas obras. Taí uma coisa da qual me arrependo, mas o destino quis assim. Em 2020, participei do CPAC americano (Conservative Political Action Conference), que aconteceu em Maryland, Estado vizinho da Virgínia, onde Olavo morava. Uma pessoa próxima ao Olavo me perguntou se eu não gostaria de ir até a Virgínia para conhecê-lo e entrevistá-lo. Eu estava com a agenda muito apertada para apenas três dias. Havia compromissos pré-agendados e, por isso, agradeci e respondi que gostaria de visitá-lo com mais calma durante o ano de 2020. E então chegou a pandemia. E com ela toda a loucura que vimos e ainda estamos vendo. Não consegui encontrá-lo mais.
Quando via suas entrevistas ou assistia a vídeos antigos do professor (há vídeos espetaculares no YouTube, com um conteúdo que você jamais verá no Brasil), pensava o que diria a ele quando o conhecesse pessoalmente. Depois da morte do meu pai, em 2012, via no jeitão do Olavo, nos puxões de orelha em vídeos que eram carregados de palavrões e também de muito mel uma doçura nata de pai, de avô, mas que nem todos enxergavam. Olavo, sem saber, fazia-me entrar em uma saudosa conexão com o meu velho através dos trejeitos de quem ama uma boa resenha e através de sua coragem em não se ajoelhar para ninguém ou para nenhum movimento. Era a máxima aristotélica que meu pai fazia questão de dizer quase todo dia: “Sem coragem, não há mais nada, filha”. E Olavo era, antes de tudo, um homem de coragem. Como muito bem definiu Guilherme Fiuza, nosso parceiro aqui em Oeste, “um caçador de hipócritas”. Um homem que antes de mais nada não deixou que ninguém o colocasse em uma caixinha de etiquetas preconcebidas. Olavo era um caçador de arautos das falsas virtudes, da falsa bondade, daqueles que encobrem valores inconfessáveis por um punhado de ouro ou mesmo um rápido aplauso fácil.
Desmascarando ObamaE foi assim, desmascarando um hipócrita, que tive o meu primeiro contato com o escritor Olavo de Carvalho, em meados de 2012. Lendo um texto em que ele desnudava nada mais nada menos do que o queridinho do mundo moderno, Barack Obama, aquilo me chamou a atenção. Morando nos EUA há apenas dois anos, ainda não conseguia conceber em sua totalidade a farsa que Barack Obama foi e é.
Por mais que pareça banal, a porta que me fez entrar no mundo de Olavo de Carvalho foi a maneira que ele escrevia sobre o ex-presidente. Obama era o suprassumo mais carismático do mundo, quem é esse maluco que está dizendo que há muito mais (perversidade) por trás do fofo Obama? Então comecei a fuçar na internet em busca de mais informações sobre esse tal de Saul Alinsky; esse senhor que mora em Virgínia só pode estar louco. Nem meu marido, um republicano fiel nascido e criado na democrata Califórnia, demonstrava tanta estranheza e suspeita sobre Barack. Apenas não gostava. Teorias com esse tal de Saul Alinsky? Nah.
O artigo traz pontos excepcionais e mostra as diferenças e similaridades das estratégias de Lula e Obama, mas que gerariam o mesmo efeito por terem as mesmas raízes e foco. O texto não é difícil de ser encontrado na internet, e foi ali, nas linhas finais, que a minha mente se abriu de uma maneira que não seria mais possível voltar de onde parti. Não faria justiça se apenas explicasse, então transcrevo o último parágrafo: “(…) Dito de outro modo (a tática é): desarmá-los contra seus inimigos e armá-los contra suas próprias populações, de modo a fazer deles os cães de guarda, ao mesmo tempo dóceis e implacáveis, da nova ordem mundial. De sob as cascas dos velhos Leviatãs nacionais começa a erguer-se, majestosamente sinistro, o Leviatã planetário”.
Olavo conseguiu nos tirar da inércia política em um país que era ignorante e sem cultura
Uau. Mas não para por aí. Olavo já enxergava o que muito só vemos hoje e, mesmo assim, por causa da pandemia. Sem uma imprensa dissidente no Brasil, ficava fácil emplacar qualquer narrativa fantasiosa e distorcida. Mas, em outro artigo de 2012, Olavo mostra as cartas que hoje estão mais do que colocadas na mesa. Sob o título “Salvando o triunvirato global”, o professor que estudou profundamente os movimentos ideológicos e seus peões escreve: “Ninguém ignora que a escolha de Barack Hussein Obama como candidato do Partido Democrata em lugar de Hillary Clinton, em 2008, foi uma imposição, um Diktat, do Grupo Bilderberg. Também é preciso ter feito juramento de cegueira para não enxergar que, durante o seu primeiro mandato, o ungido do globalismo fez tudo para desbancar o dólar e desabilitar a posição dos Estados Unidos no cenário internacional, estancou a produção nacional de petróleo, gás e carvão, atrofiou o sistema americano de defesa, pôs seu país de joelhos ante a China e a Rússia e, tanto no Oriente Médio quanto em suas políticas de segurança interna, deu mão forte aos arautos do Califado universal. Igual favorecimento a expansão islâmica tem orientado a política da União Europeia e de vários governos do Velho Mundo abençoados pela internacional Fabiana”.
E continua: “A vitória de Barack Hussein Obama é mais um passo nessa direção (uma ditadura mundial), um indicador claríssimo de que os Estados Unidos vão prosseguir na sua política de autodesmantelamento militar e econômico aliado à expansão ilimitada dos mecanismos de controle policial da sociedade, segundo os mesmos cânones politicamente corretos que os organismos internacionais estão pondo a todos os países do Hemisfério Ocidental.”
Yep. O velho de Virgínia avisou.
Independência intelectualEu poderia escrever mais 50 mil caracteres sobre os ensaios de Olavo que tocam em pontos da atual realidade e que fizeram despertar. Artigos que em muitas ocasiões fizeram Olavo ganhar nomes pejorativos como “doido” ou “teórico da conspiração”.
Mas Olavo falava muito além de política ou geopolítica. E insisto que essa é uma viagem individual que cada um tem de fazer. Olavo também falava — e muito — de Cristo, de amor, de Aristóteles, de Platão, de São Tomás de Aquino, de amizade, de valores, de princípios… Falava de filosofia, de liberdade e sobre a verdade. E tudo de uma forma humana e calorosa, sem o pedantismo e a soberba de acadêmicos e muitos professores. Olavo conseguiu nos tirar da inércia política em um país que era ignorante e sem cultura. Despertar esse caminho nas pessoas é um dom que poucos têm. Por isso, ele era rejeitado e difamado por seus detratores. Uma vez aberta a porta para as obras do escritor, essa porta daria entrada para um vasto mundo intelectual de independência intelectual. Olavo não era um professor, Olavo era um mestre.
Essa foi umas das muitas pontas da minha história com o Olavo, escrita nas páginas de internet e nos olhos fitados em seus livros. Depois de sua morte, li centenas de relatos no dia que me impressionaram, não que eu não imaginasse que ele poderia ter tocado milhares de pessoas pelo Brasil e pelo mundo com a sua obra, mas havia algo mais. Havia homenagens de pessoas que se entregaram, ou voltaram, ao cristianismo por causa dele.
Havia homenagens de pessoas que não sabiam o que era comunismo, marxismo cultural, Foro de São Paulo. Ordem Mundial. Havia homenagens de médicos, atletas, jornalistas, economistas e alunos que foram tocados de alguma forma por frases como: “Aconteça o que acontecer, não se deixe desencorajar. Não feche os olhos ante a realidade, por pior que seja. A coragem do espírito, o amor incondicional à verdade, é a mãe de todas as virtudes”. Muitos alunos espalhados pelo mundo hoje são professores e germinarão as sementes de seu legado pelas áreas da educação, espaço que Olavo sempre frisou que deveria ser reconquistado pela direita no Brasil antes de qualquer salto político robusto. E em tantas homenagens, havia faixas em barracos e casebres em favelas e comunidades carentes. O famoso jargão “Olavo tem razão” estampando as pobres fachadas que abrigam ricos intelectos.
Em tempos estranhos, quando a coragem parece ter desaparecido quase que por completo, em que a independência intelectual sentou no colo quente dos lobbies e a liberdade anda com uma corda no pescoço, Olavo, mesmo depois de sua morte, continua incomodando aqueles que não conseguiram desqualificar suas ideias. O ódio descabido a um inimigo que trazia conceitos diferentes daqueles que foram impostos durante décadas no Brasil não surpreende. A onda descabida de ataques ao nome do professor, bem menor que o vasto caminho de homenagens, só concretiza ainda mais o impacto de seu trabalho contra a miséria intelectual e a mesquinhez humana. Olavo, que tem frases célebres que iam no cerne de pontos cruciais na dor e no amor, certa vez disse: “Os mortos conduzem os vivos. Todos os meus mortos queridos… Não sinto saudade deles, porque eles estão presentes, eles existem. Nada do que aconteceu “desacontece”. Aquilo que aconteceu aqui durante uma fração de segundo já está na eternidade, nunca mais volta ao não-ser”.
Obrigada, Olavo.
Leia também “Dead man walking”
Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste
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