Por ser amigo do presidente da República, o advogado Antônio Claudio Mariz de Oliveira mandou encomendar o terno azul-Brasília quando o impeachment de Dilma Rousseff era apenas um brilho nos olhos de Marcela Temer. Enquanto ganhava força o movimento que afastou o poste fabricado por Lula do gabinete que desonrou, Mariz caprichava na pose de ministro (da Justiça, de preferência, mas até da Eucaristia se “o Michel”, como se referia ao futuro presidente, topasse incluir a segunda alternativa no primeiro escalão federal). Três vezes preterido, acompanhou pelos jornais a passagem pelo ministério de Alexandre de Moraes, Osmar Serraglio e Torquato Jardim. Mas o sonho continua, sugere o que anda fazendo para tornar-se amigo de infância de Lula.
A última proeza de Mariz foi encerrar, em 27 de dezembro de 2021, o concurso instituído para premiar a frase mais imbecil da década. Os anos 20 estão em seu começo, mas nenhuma sumidade do ramo conseguirá ultrapassar a marca estabelecida, com apenas nove palavras, por esse colosso do Prerrogativas — ajuntamento de bacharéis em direito que enxergam uma Madre Tereza de Calcutá no mais medonho serial killer de filme americano.
O surto de cretinice já foi desmoralizado pelo ótimo
Caio Coppolla em seu artigo de estreia nesta Oeste. Mas o vídeo que documenta o momento histórico irrompeu na internet quando eu estava longe, e peço licença para revisitar a noite do espanto.
Lula chefiou o maior esquema corrupto de todos os tempos. Mas a roubalheira estava consumada, o que que adiantou punir?
O rosto afogueado, o olhar de quem flutua sobre nuvens gloriosamente azuis, as pausas impostas pela busca exasperante da palavra certa — não faltaram sinais de que o orador cruzara a fronteira além da qual são permitidas quaisquer obscenidades retóricas. O ator Humphrey Bogart dizia que a humanidade está três doses abaixo do normal.
Não se sabe quantos mililitros foram necessários para que Mariz desandasse no surreal: “O crime já aconteceu. O que que adianta punir?”.
Enfim abrira o coração o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, a
referência imoral do Prerrogativas, o
eterno candidato a ministro de qualquer coisa e, desde aquele momento, o
autor da mais cretina frase da década.
Bandido é coisa que Mariz conhece como poucos viventes. É respeitado por todos os corruptos da classe executiva pelo desempenho na guerra suja movida contra a Operação Lava Jato. Mas
craque genuíno joga nas onze. Enquanto lidava com empreiteiros gatunos e assaltantes fantasiados de executivos, encontrou tempo para canonizar os assassinos Suzane von Richthofen e Antônio Pimenta Neves. A discurseira no jantar em homenagem a Lula foi uma declaração de amor à ladroagem vip.
Mas seu trecho mais pornográfico resume uma tese que se estende a todas as ramificações da grande tribo dos fora da lei: se a norma legal já foi atropelada, castigar o atropelador é perda de tempo, mania de gente perversa.
Suzane, por exemplo, planejou a morte do pai e da mãe, que supervisionou acomodada num sofá da sala de visitas.
A condenação da parricida vai acaso ressuscitar o casal? Não, não vai. Portanto, instalar numa cela essa jovem órfã é pura maldade.
Sim, Pimenta Neves executou a ex-namorada com um tiro nas costas e outro na cabeça.
Mas o que tira o sono de Mariz é a curtíssima temporada na cadeia do cliente que manteve em liberdade por dez anos recorrendo a rabulices de constranger o mais desinibido 171.
Aos olhos do doutor, contudo, ninguém merece mais afagos do que a vitima da maior iniquidade produzida pela Justiça desde o surgimento do primeiro tribunal.
Quando Lula foi para o xilindró, a Petrobras já fora saqueada (até havia recebido de volta algumas fatias do imenso produto do roubo).
Os empreiteiros tinham embolsado o naco que lhes cabia, alguns até dormiram longas noites na prisão.
Sim, Lula chefiou o maior esquema corrupto de todos os tempos.
Mas a roubalheira estava consumada, o ex-presidente da República já fora deposto do comando da quadrilha pelos cruéis integrantes da Lava Jato.
O crime já acontecera. O que que adiantou punir?
As nove palavras compõem mais que uma frase irretocavelmente cretina. Resumem uma tese grávida de originalidade, que pode desdobrar-se na mais revolucionária proposta do programa de governo do PT no campo da Justiça.
Até agora, a menos que tenha sido capturado pela imaginação do ministro Alexandre de Moraes, nenhum brasileiro pode ser preso antes de cometer um crime. Mariz foi muito mais longe: se for assentado por Lula no Ministério da Justiça, e montar sua equipe com as sumidades do Prerrogativas (Prerrô, para os pais fundadores), não será preso mesmo alguém que resolver metralhar às 3 da tarde aquela multidão que circula pelas calçadas da Avenida Paulista e, em seguida, sentar-se no meio-fio para consumir em paz um saquinho de pipoca.
Por falta de punidos, a população carcerária deixará de existir. Por se tornarem desnecessárias, as cadeias serão demolidas e os terrenos vazios, fraternalmente repartidos pelo MST e pelo MTST. O único problema é que o fim do risco de cadeia provocará o sumiço da freguesia que garante a sobrevivência dos milhares de advogados que ganham a vida tentando provar que todo culpado é inocente — e que não há pecadores no País do Carnaval.
Finalmente ministro, Mariz saberia o que fazer para poupar a categoria profissional do fantasma do desemprego. A frase campeã informa que não lhe faltam ousadia e criatividade. Some-se a isso o buquê de prerrogativas com cara de salvo-conduto e tudo estará pronto para a disseminação de cursos de reciclagem profissional. Instaladas nas sedes e subsedes da entidade, as escolinhas da OAB transformariam bacharéis desempregados em doutores na prática de crimes sem remorso, sem sustos e sem perigo de cadeia.
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Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste
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