Alexandre Garcia
O Brasil acaba de perder um de seus maiores poetas. foi
embora na sexta-feira, com 95 anos. Deixou para nós o seu maior poema,
Os Estatutos do Homem, escrito em 1964, hoje atualíssimo, nesses tempos
estranhos. "Fica decretado que agora vale a verdade", é seu primeiro
verso.
Vivemos tempos em que se decretam qual é a verdade e qual é a
mentira, retirando da consciência julgadora de cada um o direito de
avaliar o que é o quê. "Fica decretado que os homens estão livres do
jugo da mentira", proclama o poeta no art. V. Mas a mentira é um jugo
que escraviza quem prefere não pensar, apenas aceita qualquer mentira
porque é mais fácil se deixar conduzir.
No art. XII, "decreta-se que nada será obrigado".
Nesses estranhos dias que vivemos, parece que tudo é obrigado, até o
veto das palavras que não permitem que você ponha na sua própria boca.
Escolhem as palavras da sua boca! Parafraseando outro poeta, Eduardo
Alves da Costa, primeiro escolhem palavras que você deva pronunciar, e
você permite. Depois põem frases completas na sua garganta, e você cede.
Quando semearem ideias inteiras no seu pensamento, você não pode fazer
mais nada, porque já não pode pensar. E você deixa de ser uma pessoa,
para ser uma peça descartável do coletivo.
Como se opera isso? No art. XIII, Thiago de Mello
registra "o grande baú do medo". Essa é a arma que abre as defesas do
indivíduo. O medo enfraquece, paralisa. Ameaça-se com um grande mal que
paira sobre todos, já covas abertas e caixões prontos para receber o seu
cadáver. Mas se você obedecer, para o seu bem, poderá ser salvo, desde
que entregue a sua liberdade, se una à multidão dos que transferiram seu
destino a grandes condutores de massas.
Não pode haver inteligência livre. Os rebeldes são alvo
do denuncismo, os que demonstrarem teses contrárias são censurados,
banidos para o limbo. O livro 1984, de George Orwell, escrito em 1949, é
profético, mostrando o que acontece num país totalitário chamado
Oceania. Até o nome foi um prognóstico, diante das atuais anulações de
liberdades na Austrália. Ironicamente, ontem fez 234 anos que lá
chegaram 736 condenados ingleses para colonizar aquela terra sob a égide
da liberdade.
Vivendo como condenados em um regime sem liberdades,
mais de 280 mil venezuelanos já regularizados no Brasil fugiram de sua
pátria, de sua própria terra natal. Ao acolhê-los, oferecemos liberdade.
A mesma que precisamos legar a nossos filhos e netos. O artigo final
dos Estatutos do Homem estabelece que será suprimida a palavra liberdade
dos dicionários e do "pântano enganoso das bocas", porque a morada da
liberdade "será sempre o coração do homem". Mas a premonição literária
dos poetas e escritores aqui citados é hoje uma perigosa realidade
ganhando corpo. Não podemos nos omitir de reconhecer que cada um de nós
está desempenhando um papel, por ação ou inércia, nesses tempos que já
foram apenas ficção. [Excelente artigo; aqui no Blog consideramos amparar refugiados um DEVER CRISTÃO.
Só que preservar a vida é um DEVER CRISTÃO MAIOR e a generosidade com que o Brasil recebe os venezuelanos, não é suficiente para que um FATO seja esquecido: cada venezuelano que consegue emprego no Brasil é mais um brasileiro desempregado a permanecer na miséria.
Não é possível ajudar estrangeiros sacrificando os nacionais.]
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