O PT não sabe sorrir,
nunca soube. Já no primeiro comício da vitória, o partido mostrou que
festejar o próprio triunfo lhe dá muito menos prazer do que comemorar a
derrota dos outros com insultos, provocações e pancadarias. Em vez de
alegrar-se com o número de eleitores que votaram nos candidatos
petistas, os militantes acham mais prazeroso contabilizar e, se
possível, identificar os que não seguiram a estrela vermelha: são
inimigos a castigar ou destruir. A prevalência da carranca sobre o
sorriso foi oficializada no momento em que o chefe supremo do PT dividiu
o Brasil em duas tribos: “nós” (os devotos da seita que tem em Lula seu
único deus) e “eles” (os que não abdicaram da sensatez). Conforme as
circunstâncias, o Mestre comunica a seus discípulos que o nome mudou.
“Eles” viraram “golpistas” nos meses que precederam o impeachment
de Dilma Rousseff, foram rebaixados a “fascistas” com a ascensão de
Jair Bolsonaro e, depois da chegada ao país do vírus chinês, tornaram-se
“inimigos da ciência”, “terraplanistas” e “negacionistas”.
O
passaporte sanitário que documentava a aplicação de três doses de vacina
não impediu que uma militante do PT, quarentona recente, fosse
surpreendida pela covid-19. Inconformada com os dez dias de quarentena,
caprichou num longo palavrório que batizou de “desabafo”. Examinado com
atenção, revela com a precisão de tomografia computadorizada um cérebro
petista atormentado pela pandemia.
O vírus responsável pela doença
sequer é mencionado.
Como Lula ensinou, todas as mortes causadas pelo
coronavírus devem ser debitadas na conta do presidente genocida, líder
dessa sub-raça que “nega a ciência falando contra a vacina”. É bom que
se calem, adverte a confinada involuntária, para logo ressalvar em mau
português: “Desinformação não é liberdade de expressão”. Assim, os
negacionistas devem suspender imediatamente conversas que ofendem a
ciência e desperdiçar esse tempo tratando de assuntos menos letais.
Futebol, por exemplo. Ou estética. Ou astrologia. “Você pode dar sua
opinião sem matar ninguém”, lembra o desabafo. E que fique em casa quem
não tomou vacina, conclui a lição, porque o vírus precisa de corpos não
imunizados circulando por aí para ganhar força e gerar novas variantes.
Por
odiar o convívio dos contrários, todo esquerdista brasileiro é surdo a
vozes dissonantes. Por desprezar poços de certezas, sobretudo quando
sonham com o assassinato dos direitos individuais e das liberdades
democráticas, insisto em ver as coisas como as coisas são e a contar o
caso como o caso foi. Em obediência a Lula, seus esforçados devotos
qualificam de “inimigos da vacina” milhões de brasileiros que, na
infância, recorreram a imunizantes para livrar-se de poliomielite,
catapora, sarampo ou caxumba — e, ao longo de 2021, tomaram vacinas
contra a covid-19. É o meu caso. Fui vacinado com duas doses da
CoronaVac e uma da Pfizer. E afirmo que sofre de negacionismo — e
negacionismo delirante — quem nega a existência de dúvidas a esclarecer,
enigmas a desvendar, interrogações a desfazer.
Criada no curtíssimo
período de um ano, a vacina contra a covid-19 configura uma façanha e
tanto. Mas só cretinos fundamentais não conseguem enxergar nesses
imunizantes algo ainda na primeira infância e, por isso mesmo, em
processo de aperfeiçoamento.
Os loucos por lockdowns
acabam de decepcionar-se com o estudo que comprovou a ineficácia dos
isolamentos radicais.
Logo ficarão desolados com as respostas exigidas
por outras perguntas muito oportunas. Uma delas: vacinas concebidas para
combater o vírus original e suas primeiras variantes são capazes de
deter o avanço da Ômicron?
O desabafo sugere que a militante em
quarentena ignora que também os totalmente vacinados podem transmitir a
doença e ser infectados. Assim, não deveria descartar a hipótese de ter
sido contaminada num encontro de adoradores de vacinas, todos providos
de passaportes sanitários, usando máscaras e atentos a medidas de
distanciamento social. Além de entusiasmados com a epidemia de
autoritarismo gerada pelo Supremo Tribunal Federal na sessão que
entregou o comando do combate à pandemia a governadores e prefeitos.
As
táticas de guerra ficaram mais confusas com a permanência no front
dos ministros do STF, e desandaram de vez com a entrada em cena de
promotores de Justiça e juízes de primeira instância. Só ficou fora o
presidente Jair Bolsonaro, a quem coube apenas arranjar a dinheirama que
financiou também as bandalheiras do Covidão.
Lula jura que, se
estivesse na Presidência da República, salvaria o país com a reprise do
medonho modelo concebido pela tirania que tanto admira. “A China só
conseguiu combater o coronavírus com a rapidez que ela combateu porque
tem um partido forte, porque tem um Estado forte, tem pulso, voz de
comando”, desmanchou-se em afagos o ex-presidente num vídeo divulgado em
junho de 2021. “Eles tomam decisões que as pessoas cumprem, coisa que
nós não temos aqui.”
Com o ex-presidiário no Palácio do Planalto, a
direção da guerra provavelmente seria entregue ao ex-ministro Carlos
Gabas, maior autoridade do PT no campo da saúde. No posto de
secretário-geral do Consórcio do Nordeste, ele administra o combate à
pandemia naquela região. Investigações de uma CPI instaurada pela
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte confirmaram que Gabas é um
incapaz capaz de tudo.
Quem acredita nesse monumento
ao negacionismo está obrigado a crer que Lula foi a única vestal
incorruptível no mais populoso bordel da história
Governar
é escolher, e Lula escolhe sozinho. Presidente por oito anos, não
recorreu a conselheiros para escalar ministros, presidentes das estatais
mais lucrativas, parceiros no Congresso, empreiteiros felizes com obras
federais e, no Exterior, ricaços generosos e um punhado de amigos bem
mais rentáveis que o milhão sonhado por Roberto Carlos. Antes e depois
da temporada no poder, escolheu dirigentes do PT, candidatos do partido a
governos estaduais, prefeituras ou Câmaras Municipais, patrocinadores
de palestras.
Ficou rico sem manchar a imagem de alma viva mais pura do
Brasil, talvez do mundo, venerada pela esquerda negacionista, convencida
desde sempre de que Lula é o mais injustiçado dos inocentes. Bandidos
são o ex-juiz Sergio Moro e os integrantes da Operação Lava Jato.
Para
sustentar esse monumento ao negacionismo, costurou-se o enredo que
mataria de inveja um Gabriel García Márquez.
Em 2014, o juiz Sergio Moro
descobriu que, se impedisse a volta de Lula ao poder, um deputado
federal que ninguém conhecia seria eleito presidente da República e o
transformaria em ministro da Justiça. Ambicioso, o magistrado
matriculou-se num curso da CIA que ensina a montar conspirações
envolvendo o Ministério Público e a Polícia Federal. Voltou dos Estados
Unidos pronto para liderar uma operação que, fingindo investigar
doleiros, devassou bandalheiras consumadas por empreiteiros que
prestavam serviços à Petrobras e diretores da estatal.
A evolução da
trama incorporou delações premiadas, bilhões de dólares devolvidos à
empresa saqueada, quadrilheiros de altíssima linhagem acordados às 6 da
manhã e transferidos para a gaiola antes que Lula fosse instalado na
cadeia em Curitiba.
O Petrolão foi uma farsa, recitam os negacionistas
do PT.
O tríplex no Guarujá nunca foi dele, os 111 fins de semana no
sítio em Atibaia só atestam a beleza da amizade verdadeira, acrescentam
os devotos mais fervorosos.
E o Mensalão? Nunca existiu.
Quem
acredita nesse monumento ao negacionismo de esquerda está obrigado a
crer que Lula foi a única vestal incorruptível no mais populoso e
diversificado bordel da história. Entre os figurões da Era Lula-Dilma
que amargaram temporadas na cadeia estão um presidente do Banco do
Brasil, um ex-presidente e três diretores da Petrobras, um ex-presidente
dos Correios, um ex-presidente da Eletronuclear, um ex-presidente da
Valec, um ex-presidente e um ex-vice-presidente da Caixa Econômica
Federal, três ex-presidentes do PT, três tesoureiros do PT, um ex-líder
da bancada do partido no Senado e um ex-líder da bancada na Câmara dos
Deputados. A fila de petistas lembrados com orgulho pela população
carcerária é enriquecida pelos ex-ministros Antonio Palocci e José
Dirceu, além de parceiros como os ex-governadores Sérgio Cabral e Pezão.
E é, merecidamente, puxada por Lula.
Aos negacionistas
vocacionais somam-se os estrábicos por opção. É o caso do ex-governador
Geraldo Alckmin.
Na campanha presidencial de 2006, ele viu em Lula um
corrupto.
Em 2018, viu um delinquente ansioso por voltar ao local do
crime.
Só agora apareceu-lhe o estadista de quem queria ser vice desde
criancinha.
Sujeito a surtos de vigarice amnésica, o dono do PT esqueceu
que achava o antigo adversário “um político fraco demais para governar
qualquer coisa” e descobriu “um governante que sempre mereceu respeito”.
O que milhões de brasileiros precisam enxergar é o perigo estacionado a
um palmo do nariz: um Lula candidato a presidente, na imagem perfeita
de Millôr Fernandes, é o túnel no fim da luz.
Leia também “O confisco da liberdade”
Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste
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