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sábado, 28 de maio de 2022

A justiça no fundo do poço - Revista Oeste

Alexandre de Moraes, ministro do STF | Foto: STF/SCO
Alexandre de Moraes, ministro do STF | Foto: STF/SCO

Por meio do “quinquênio”, o cidadão será roubado, a cada cinco anos, para pagar um aumento salarial automático de 5% para todos os juízes

É um mergulho desesperado no subdesenvolvimento mais agressivo — uma ditadura africana de segunda categoria provavelmente teria vergonha de fazer esse tipo de mamata com os amigos do gângster que estiver ocupando a cadeira de ditador. A desculpa que arrumaram para dar algum tipo de explicação a essa tramoia é uma coisa triste: a “licença-biênio” serviria para “premiar” a dedicação dos magistrados que permanecem nos seus cargos como se o problema da justiça de Alagoas fosse evitar uma possível demissão em massa de juízes, desmotivados pelo miserável salário inicial de R$ 30.000 por mês que ganham, fora os benefícios. O pior é que a decisão não diz respeito só a Alagoas. Como acontece com outras unidades da federação, Alagoas é um Estado-parasita: não gera receita suficiente para honrar suas próprias despesas, e tem de ser sustentado pelo desvio de impostos pagos por cidadãos de outros Estados brasileiros. Quem estará pagando pela farra, portanto, não é “o governo”, e nem o erário alagoano é você mesmo, a cada vez que liga o celular, acende a luz de casa ou põe 1 litro de combustível na bomba do posto. Alagoas não ajuda ninguém. É apenas, do ponto de vista da política, um exportador líquido de gigantes como Fernando Collor, Renan Calheiros ou Arthur Lira, para ficar no resumo da opera — ou de decisões como a do “biênio” para os juízes.

O saque aos cofres públicos feito em Alagoas vem se somar a outro despropósito em estado puro que acaba de ser praticado nestes dias: a ressurreição do infame “quinquênio”, uma praga extinta em 2005 e trazida de volta agora pelo Congresso, por pressão do sindicalismo judicial que envenena de forma tão completa as relações entre o judiciário e a sociedade brasileira. Por meio do “quinquênio”, o cidadão será roubado, a cada cinco anos, para pagar um aumento salarial automático de 5% para todos os juízes, desembargadores e integrantes do Ministério Público deste país
Não se trata de premiar mérito nenhum, ou produtividade, ou mais qualidade no trabalho, ou o cumprimento de metas, ou sequer um tratamento um pouco mais decente para os que têm a infelicidade de se verem envolvidos com a justiça — é dar dinheiro por “tempo de casa”, e só isso. O “quinquênio” vem se juntar ao colar de “penduricalhos” que anulam a regra constitucional do teto de remuneração para os magistrados — ninguém pode ganhar mais que um ministro do Supremo Tribunal Federal — e fazem do poder judiciário brasileiro um dos mais caros do mundo.  
 
São acréscimos salariais pagos a título de “auxílio” para moradia, alimentação, transporte, educação familiar, viagens, livros, “excesso de trabalho” mais férias anuais de 60 dias, aposentadoria com salário integral, aumentos eternos, pensões, assistência médica de gente rica e por aí afora. 
Isso leva o ganho médio de um juiz ou procurador aos R$ 50.000 por mês — e frequentemente muito mais. 
Os sindicatos que estão na origem disso tudo, e que pressionam o tempo todo o Congresso e as assembleias legislativas, acham pouco. 
Por que não, se estão obtendo tanto sucesso? Normalmente, para os grupos sindicais, Conselho Nacional de Justiça e Supremo Tribunal Federal funcionam como parceiros; é pedir dinheiro e correr para o abraço.

Nada é tão ruim quanto a avaliação da imparcialidade dos juízes criminais brasileiros. Nosso lugar é o de número 138; pior que isso, só a Venezuela

Pelo preço que paga, o brasileiro deveria estar tendo uma das melhores, mais eficazes e mais confiáveis justiças do mundo. É o exato contrário: está tendo uma das piores, e pode colocar pior nisso. É revelador, a propósito, o último levantamento do WJP, ou World Justice Project, uma sociedade internacional dedicada à promoção do respeito à lei ao redor do mundo. Somando-se todos os itens que compõem a avaliação, o Brasil é o 112º entre os países que têm a pior justiça do planeta está entre os 20% que fecham a raia, num total de 139 avaliados. 

Verifica-se, ali, que no item sobre justiça criminal — uma área essencial para se avaliar a qualidade do sistema de justiça de um paíso Brasil está no 117º lugar. É difícil ficar muito pior do que isso. O índice que mede se os autores de crimes são efetivamente punidos, e se os juízes são competentes e rápidos nas suas decisões, é mais baixo ainda: entre os mesmos 139, aí, o Brasil fica no posto 133
Nada é tão ruim, porém, quanto a avaliação da imparcialidade dos juízes criminais brasileiros. Nosso lugar é o de número 138; pior que isso, em toda a face da Terra, só a Venezuela.
 
Tudo isso já parece mais do que suficiente em matéria de depressão, baixo-astral e fundo de poço, mas no Brasil de hoje sempre se pode contar com o STF para piorar o pior. 
Poucos, ali, têm uma história de superação comparável à do ministro Alexandre de Moraes. O ministro já é possivelmente o grande marechal de campo das milícias judiciárias que operam no momento neste país — conduz pessoalmente, na condição de magistrado do STF, um inquérito criminal contra “fake news” e “atos antidemocráticos”, uma aberração que nenhuma lei brasileira permite.  
Desde quando, afinal, a suprema corte da nação pode funcionar como uma delegacia de polícia? 
Agora, Moraes voltou a subir a régua e bater a sua marca mais recente: mandou de volta à prisão fechada um pedreiro do interior da Paraíba, que cumpria sua pena em regime domiciliar, porque o cidadão saiu de casa para trabalhar 20 minutos antes da hora permitida. 
Só deveria sair às 5 horas da manhã. Saiu às 04h40min, segundo a tornozeleira. O caso foi parar no Supremo e Moraes mandou prender de novo o pobre-diabo, por desrespeito aos horários que deveria cumprir. “Tais faltas não podem ser relativizadas”, decidiu ele.
 
É alucinante. O homem não saiu de casa às 04h40min para tomar uma pinga, mas para trabalhar, numa hora em que os ministros do STF e milhões de outros brasileiros estavam dormindo o sono dos justos. 
Quer dizer: foi punido por levantar cedo, castigo possivelmente inédito na história do direito universal. 
Mas a ideia-chave da prisão domiciliar não é justamente o incentivo ao trabalho? 
Não é, segundo a suprema corte brasileira — o que importa, de acordo com essa decisão, é obedecer à tornozeleira. 
O ministro Moares quis mostrar que é imparcial; como o Rei Salomão, aplica o “mesmo rigor” para o deputado Daniel Silveira, contra quem faz há mais de um ano uma guerra ilegal, inédita e incompreensível, e o pedreiro da Paraíba. Na verdade, revela apenas um comportamento fanático. Não aplica justiça; persegue os dois. Não é equilíbrio. É uma justiça de pesadelo.

Como acreditar em justiça quando juízes de direito roubam abertamente o erário público?

Quando se aponta a insânia pura e simples de uma decisão como essa, o STF, a imprensa e a esquerda falam em “ataque” às “instituições”.  
Como assim? E as observações do World Justice Project — também seriam um ataque? 
Ataque internacional, a soldo dos inimigos mundiais da democracia? 
A verdade é que a justiça brasileira, hoje em dia, está reduzida a decisões como a volta do pedreiro paraibano à prisão ou a episódios de assalto ao erário como o que ocorreu com a licença-prêmio-biênio de Alagoas. 
É uma comprovação a mais de que a democracia brasileira não existe, ou não tem um mínimo de sentido lógico para os cidadãos. 
Democracias exigem, obrigatoriamente, que a população acredite, por um mínimo que seja, na capacidade da justiça em fazer justiça — punir o errado e premiar o certo, para começar. 
Como alguém vai achar isso se há juízes com a conduta de Alexandre de Moraes? 
Como acreditar em justiça quando juízes de direito roubam abertamente o erário público, como acaba de acontecer em Alagoas? 
Como acreditar numa justiça feita de quinquênios”, “biênios”, férias de 60 dias por ano e salário extra para ler livros, julgar processos que estão em atraso ou pagar o ensino de filhos até 24 anos, como acontece no Rio de Janeiro? É cada vez mais difícil.

Leia também “A voz dos imbecis”

J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste


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