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sexta-feira, 20 de maio de 2022

O golpe que nunca existiu - Revista Oeste

Silvio Navarro

Agora em parceria com senadores e ministros do STF, o consórcio de imprensa continua tentando emplacar a fantasia de que Bolsonaro ameaça a democracia brasileira 

Em agosto do ano passado, a Edição 75 de Oeste publicou um artigo de J.R. Guzzo intitulado “Manual Prático do Golpe”. O texto explicava por que dar um golpe de Estado, ao contrário do que acham os editoriais, os cientistas políticos de esquerda e alguns políticos, não é um negócio simples. A 90 dias do início oficial da campanha eleitoral, o consórcio de imprensa continua tentando emplacar a fantasia de que uma virada de mesa está em curso no país.
 
Ministros do STF entrando no plenário | Foto: Montagem Revista Oeste/STF/SCO/Shutterstock
Ministros do STF entrando no plenário -  Foto: Montagem Revista Oeste/STF/SCO/Shutterstock

Nas últimas semanas, manchetes de festim sobre a ameaça que Bolsonaro representa à democracia aumentaram em escala só comparada ao noticiário da covid. Foram dezenas de títulos sobre golpismo, planos secretos, temor internacional e desrespeito à Constituição. Alguns articulistas decretaram que o presidente não deixará o poder, seja qual for o resultado das urnas. Outros defendem abertamente a ideia de que é preciso tirá-lo de lá custe o que custar.

Uma premissa básica do texto jornalístico é responder a algumas perguntas logo nos primeiros parágrafos: o que, quem, quando, onde, como e por que. No caso do golpe iminente, nenhuma delas parece fazer sentido. A única base da histeria permanente é o #EleNão — ou seja, a ideia de que Bolsonaro não pode continuar. Trata-se de um golpe que só existe nas páginas dos jornais.

Na segunda-feira 16, por exemplo, a Folha de S.Paulo publicou uma reportagem com a teoria. Apenas alguns políticos de oposição, como Gleisi Hoffmann (PT), Carlos Lupi (PDT) e Carlos Siqueira (PSB) concordaram, o que era previsível. O tucano Bruno Araújo recusou o termo “golpe” e topou “ameaça ao Estado de Direito”. O jornal achou o silêncio da maioria um absurdo. Como não encontrou figuras representativas da sociedade dispostas a levar a tese a sério, o problema foi resolvido logo no título: Partidos veem risco de golpe de Bolsonaro, e autoridades se calam.

“A Folha procurou nos últimos dias os chefes dos três Poderes, de Tribunais Superiores, do Ministério Público Federal e dos principais partidos políticos, além dos presidenciáveis e de entidades representativas do empresariado e da sociedade civil”, dizia o texto, reproduzido com destaque pelo portal UOL. “Nenhuma das autoridades da República quis se manifestar sobre o assunto”

 

Das 13 entidades procuradas pelo jornal, só responderam a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), cuja militância de esquerda é conhecida, e o pastor Samuel Câmara, da Convenção da Assembleia de Deus no Brasil (CADB). As outras nem sequer quiseram participar da enquete. A pesquisa era composta de duas perguntas, elaboradas pelos editores do jornal. Foram apresentadas três alternativas de respostas.

Pergunta 1: Recentes declarações de Bolsonaro em tom de ameaça sobre as eleições e de ataques a ministros do STF e do TSE se encaixam melhor em qual cenário?

  1. a) Os ataques e as ameaças são um comportamento golpista que precisa ser levado a sério
  2. b) As declarações de Bolsonaro são apenas um blefe ou um discurso vazio sem consequências
  3. c) Bolsonaro faz críticas dentro de sua liberdade de expressão e assim o tema deve ser tratado

Pergunta 2: O país deve se preocupar com a possibilidade de Bolsonaro tentar melar as eleições antes e depois da votação?

  1. a) Eleições estão em risco e país deve se preocupar com possibilidade de Bolsonaro tentar melá-las
  2. b) Eleições não estão em risco, mas país deve se preocupar com possibilidade de Bolsonaro tentar melá-las
  3. c) Eleições não estão em risco e país não deve se preocupar com possibilidade de Bolsonaro tentar melá-las

Apesar de parecer a mais obcecada em comprovar que existe uma trama golpista em andamento, a Folha não está sozinha. O Estado de S. Paulo tem dedicado sucessivos editoriais ao tema. O último deles, na quinta-feira 19, dizia: “O clima no País está péssimo, mas poderia estar muito pior caso Bolsonaro tivesse logrado cooptar todas essas forças republicanas em prol de seu desiderato golpista. Mais cedo do que tarde, o presidente verá que derrubar a democracia consagrada pela Carta de 1988 estava muito além de suas forças”.

Festa estranha com gente esquisita
Desde que Brasília existe, é comum encontrar políticos, jornalistas e autoridades misturados em jantares no meio da semana. Foi o que ocorreu na quarta-feira 11 de maio, na casa da senadora Kátia Abreu (TO). Na mesa, os colegas Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Jaques Wagner (PT-BA), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Renan Calheiros (MDB-AL), Marcelo Castro (MDB-PI), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Weverton Rocha (PDT-MA) e o ex-governador de Alagoas Renan Filho (MDB).

O inusitado, porém, foram as presenças de três ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), responsáveis, entre outras atribuições, por julgar processos contra os próprios parlamentares: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes. O último será o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a partir de agosto, além de conduzir o inquérito perpétuo dos atos antidemocráticos.

Em resumo, o que esse consórcio autoproclamado esquadrão da democracia quer é que ninguém possa mais criticá-los

Segundo relatos, o propósito da reunião foi criar uma “frente em defesa do STF”, que deve ser ampliada com a participação de deputados. Renan chegou a propor que o grupo tivesse um nome para facilitar a divulgação na mídia. Pacheco resolveu se apresentar para ser o coordenador.

Um dos assuntos tratados durante a noite foi o incômodo do grupo, especialmente do próprio Pacheco, com as críticas feitas pelo programa Os Pingos nos Is, da Jovem Pan.

No dia seguinte, o presidente do Senado discursou durante um evento para juízes em Salvador (BA), que teve palestras de ministros do STF. “É inimaginável pensar que a essa altura nós estejamos a defender instituições e o Poder Judiciário de ataques absolutamente sem fundamento algum, sem lastro probatório nem razoabilidade”, disse. “Esse ambiente que estamos hoje, de certa instabilidade, ataques antidemocráticos e arroubos parecem populares para um determinado grupo, mas na verdade são atentados muito nocivos à sociedade brasileira.”

Em resumo, o que esse consórcio autoproclamado esquadrão da democracia quer, com o apoio da velha imprensa, é que nem Bolsonaro nem ninguém possam mais criticá-los
Deve-se admitir que o sistema de votação brasileiro está acima de qualquer suspeita e ponto. 
Toda e qualquer manifestação contrária configura fake news e golpismo — e pode terminar em cadeia.

A fala de Pacheco é simbólica. O Senado é a única Casa com prerrogativa constitucional para impor algum freio ao ativismo político dos ministros do Supremo. Contudo, seguindo a cartilha dos seus antecessores, ele se recusa a pautar pedidos de impeachment contra os magistrados e vetou a convocação deles para responder questionamentos no Congresso.

Houve também uma mudança de tom em relação ao Palácio do Planalto. Antes avesso a entrevistas, agora ele tem se apresentado em diversos lugares para criticar Bolsonaro. Foi ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira 16. Sua assessoria passou a produzir material diário nos perfis das redes sociais e criou um podcast.

Nesta semana, Pacheco fez questão, por exemplo, de comentar o pedido de investigação feito por Bolsonaro ao Supremo e à Procuradoria-Geral da República contra o ministro Alexandre de Moraes — negado imediatamente pelo colega Dias Toffoli. “É mais um episódio de anormalidade institucional”, afirmou, durante uma entrevista coletiva.

A ampla maioria da imprensa tem adorado o novo papel do pacato presidente do Congresso como líder da “frente contra o golpe”. Desde que assumiu a cadeira, ele é bajulado pela mídia em Brasília. No ano passado, quando se filiou ao PSD, um colunista chegou a escrever que surgia um novo Tancredo Neves na política brasileira. Pacheco acreditou. O dono do partido, Gilberto Kassab, apressou-se em plantar a notícia de que ele seria candidato à Presidência, o que obviamente não se confirmou.

Ainda assim, o senador subiu à tribuna para fazer um pronunciamento à nação em março. “Meus compromissos como presidente do Senado e com o país são urgentes, inadiáveis e não permitem qualquer espaço para vaidades”, disse. “Por isso, afirmo ser impossível conciliar essa difícil missão, de presidir o Senado Federal e o Congresso Nacional, com uma campanha eleitoral presidencial.”

Figuras como Pacheco normalmente encontram a aposentadoria nas galerias de fotos dos ex-presidentes do Congresso em pouco tempo. Não têm vocação sequer para se tornar um Renan Calheiros. Se algum dia for lembrado, será como um dos heróis que combateram um golpe que nunca aconteceu.

Leia também “A corrupção esquecida”

Silvio Navarro, jornalista - Revista Oeste

 

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