Foto: Pixabay
Pessoalmente, sou contrária à tentativa de Donald Trump de utilizar os arquivos para um tapetão eleitoral. Há uma falha lógica no argumento que ele utiliza de favorecimento dos democratas no Twitter como líquido e certo para a eleição deles. Esse favorecimento por parte das Big Techs e da imprensa é histórico e, mesmo assim, ele foi eleito e diversos outros presidentes republicanos foram eleitos também. Descobrir detalhes do favorecimento não muda o tipo de impacto que ele exerce, algo que não foi decisivo em outras eleições de republicanos e nem mesmo na eleição que ele venceu, bombardeado e ridicularizado pelo mainstream.
Os documentos mostram que empregados do Twitter trabalharam ativamente para impedir que tweets desfavoráveis à sua ideologia viralizassem.
É preciso separar os assuntos, coisa que Trump não tem interesse de fazer, em nome dos próprios interesses políticos. Mas a sociedade tem interesse, sobretudo de outros países em que ainda não está claro como esse mecanismo funciona. Voltemos à Bari Weiss que eu citei no início do texto. Talvez você não a conheça. É uma das jornalistas e escritoras mais talentosas dos Estados Unidos, com um trabalho muito interessante na luta contra o antissemitismo. Foi editora de opinião e literatura no Wall Street Journal. Depois, foi editora de opinião e colunista de política e cultura no New York Times. Hoje, é colunista de política internacional do jornal alemão Die Welt. Ela causou um enorme tremor no mundo do jornalismo político quando pediu demissão do New York Times com uma carta pública em 2020, em que contava sobre a manipulação ideológica e a rendição do jornal aos ataques orquestrados pelo Twitter.
Traduzo alguns trechos e a carta completa você encontra neste link. Os grifos são meus: “Entrei no jornal com gratidão e otimismo há três anos. Fui contratada com o objetivo de trazer vozes que de outra forma não apareceriam em suas páginas: escritores de primeira viagem, centristas, conservadores e outros que naturalmente não pensariam no The Times como sua casa. A razão para esse esforço era clara: o fracasso do jornal em antecipar o resultado da eleição de 2016 significava que ele não tinha uma compreensão firme do país que cobre.
(...)
Mas as lições que deveriam ter se seguido à eleição – lições sobre a importância de compreender os outros americanos, a necessidade de resistir ao tribalismo e a centralidade da livre troca de ideias para uma sociedade democrática – não foram aprendidas. Em vez disso, um novo consenso surgiu na imprensa, mas talvez especialmente neste jornal: que a verdade não é um processo de descoberta coletiva, mas uma ortodoxia já conhecida por alguns poucos iluminados cujo trabalho é informar a todos.
O Twitter não está no cabeçalho do The New York Times. Mas o Twitter se tornou seu editor definitivo. À medida que a ética e os costumes dessa plataforma se tornaram os do jornal, o próprio jornal tornou-se cada vez mais uma espécie de espaço de atuação. As histórias são escolhidas e contadas de forma a satisfazer o público mais restrito, em vez de permitir que um público curioso leia sobre o mundo e tire suas próprias conclusões.
Minhas próprias incursões no pensamento errado me tornaram objeto de constante bullying por parte de colegas que discordam de meus pontos de vista. Eles me chamaram de nazista e racista; Aprendi a ignorar comentários sobre como estou “escrevendo sobre os judeus novamente”. Vários colegas considerados amigáveis comigo foram importunados por colegas de trabalho.
(...)
Alguns colegas de trabalho insistem que preciso ser erradicada se esta empresa quiser ser verdadeiramente “inclusiva”, enquanto outros postam emojis de machado ao lado do meu nome. Ainda outros funcionários do New York Times me difamam publicamente como mentirosa e fanática no Twitter, sem medo de que me assediar seja tratado com a ação apropriada. Nunca é.
(...)
A autocensura se tornou a norma.
As regras que permanecem no The Times são aplicadas com extrema seletividade. Se a ideologia de uma pessoa está de acordo com a nova ortodoxia, ela e seu trabalho permanecem sem escrutínio. Todo mundo vive com medo do trovão digital. O veneno online é desculpado, desde que seja direcionado aos alvos adequados.
(...)
Sempre me consolei com a ideia de que as melhores ideias vencem. Mas as ideias não podem vencer sozinhas. Eles precisam de uma voz. Eles precisam de uma audiência. Acima de tudo, elas devem ser apoiadas por pessoas dispostas a viver por elas.”
Mesmo depois do estrondo causado pela carta pública de demissão, Bari Weiss continuou na mídia mainstream, graças à qualidade de seu trabalho. Não encontrou mais espaço nos Estados Unidos, mas é uma colunista respeitada na Alemanha. Além disso, fundou um projeto independente, The Free Press. É justamente nesse espaço que vão começar a pipocar as reportagens sobre os “Twitter files”.
Os memorandos internos que ela mostra na thread justificam a diminuição de alcance e a limitação de contas como combate à desinformação.
A equipe já obteve muitos arquivos, que está divulgando conforme a apuração avança. A condição para fazer o trabalho foi que ela pudesse divulgar primeiro na plataforma do Twitter – e fez isso.
Em uma longa thread, ela explica uma reportagem que será publicada em breve sobre as “black lists”. Os documentos mostram que empregados do Twitter trabalharam ativamente para impedir que tweets desfavoráveis à sua ideologia viralizassem, limitar ativamente o alcance de alguns perfis e impedir que determinados temas fossem parar nos trending topics – tudo isso sem informar os usuários.
“Nós controlamos bastante a visibilidade. E controlamos bastante a amplificação do seu conteúdo. E as pessoas normais não sabem o quanto fazemos’, disse um engenheiro do Twitter. Dois funcionários adicionais do Twitter confirmaram”, diz Bari Weiss.
(...)
O trabalho de Bari Weiss é um primeiro passo para que possamos compreender as mudanças no debate público e como nos afetam. Levar isso a sério é a única forma de retomar as rédeas do nosso próprio destino.
Madeleine Lacsko, colunista - Gazeta do Povo - VOZES
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