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quinta-feira, 27 de julho de 2023

Micareta comunista - Joyce Maffezzolli

 Revista Oeste

Como a UNE transformou a história do movimento estudantil numa fábrica de picaretagens 

Conselho Nacional de Entidades Gerais da UNE | Foto: Divulgação

Como a UNE transformou a história do movimento estudantil numa fábrica de picaretagens Em 1939, a recém-criada União Nacional dos Estudantes (UNE) elegeu o gaúcho Valdir Ramos Borges seu primeiro presidente, num congresso que alicerçou as bases do movimento estudantil no Brasil. A entidade combateu a ditadura de Getúlio Vargas, cruzou a Segunda Guerra Mundial e protagonizou momentos históricos, como a prisão de 800 pessoas — entre elas José Dirceu, Franklin Martins e Vladimir Palmeira — em uma reunião clandestina na cidade de Ibiúna, no interior de São Paulo, quase três décadas depois.

O último encontro da UNE terminou na semana passada, em Brasília, com um show da cantora Valesca Popozuda no Ginásio Nilson Nelson. Será lembrado nos próximos anos pelo discurso escandaloso do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso “Nós derrotamos o ‘bolsonarismo'” e pelas falas de outra estrela do evento, o ministro Flávio Dino (Justiça), em defesa da censura nas redes sociais para calar adversários. É um retrato do que a UNE, comandada pelo Partido Comunista do Brasil, se tornou.

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Estudantes profissionais
A UNE é uma espécie de legião de estudantes grisalhos: são militantes do PCdoB que migram de um curso para outro, de uma universidade para outra e não concluem nenhuma graduação. Assim, permanecem na diretoria da entidade, sustentada com dinheiro dos alunos. Algumas caras são conhecidas, como a dos deputados Lindbergh Farias (PT-RJ), líder dos “cara-pintadas” pelo impeachment de Fernando Collor, e Orlando Silva (PCdoB-SP), relator do projeto de lei da mordaça na internet. Os dois presidiram a UNE muitos anos atrás.

Fundada oficialmente em 1937, dois anos antes de eleger seu primeiro presidente, a UNE representa, em tese, cerca de 6 milhões de universitários. Eles se organizam nos famosos diretórios acadêmicos (DAs), centros acadêmicos (CAs), diretórios centrais (DCEs), uniões estaduais de estudantes ou executivas nacionais de cursos. Debatem as pautas e reivindicações do movimento estudantil ao redor de uma mesa de sinuca — nos últimos anos, as camisetas com o rosto do guerrilheiro Che Guevara deram lugar a bonés do MST.

Aqui surge a primeira contradição: o próprio estatuto da UNE proíbe vínculos político-partidários. Contudo, desde 1985, a instituição é dominada pela União da Juventude Socialista (UJS), que é financiada pelo caixa do PCdoB. Juntas, UNE e UJS detêm o controle do movimento estudantil. Tornou-se impossível furar essa bolha.

Fábrica de carteirinhas
Para não perder o comando da entidade que sustenta os estudantes profissionais, os movimentos de esquerda se articulam para se manter no poder. As denúncias incluem DCE cassado, contas irregulares e eleição fraudulenta.
 
A última confusão envolve Giulia Araujo Castro, estudante de administração pública na Fundação Getulio Vargas (FGV) e de ciências atuariais na Universidade de São Paulo (USP). Ela é integrante do grupo Juventude Para Todos, do PT. Giulia foi acusada de fraudar o processo de seleção dos delegados nas principais faculdades particulares da capital paulista.“Ela inscreveu alunos da Link School of Business (LSB) que nem sabiam que estavam inscritos”, diz Letícia Perfeito, estudante de economia no Insper e diretora nacional da União Juventude e Liberdade (UJL), único grupo que não é de esquerda. A UJL foi criada como oposição ao monopólio que se perpetua no poder da UNE desde a criação. No Congresso da UNE, na semana passada, cem representantes da UJL foram agredidos e impedidos de participar do evento com a participação de Lula, por 9,5 mil pessoas da esquerda.

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Patrick não respondeu à reportagem | Foto: Reprodução

 
Caso de polícia
O uso indevido dos recursos dos estudantes se repete em outros Estados. Em Minas Gerais, a gestão do DCE da Pontifícia Universidade Católica (PUC) foi cassada. Em 31 de maio, o Conselho de Diretórios Acadêmicos e Centros Acadêmicos da PUC reprovou a prestação de contas do diretório. O relatório da auditoria apontou 15 irregularidades, entre elas: omissão do valor de R$ 40 mil, referente ao patrocínio da empresa Estrela Bet, realizado sem consulta à mesa; omissão da lista de estudantes beneficiados com viagem à Bienal; omissão de gastos e recebimentos, inclusive omissão dos gastos relativos ao empréstimo de R$ 12 mil do Diretório Acadêmico de Odontologia.

Mesmo com a gestão destituída, a diretoria do DCE continua ativa.

A estudante de economia da PUC Minas Sarah Marques afirma que os alunos pediram a divulgação de balancete e demais comprovações contábeis, mas nada foi fornecido. “O cenário do movimento estudantil é muito nebuloso quanto à transparência, enquanto a aprovação de contas está prevista no estatuto do DCE”, diz.

Alguns comprovantes de pagamentos feitos pelo DCE vazaram. Havia uma transferência de R$ 4 mil para a estudante de direito e presidente da UJS mineira, Luanna Ramalho, além do pagamento da mensalidade do seu próprio curso. “A própria Luanna pediu para a gente apagar o link, divulgando o relatório do Centro Acadêmico, mas não apagamos”, diz Sarah. “Ela disse que estava sofrendo com ansiedade e que tudo foi tirado do contexto. Como se tivesse contexto uma mensalidade paga pelo Diretório Acadêmico.”Mensalidade da presidente da UJS de Minas foi paga com dinheiro do DCE | Foto: Reprodução

O presidente da gestão, Gabriel Luna, disse que houve um engano e que o valor se refere a um contrato de aluguel de máquina de algodão-doce. Outro caso de polícia foi uma fatura de motel debitada da conta do Diretório Acadêmico

 

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Conta de motel paga com dinheiro dos estudantes | Foto: Reprodução

Procurado, Gabriel Luna não quis dar entrevista à reportagem, pediu a lista dos nomes dos alunos que questionaram as contas do DCE e finalizou: “São movimentações meramente políticas e de interesse pessoal”.

 O ‘cara-pintada’ que se filiou ao PT
Na biografia de Lindbergh Farias na página da Câmara dos Deputados, o campo sobre sua profissão ainda diz “estudante; escolaridade: superior incompleto”. Na Wikipédia, ele aparece como ex-líder estudantil e político.

De fato, foi assim que o país conheceu Lindbergh Farias. Ele frequentou aulas de medicina e direito, mas nunca concluiu uma graduação.

Em 1992, como presidente da União Nacional dos Estudantes, ganhou destaque como líder dos “caras-pintadas”, movimento pelo impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. Também foi presidente nacional da União da Juventude Socialista (UJS), braço do PCdoB nas universidades. Tomou gosto pela política, ficou famoso na militância de esquerda e virou político — inclusive, aliou-se a Collor décadas depois. Hoje namorado da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, ele entrou para a carreira política em 1994.

Em 1995, um ano depois de assumir o primeiro mandato, Lindbergh trocou o PCdoB pelo PSTU. Em 1997, em nota intitulada “Triste fim de Lindbergh Farias”, a Direção-Executiva Nacional da UJS comunicou a sua expulsão. Desde 2001, é filiado ao Partido dos Trabalhadores.

Foi deputado federal por três mandatos. Também foi eleito e reeleito prefeito de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e vereador na cidade do Rio de Janeiro. Em 2010, elegeu-se senador. Biografia de Lindbergh Farias na página da Câmara dos Deputados | Foto: Reprodução

 
Ministro da tapioca
Outro que fez escola na UNE para chegar a Brasília, passou pelo menos oito anos na faculdade, mas não concluiu nenhuma graduação é o deputado federal Orlando Silva. Está na Câmara dos Deputados desde 2014. Antes, foi ministro do Esporte, cargo em que ficou conhecido por comprar tapioca com o cartão corporativo do governo.Biografia de Orlando Silva na página da Câmara dos Deputados | Foto: Reprodução

Orlando Silva ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Católica do Salvador, em 1989. No ano seguinte, começou a participar de movimentos estudantis e virou frequentador de centros acadêmicos e diretórios centrais, até chegar à presidência da UNE, em 1995. A eleição do primeiro negro para o cargo também marcou o início da hegemonia do PCdoB no movimento estudantil.

Em 2016, Orlando Silva foi um dos articuladores que levaram o partido a votar em Rodrigo Maia para a presidência da Câmara. Em troca, Maia engavetou o pedido de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar irregularidades no caixa da UNE.Rodrigo Maia | Foto: Câmara dos Deputados

Naquele ano, o deputado Marco Feliciano (PL-SP) propôs a CPI para investigar a organização que teve as contas reprovadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) quatro vezes. O deputado citou o repasse de R$ 44,6 milhões, uma indenização pela “perseguição sofrida durante o regime militar”, paga pela presidente Dilma Rousseff para a construção da sede.

  

Prédio da UNE é destruído durante o governo militar | Foto: Divulgação

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O dinheiro sumiu
A entidade estudantil foi alvo de processo do Tribunal de Contas da União (TCU) por supostamente usar uma parcela dos recursos públicos oriundos de convênios com o Ministério da Cultura para bancar festas, bebidas e contas domésticas. Em um dos casos, segundo o TCU, os representantes da UNE aplicaram de forma indevida parte do R$ 1,5 milhão que deveriam ser empregados na promoção de atividades culturais para comprar uísque, cerveja, vodca, vinho, isotônicos, energéticos, chocolates e produtos de higiene pessoal. Em outra demonstração de mau uso do dinheiro dos pagadores de impostos, eles apresentaram notas fiscais de diárias em hotel do Rio de Janeiro no valor de R$ 5,3 mil.

Indústria de carteirinhas
A última prestação de contas, apresentada em 2019, mostra que quase toda receita vem da emissão de carteirinhas, que assegura aos estudantes o direito à meia-entrada em shows, cinemas e demais eventos culturais, além da metade do preço da passagem no transporte público.

Naquele ano, foram emitidas 273 mil carteiras, com estimativa de renda de R$ 6,2 milhõesuma queda de 56% em relação a 2017, quando o faturamento foi de R$ 14,3 milhões. A redução dos recursos foi em razão da criação da versão digital gratuita, implantada em 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro.

A medida provisória, entretanto, perdeu a validade meses depois porque Rodrigo Maia não pautou o tema na Câmara. Hoje, o custo para a emissão do documento é de R$ 40 e tem validade de um ano.

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Os estudantes profissionais estão em universidades públicas e privadas. A história sempre se repete: Bruna Brelaz, de 28 anos, presidia a UNE até o fim de semana passado. Nas redes sociais, ela se apresenta como filha da Amazônia, primeira mulher negra e do Norte do país a comandar a entidade estudantil. Está há dez anos no ensino superior — começou em pedagogia, passou para economia e agora faz direito. Provavelmente, vai se candidatar a um cargo público nas eleições, antes de conseguir um diploma.

Joyce Maffezzolli,  colunista - Revista Oeste

Leia também “O choramingo canastrão dos arrependidos”

 

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