Rede mobiliza conversas em família e já é objeto de reuniões escolares, onde a ideia é evitar que a garotada vire alvo de marginais
O assunto ganhou tamanha envergadura que motivou uma força-tarefa Brasil afora sob o comando da Polícia Federal em parceria com os estados, e acompanhada pelo Ministério da Justiça. Em 13 de julho, integrantes da pasta se reuniram em Brasília com executivos americanos do Discord, que se comprometeram a tomar medidas práticas. Os representantes da empresa afirmaram, na ocasião, que 65 000 contas brasileiras haviam sido fechadas desde o início do ano por violarem políticas de segurança. A PF tem mantido contato permanente com órgãos dos Estados Unidos que vêm reportando crimes na plataforma, como o FBI, que dissecou o modus operandi das engrenagens criminosas nessa vasta nuvem. A iniciativa já rendeu quinze prisões entre Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo e Santa Catarina. Há uma sabida subnotificação no número de casos, uma vez que a vergonha freia as vítimas. Mesmo assim, em São Paulo, cerca de cinquenta delas relataram ao Ministério Público estadual terem penado no Discord. “Provavelmente, muito mais gente sofreu ali”, afirma o promotor Danilo Pugliesi.
Não há, evidentemente, redes totalmente blindadas, mas os especialistas
Não por acaso, o americano Jack Teixeira, um ex-militar de 21 anos, encontrou no Discord a brecha perfeita para vazar uma batelada de documentos secretos sobre a guerra da Ucrânia pertencentes ao Pentágono, onde trabalhava. A impunidade, felizmente, não durou para sempre: hoje ele está preso. As denúncias, porém, continuam a aparecer. De acordo com o Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas dos Estados Unidos, os crimes no Discord escalaram 474% de 2021 a 2022, abrangendo até sequestro.
O maior de todos os grupos já registrado no Brasil, com 7 000 membros, era conhecido como System X, capitaneado por um tal Pedro da Rocha, o King, de 19 anos. Preso no início do mês no Rio, ele atingiu meninas como A.S., 13 anos, desde os 9 no Discord, onde jogava e papeava. Até hoje visivelmente mexida ao reviver o pesadelo, a garota relata a VEJA que Pedro a abordou dizendo ter um punhado de dados sobre ela e sua família e que, se não o obedecesse, ele os disseminaria. “Não o conhecia, mas, quando a gente começou a conversar, gostei dele”, relembra a vítima, que, como todas, mantém o anonimato. “Não sei como obteve meus dados, tinha até endereço, e disse que divulgaria tudo se não mandasse uma foto nua. Eu tinha medo, então mandava”, diz. E assim ficou atada a um ciclo vicioso — caso se recusasse a abastecer o rapaz com imagens íntimas, as anteriores ganhariam os holofotes.
(...)Para tentar evitar mais casos, o Discord anunciou a criação de uma nova ferramenta justamente para vigiar a navegação dos filhos no detalhe — é possível saber quando e com quem eles interagem. “Temo ser excessiva no controle, mas crianças não estão preparadas para operar on-line de forma irrestrita”, enfatiza a psicóloga carioca Ana Paula Cordeiro, 42 anos, mãe de João, 13, a quem supervisiona nas redes. O debate desembarcou nas escolas, que assistiram à maciça migração para o Discord nos tempos de pandemia, e contam que a adesão só cresce. Em São Paulo, o Porto Seguro, como outros colégios, tocou no vespeiro em reuniões de professores. “Resolvemos entrar em contato com os alunos para investigar se estavam enfrentando problemas no aplicativo”, diz Joice Leite, diretora de tecnologias educacionais. Não detectaram vítimas. No também paulista Dante Alighieri, uma palestra já dada aos pais iluminou o passo a passo para que crianças e adolescentes não mergulhem no sinistro submundo do Discord. “É urgente discutir como tornar a plataforma um lugar seguro para a garotada”, afirma a coordenadora Valdenice de Cerqueira. Não há outra maneira de espantar o perigo que mora na tela ao lado.
Publicado em VEJA, edição nº 2851, de 26 de julho de 2023,
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