Silvio Navarro
Flávio Dino usa a Polícia Federal para perseguir adversários, restringe a posse de armas e prega o desencarceramento em massa. É o avanço do projeto comunista no país
Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Justiça, Flávio Dino, durante lançamento do Programa de Ação na Segurança (PAS), no Palácio do Planalto | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Em abril de 2018, quando o então juiz Sergio Moro determinou a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva pelos crimes descobertos na Operação Lava Jato, o petista refugiou-se na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista.
As imagens do prédio cercado por bandeiras vermelhas inflamaram o país. Naquela semana tensa, Lula conversou com o amigo Flávio Dino, ex-juiz federal e governador do Maranhão.
O comunista deu um conselho que por muito pouco não foi seguido: Lula deveria resistir à prisão e não se entregar à Polícia Federal — recomendou que procurasse uma embaixada.
Cinco anos depois, a história ajuda a explicar o comportamento de guerrilha de Flávio Dino, tratado como o mais poderoso ministro por Lula. Naquela época, Jair Bolsonaro ainda não havia sido eleito e o tal “bolsonarismo” que ele diz combater nem sequer existia.
Mas o maranhense já pregava a ruptura com a lei.
Também serve para compreender o atual aparelhamento ideológico e o uso das forças de segurança pública, especialmente da própria Polícia Federal, contra adversários políticos.
Alguns episódios recentes são alarmantes.
Há 15 dias, a polícia fez uma ação de busca e apreensão na casa de uma família em Santa Bárbara d’Oeste, no interior de São Paulo.
Seus integrantes são investigados por uma suposta agressão verbal — ou até física — contra o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e seu filho, no Aeroporto de Roma.
O caso até agora não foi elucidado.
Mas Dino ofereceu o serviço da Polícia Federal imediatamente — antes até do pedido formal do STF.
Agentes da PF apreenderam, por razão desconhecida, celulares e computadores. Os carros dos envolvidos também foram vasculhados, numa ação sem nenhum amparo legal.
O expediente tem sido utilizado com frequência na gestão Dino. É chamado de fishing expedition (“pesca probatória”), método altamente contestado no meio jurídico. Foi empregado contra o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro: a polícia bateu à sua porta para buscar a carteirinha de vacinação contra a covid-19, por suspeita de fraude, e levou os telefones dele e da ex-primeira-dama, Michelle. Foto: Reprodução O Estado de S. Paulo (19/7/2023)
Outra novidade na Praça dos Três Poderes é a proximidade de Dino com alguns ministros do Supremo. Ele conversa com frequência tanto com Moraes quanto com Luís Roberto Barroso.
Foi o responsável por levar, pela primeira vez desde a década de 1930, um magistrado do STF ao palanque da União Nacional dos Estudantes (UNE). O evento ficou marcado pela confissão de Barroso: “Nós derrotamos o ‘bolsonarismo'”.
A UNE é um dos braços do Partido Comunista do Brasil, sigla que Dino frequentou desde a juventude — só se filiou ao PSB tempos depois, por arranjo estadual. O berço comunista explica a tentativa de transformar a Polícia Federal numa espécie de KGB soviética.
(...)
Essa guinada de extrema esquerda do governo é alvo de críticas até do PT no Congresso Nacional.
Deputados se queixam de ter de defender Dino e seus auxiliares em audiências.
Especialmente na Câmara, o perfil da bancada petista é mais fisiológico, ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT) — ou seja, enquanto eles discutem como conseguir mais cargos na máquina pública e dinheiro de emendas do Orçamento, os aliados de Dino estão presos no confronto ideológico. O ministro da Justiça, Flávio Dino (centro), posa ao lado de foliões, no Carnaval de São Luís (MA, 18/2/2023) | Foto: Reprodução/Instagram
Anti-Lava Jato
A aversão à Operação Lava Jato é uma marca na trajetória do político maranhense. Ele foi o mentor da criação do grupo Prerrogativas, que reuniu 250 advogados para combater a Lava Jato nos tribunais.
O objetivo principal foi alcançado: tirar Lula da prisão em Curitiba. Outros dois membros destacados no grupo eram Augusto de Arruda Botelho, que defendia a Odebrecht, e o petista Wadih Damous. Nomeado ministro, Dino levou os dois para o governo: Botelho é secretário nacional de Justiça, e Damus, do Direito ao Consumidor.
(...)
A última cartada autoritária do governo foi o lançamento de um pacote de medidas para desarmar a população e determinar a prisão de quem participar, financiar ou incentivar “atos antidemocráticos”. Quem leu o texto, intitulado Plano de Ação na Segurança (PAS), deparou-se com uma pergunta sem resposta: quem vai definir o que é um “ato antidemocrático”? Provavelmente, o ministro Alexandre de Moraes, que conduz inquéritos — quatro, talvez seis, porque nem os advogados sabem — sobre o tema.
Se o pacote avançar no Legislativo, pela régua institucional atual, um entrevero como o ocorrido no Aeroporto de Roma contra Moraes — ele foi chamado de “ladrão —, ou se fosse contra Lula, poderia terminar em prisão em regime fechado.
A lista de autoridades que não podem ser hostilizadas no Brasil de Lula e Dino inclui: presidente, vice-presidente, procurador-geral da República, os presidentes da Câmara e do Senado, e os ministros do STF. Seria a criação do “super-foro privilegiado” — num momento em que o Brasil deveria avaliar o fim dessa blindagem.Pacote antidemocrático | Reprodução/PAS “Um cidadão que faz isso, ele não é um ser humano a quem se pode respeitar. É um canalha. Se vale a moda, os ministros não terão mais sossego no Brasil. Qual o direito do cidadão de achar que ele pode xingar, ofender, chamar alguém de ladrão sem nenhuma prova? Toda vez que você entrar no lugar e alguém te provocar, esse alguém é ‘171’ [artigo do Código Penal para estelionatário].”
(Lule, durante live na terça-feira, 25)
Outro ponto que chama a atenção é o item número 4 do pacote, que prevê “apreensão de bens, bloqueio de contas bancárias e ativos financeiros nos casos dos crimes contra o Estado Democrático de Direito”. Não bastasse a tomada de patrimônio e de valores em conta bancária, o texto diz que o juiz pode fazer isso “antes de oferecida a denúncia ou queixa”.
Marielle
A semana terminou com Dino de volta às manchetes. Além de uma entrevista semanal, ao vivo, na GloboNews, ele tem dado entrevistas coletivas com enorme frequência.
Numa delas, colocou-se à frente do anúncio de uma colaboração premiada sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco.
Um dos envolvidos decidiu falar, depois de quatro anos preso, em troca de benefícios — é exatamente o mesmo expediente que ele e o grupo Prerrogativas usou para atacar a Lava Jato.
Mas por que Dino fez o anúncio, e não mais delegados ou o superintendente da Polícia Federal?
No mês passado, ele entrou num embate porque quer agentes da PF como guarda-costas de Lula — a responsabilidade é do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), chefiado por um militar.
Transferiu a emissão de registros de armas — os chamados caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) — do Exército para a PF.
Já abriu investigações contra uma série de adversários políticos, como o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Deltan Dallagnol.
Em dezembro do ano passado, pouco antes da posse, Dino concedeu uma entrevista ao jornal O Globo. Ali já estava tudo explicado. Ele foi direto ao responder sobre a missão dada a ele por Lula a partir de janeiro:— O presidente me orientou: “Flávio, aproxime-se das polícias”.Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino | Foto: Montagem Revista Oeste/Geraldo Magela/Agência Senado/Shutterstock
ÍNTEGRA DA MATÉRIA
Leia também “O golpe do algodão-doce”
Colunista Silvio Navarro, Revista Oeste
Nenhum comentário:
Postar um comentário