Análise Política
Passados quase sete meses de presidência, Luiz Inácio Lula da Silva vai
reconcentrando poder no Executivo com um método paradoxal apenas na
aparência: essa reconcentração se dá sob a aparência de desconcentração.
O presidente aceita a dança e até oferece espaços para colher
fidelidades. E, assim, vai reconstruindo o poder moderador, abolido
formalmente com a República, mas informalmente presente ao longo deste
quase século e meio de republicanismo.
Poder cujo esvaziamento tem estado na base das crises que chacoalharam o
país ao longo da década passada, com a prevalência de elementos
centrífugos sobre os centrípetos.
Do que resultou uma multiplicação de centros de mando com boa autonomia em Brasília.
Jair Messias Bolsonaro conseguiu ter sucesso na sedução do Congresso
Nacional, numa relação custo-benefício até melhor que a de Lula. Pois
bastaram-lhe as emendas parlamentares, enquanto o petista precisa
retroceder para a concessão generosa de cargos que evidentemente
preferiria manter para os seus.
Mas o indivíduo não faz a história apenas com base em desejos, a realização deles está limitada às circunstâncias.
Bolsonaro hipertrofiou as emendas parlamentares e, no final, o lero-lero
em torno de “acabar com o orçamento secreto” não apenas manteve o
caráter “secreto” de parte gorda do orçamento, mas também reduziu o
poder dos presidentes das Casas, ao aumentar consideravelmente o volume
de emendas de execução obrigatória.
Daí o presidente ter de retroagir ao modelo pleno da “velha política”. Nessa operação, Lula leva duas vantagens sobre Bolsonaro.
A primeira: o atual ocupante do Planalto, ao contrário do anterior, não
está em guerra aberta contra as condições objetivas e a correlação de
forças. Vai comendo pelas beiradas ou, como dizia Leonel de Moura
Brizola, costeando o alambrado.
A segunda: o discurso udenista que inferniza a vida dos presidentes
desde José Sarney anda fora de moda. Os atores e condutores tradicionais
desse estilo teatral andam algo recolhidos, por 1) simples simpatia ou
adesão ao novo establishment ou 2) não querer ser acusados de
enfraquecer a democracia e ajudar o golpismo.
Assim, um período que começou como presidencialismo de coalizão com o
Judiciário e em tensão com o Legislativo vai retomando a inércia da Nova
República. E em condições até mais favoráveis ao poder, dada a
crescente tolerância intelectual e social à restrição de certos direitos
e prerrogativas previstos formalmente na Carta que a redemocratização
de 1984-85 produziu.
A estabilidade desse azeitamento do arcabouço institucional costumeiro
da política brasileira depende de o Executivo entregar resultados
perceptíveis ao povão. Lula tem se empenhado em retomar programas de
resultado setorial, o que sempre ajuda, mas é preciso prestar atenção
aos grandes números.
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