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domingo, 8 de janeiro de 2023

E agora, o que fazer? - Percival Puggina

O grande Carlos Drummond de Andrade abre o inesgotável poema “E agora José?” com estes versos que parecem dirigidos a nós:

E agora, José?
A festa acabou
A luz apagou
O povo sumiu
A noite esfriou
E agora, José?
E agora, você?
Você que é sem nome
Que zomba dos outros
Você que faz versos
Que ama, protesta?
E agora, José?

É assim que estamos, no desconsolo dos que se sentem abandonados. Contudo, não. Tenho pensado muito nestes primeiros dias de 2023 sobre a pergunta do poeta. Algumas respostas já tenho.

O PT conta com nossa resignação. Alguns de nós cometem o grave erro de propagar narrativas enganosas que postergam e tornam ainda mais difícil a adoção das atitudes adequadas ao momento político. É urgente restaurar nossas liberdades, o estado de direito e a democracia. É preciso acabar com a censura. Instituir o voto impresso é indispensável à legitimidade dos mandatos.

Prestei muita atenção à fala de Lula quando se reuniu com o polifônico e despreparado primeiro escalão de seu governo. Lula montou um governo tecnicamente frágil porque precisava contar votos no Congresso Nacional. Ele sabe que ali está exposto o tendão de aquiles de seu governo. Então, ele falou em prestigiar, atender, ouvir, agradar, servir água e cafezinho, “mesmo que o parlamentar seja um adversário ideológico”.

Ficou clara a preocupação do malfeitor? Ele tem plena consciência sobre onde residirão suas dificuldades. Ele falou aos que se tornaram ministros como parte de acordos políticos (ou seja, “de vocês, eu espero votos no Congresso”), deixando implícito que se não representarem votos, esses ministros dançam.

Diante desse discurso eu me deparo com o imenso erro cometido por aqueles que por pessimismo habitual ou analogias precipitadas, equiparam o futuro Congresso com o atual. Erro terrível! Tiro no pé!  
O futuro Congresso está no foco das nossas esperanças. 
Ali está a maioria que nós elegemos, ali está a vitória que tivemos. Desconhecê-la, ou fazê-la equivaler a esse pano de chão sujo e inservível que foi a legislatura que findou em 31 de dezembro, é atirar nossos congressistas aos braços de nossos adversários. Rematada tolice!
 
Temos que mostrar a eles o caminho talvez difícil, mas necessário, da volta ao estado de direito, à democracia, às liberdades. Lula afirmou aos seus ministros a obviedade duramente aprendida por Bolsonaro: o governo só fará o que o Congresso deixar. Então é aí que vamos trabalhar no sentido oposto àquele que Lula deseja.

Ao petismo servem os abusos do STF. O petismo vibra com os atos de censura. O petismo se sente protegido com nossa desproteção. E os congressistas que elegemos, a maioria que formamos, deve ser motivada, inflamada a cumprir seu papel com determinação.

Se errarmos, se nos omitirmos, se pensarmos que os girassóis secaram ao sol destes primeiros dias, se desprezarmos aqueles de quem necessitaremos para o jogo da democracia, ficaremos como José do poema de Drummond, com a chave não mão, querendo abrir a porta, mas a porta, por precipitação e incompetência, não mais existirá.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


terça-feira, 1 de novembro de 2022

E agora? - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

Há inspiradoras páginas na história que precisam ser reabertas hoje para que possamos seguir de cabeça erguida diante dessa eleição presidencial, talvez [talvez? alguma dúvida?]a mais suja da história do país 

Cena do filme <i>Dunkirk</i> | Foto: Divulgação

 Cena do filme Dunkirk | Foto: Divulgação
 
E agora seguimos.

Sim, a ressaca moral hoje não está fácil. Mas nós precisamos seguir. Há inspiradoras páginas na história que precisam ser reabertas hoje, 31 de outubro de 2022, para que possamos seguir de cabeça erguida diante dessa eleição presidencial, talvez a mais suja da história do país.

Para mim, em um dia terrivelmente triste que pode nos deixar sem esperanças e sem boas perspectivas para o futuro, acessar nossa assembleia de vozes pode nos ajudar a sair desse transe de não querer acreditar que o país elegeu um ex-presidiário para presidente do Brasil com a ajuda de nossa Suprema Corte.

No final da primavera na Europa de 1940, as potências europeias ainda estavam engajadas no que havia sido apelidado de “Phoney War”, um período de oito meses no início da Segunda Guerra Mundial, durante o qual houve apenas uma operação militar terrestre limitada na Frente Ocidental, quando as tropas francesas invadiram o distrito de Saar, na Alemanha. 
Apesar da invasão da Polônia pela Alemanha em setembro de 1939, a França e a Grã-Bretanha fizeram pouco mais do que reunir tropas do seu lado das linhas defensivas e olhar com raiva para as de Adolf Hitler. Mas em 10 de maio, os alemães lançaram um ataque blitzkrieg à Holanda e à Bélgica; em 15 de maio, eles romperam as defesas francesas e viraram para o Canal da Mancha. Dentro de uma semana, cerca de 400 mil soldados aliados — compreendendo a maior parte das Forças Expedicionárias Britânicas, três exércitos franceses e os remanescentes das tropas belgas — foram cercados na costa norte da França, concentrados perto da cidade costeira de Dunquerque. (Vale a pena assistir a cada segundo do extraordinário Durnkirk, filme de 2017, dirigido pelo inglês Christopher Nolan.)

Em 4 de junho de 1940, conhecido hoje como o dia da sobrevivência para milhares de soldados britânicos, a tripulação do navio Medway Queen estava levando uma carga extraordinariamente grande de suprimentos para sua próxima missão. Walter Lord, autor do inspirador livro O Milagre de Dunquerque, conta que o assistente do cozinheiro chegou a comentar que havia comida suficiente a bordo para alimentar um exército. Mal sabia a tripulação, mas o Medway Queen estava prestes a ser enviado através do Canal da Mancha em uma das missões de resgate mais ousadas da Segunda Guerra Mundial: a Operação Dynamo, mais conhecida como a evacuação de Dunquerque.

Quando a Operação Dynamo começou, no final de 26 de maio, os oficiais britânicos encarregados de organizar a fuga frenética estimaram que apenas 45 mil homens poderiam ser salvos. Mas, nos oito dias seguintes, quando mais de mil navios britânicos — militares e civis — cruzaram o Canal repetidamente para resgatar mais de 330 mil pessoas, enquanto a Royal Air Force lutava contra a Luftwaffe nos céus. Outros 220 mil soldados aliados foram resgatados dos portos franceses de Saint-Malo, Brest, Cherbourg e Saint-Nazaire pelos britânicos.

(...)

A evacuação de Dunquerque inspirou um dos discursos mais dramáticos da história da humanidade. Quando `entrou na Câmara dos Comuns em 4 de junho de 1940, ele tinha muito o que discutir. Os Aliados tinham acabado de realizar o “milagre de Dunquerque”, resgatando cerca de 338 mil soldados de uma situação terrível na França. 
Depois de operações que encurralaram os soldados aliados na costa francesa, os nazistas estavam a poucos dias de entrar em Paris. 
Churchill sabia que precisava preparar seu povo para a possível queda da França. Ele também sabia que tinha de enviar uma mensagem impactante de resiliência diante da aflição da clara derrota, mesmo que momentânea, para todos.
(...)

Sim, hoje é um dia difícil para todos os brasileiros que alertaram e lutaram contra um projeto de poder nefasto que pode engolir o Brasil com a volta de um ladrão, corrupto, descondenado, ex-presidiário e chefe de organização criminosa ao poder. 
 Mas é nas páginas da história que podemos dar o correto senso de proporção de uma ressaca moral que pode receber uma injeção de perspectiva de reação, e o que bravos homens passaram para que pudéssemos estar aqui gozando de plena liberdade, mesmo em tempos perigosos de tirania judiciária no Brasil.

No final da batalha de Dunquerque, 235 navios foram perdidos, com pelo menos 5 mil soldados. Os alemães conseguiram capturar 40 mil soldados. Mas, embora a operação tenha sido uma retirada com pesadas baixas, o resgate de quase meio milhão de soldados de Dunquerque passou a ser uma das vitórias mais importantes e inspiradoras da guerra — e pode muito bem ter mudado seu resultado. Dunquerque — uma derrota histórica foi o começo do fim do Terceiro Reich.

Pelo legado de cidadãos comuns que atravessaram o Canal da Mancha para salvar outros bravos homens, nossa defesa do Brasil começa HOJE – 31 DE OUTUBRO DE 2022.

Pela herança que recebemos de hombridade, coragem e resiliênciae que devemos proteger e passar aos nossos filhos para que façam o mesmo nós não devemos enfraquecer ou fracassar. Iremos até ao fim.

E agora?

Agora lutaremos nos mares e oceanos. Lutamos com confiança e força. Lutaremos nas praias, lutaremos nos terrenos de desembarque, lutamos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas, lutaremos nas escolas, nos jornais, nas redes sociais. Lutaremos no Senado e na Câmara. E nunca, jamais nos renderemos.

Leia também “Uma facada na democracia”

  Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste


quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

E agora, Rodrigo?- O Globo

Ascânio Seleme

O deputado salvou o presidente. O presidente degolou o deputado

O deputado sabe, como você e eu, que Bolsonaro cometeu uns dez crimes de responsabilidade nestes primeiros dois anos de mandato. Um deles poderia ser catalogado como hediondo, por atuar de maneira temerária em relação ao coronavírus. Crime em que agora está reincidindo com o retardamento do início da vacinação contra a Covid-19 por imprudência, inação e birra política. Também atentou contra a democracia ao dar apoio a manifestações públicas que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, inclusive em frente ao principal quartel do Exército. Numa delas, havia cartazes pedindo a prisão de Rodrigo Maia. E o que fez Rodrigo Maia? Nada. [Por favor, não nos deem crédito e antes de qualquer conclusão analisem com isenção, sem ideias previamente acalentadas, as acusações destacadas neste parágrafo e concluam:

- qual conduta do presidente Bolsonaro ao longo da pandemia contribuiu para o aumento de contágios e mortes decorrentes da covid-19? atuar de maneira temerária? em que esse tipo de conduta produziu contágio/morte de uma única pessoa? e com a agravante de hediondo. (a ânsia de acusar o presidente Bolsonaro é tamanha que até o ministro Gilmar Mendes chegou ao cúmulo de cogitar ter o Exército Brasileiro cometido genocídio. Desistiu, devido ter constatado que para a acusação prosperar,  faltava um detalhe: a genocídio ter sido praticado.)

Alguns noticiosos estão divulgando que países mais pobres do que o Brasil estão mais preparados para iniciar a vacinação contra covid-19 e atribuem culpa ao presidente Bolsonaro.                                                                  Não esqueçam que no Brasil vacinação, ainda que os preparativos, foram judicializados e com isso a margem de manobra do Ministério da Saúde diminuiu - os ventos sopravam dando prioridade a compra da vacina chinesa - que ainda está em testes - reduzindo o espaço para o Brasil optar por outra marca. Aliás, o espaço do governo federal para adoção das medidas contra o coronavírus está limitado desde abril passado, quando o Supremo deu o protagonismo das ações aos estados e municípios - ficando o Governo Federal à reboque.

Acusar o presidente Bolsonaro de atentar contra a democracia, por suposto apoio a manifestações públicas que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional, com a 'agravante' dos atos 'apoiados' ocorrerem  em frente ao principal quartel do Exército.                             Acusação sem sentido. O presidente apenas permaneceu alguns minutos em um local, sob administração militar,  em que alguns apoiadores  protestavam  e só. O presidente se retirou e o ato foi considerado normal, sem prejuízo da ordem pública,  tanto que antes da chegada do presidente e após sua saída, nenhuma medida foi adotada pela segurança do Forte Apache.

Chega a ofender até o discernimento da Força Terrestre  cogitar de que uma manifestação na sede do seu Quartel General teria o dom de provocar um 'golpe de estado'. Golpes de estado, quando ocorrem, são preparados na calada.
Após este tedioso comentário,  por favor, apontem onde ocorreram crimes e quais foram? ]

Cabe exclusivamente ao presidente da Câmara dar início a um processo de impeachment. Embora ninguém pudesse exigir que desse andamento ao pedido de afastamento do presidente, o deputado ignorou sua atribuição constitucional. De maneira informal, repetiu a quem quisesse ouvir que não encaminharia o processo porque não daria em nada, já que não seriam alcançados os votos necessários para afastar Bolsonaro. Ora, deputado, convenhamos. Então, dane-se a Constituição? O presidente comete inúmeros crimes, e não se abre um processo porque faltam votos para ao final puni-lo?[o objetivo da abertura do processo seria punir o presidente, faltando votos para tanto, o resultado seria mais uma prova da inocência do presidente  Bolsonaro - até com essa suposta omissão o deputado Maia ajudou os inimigos do Brasil = inimigos do presidente.]

Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Estados Unidos, abriu um processo de impeachment contra Donald Trump, mesmo tendo absoluta certeza de que ele não seria aprovado no Senado americano, que tinha maioria republicana. Corajosa, resoluta e politicamente responsável, cumpriu seu dever constitucional dando encaminhamento ao impeachment, que de fato acabou sendo barrado. Rodrigo Maia, não. Tratou de se preservar, talvez imaginando que, ao poupar Bolsonaro, não teria sua oposição quando chegasse a hora da eleição da Mesa da Câmara. Nancy Pelosi não perdeu um grama sequer de seu prestígio. Rodrigo Maia perdeu. Muito.

O deputado passou dois anos tratando de ficar bem com todos, inclusive com o Planalto. Embora vez por outra demonstrasse irritação com os arroubos do presidente e dos seus três zeros, jamais se distanciou de Bolsonaro. Só percebeu que estava tratando com um inimigo perigoso agora, quando o PTB bolsonarista arguiu a constitucionalidade da sua reeleição. Rodrigo ainda acreditou que o tribunal haveria de ver nele uma barreira contra a escalada autoritária de Bolsonaro, autorizando sua recondução. Não viu. E por que veria, se ele nada fez quando efetivamente pôde impedir o presidente?

Bolsonaro livrou-se de Rodrigo Maia. Descartou-o como se descarta uma garrafa vazia. O presidente queria e precisava livrar-se dele porque também só pensa na sua própria reeleição. O deputado seria uma sombra incômoda. Melhor ter um aliado incondicional no cargo, mesmo que seja um corrupto notório. Bolsonaro, que trabalha a favor de um segundo mandato desde que assumiu o governo, poderia ter sido afastado do primeiro, não fosse a inércia de Rodrigo Maia. O deputado salvou o presidente. O presidente degolou o deputado.

Rodrigo agora desce para a planície, volta ao chão do plenário que não pisa há cinco anos. Será, mesmo assim, um deputado influente, [com a fantástica votação de 74.000 votos] líder de um partido que se reinventou e que fez uma boa eleição municipal. Mas, no futuro, ainda terá de lidar com uma tarefa complicada, de explicar para a história por que não cumpriu a missão que a ele estava reservada.

 Ascânio Seleme, jornalista - O Globo