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segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

A segunda década do século - Fernando Gabeira

Em Blog
 
No passado houve um humorista chamado Don Rossé Cavaca, que escreveu algo mais ou menos assim: acorda que já é 1962 e você precisa trabalhar.  Num país em que os integralistas que atacavam o Barão de Itararé, seus filhotes queimam o Porta dos Fundos, o passado congelou. Talvez fosse necessário reescrever a frase de Cavaca: acorda que já é o século XXI e você precisa trabalhar. E é a segunda década, que já começa perigosa com os incidentes em Bagdá.

Vivemos um sono tão longo. Só agora foi aprovado um marco para o saneamento básico. E a esquerda ainda resistiu. Os manuais dizem que o saneamento é tarefa do governo, mas ao longo de todo esse tempo, ele se mostrou incapaz. Que se danem os manuais. A esquerda poderia, pelo menos, chegar ao pragmatismo dos chineses no século passado: não importa se o gato é preto ou branco… Na educação, o ministro é monarquista, insulta as pessoas na rede e ainda aparece de guarda-chuva imitando Gene Kelly em “Cantando na chuva”.  Isso é um detalhe. Muita gente o acha incompetente. Bolsonaro e seus meninos, não. Por que não chegar a um acordo numa área tão decisiva?

É possível dizer: é assim mesmo, uns gostam, outros não, e bola pra frente. Acontece que em outra área decisiva, a infraestrutura, foi encontrado um denominador comum: o ministro é amplamente aceito. Por que não tentar o mesmo na educação, que todos concordam ser o tema essencial para o futuro do país? A cultura brasileira, então, é um campo desolador porque se transformou numa trincheira de guerra ideológica. Tanto esquerda como direita parecem entender a cultura como uma extensão do discurso político. Esse modo de ver reduz a cultura a uma propaganda. [a direita pelo menos busca uma cultura que não destrua valores tão caros como a FAMÍLIA,a RELIGIÃO; já a esquerda quer o apequenamento da cultura, usando-a como veículo para a imoralidade, a pouca vergonha, o desrespeito às famílias, aos valores religiosos.]

A política roubou o estatuto autônomo da arte. Isso é terrível porque as pessoas comuns passam a vê-la assim também: como um departamento auxiliar da corrente no poder. Governos não deveriam financiar propaganda mascarada de arte. Isso deforma a própria produção nacional, obrigando-a a se ajustar aos desígnios do poder. Esta semana, vi uma biografia de Rodin, o grande escultor francês. Nela, ficou claro que uma encomenda do governo impulsionou a sua carreira. Na Alemanha, durante algum tempo o governo financiou a dança de Pina Bausch. Pode-se contestar: vale a pena investir numa arte tão refinada e distante das grandes massas?

Nesses casos, entra em cena a projeção nacional, o chamado soft power. Na juventude, tive a chance de ver o Modern Jazz Quartet, financiado pelo governo americano para se apresentar em alguns países do mundo. Todos de terno escuro, gravata. Tanto no caso de Rodin como no de Bausch e do Quartet, não entra em cena essa gritaria entre esquerda e direita: são manifestações da arte nacional com seu estatuto próprio. Às vezes existe até um entendimento prévio entre governo e artista. Foi o que aconteceu durante a Grande Depressão nos EUA. O governo financiou uma viagem de James Agee, na época um talentoso romancista, e o fotógrafo Walker Evans. Eles saíram pelo interior falando com gente simples e produziram um livro intitulado “Vamos elogiar as pessoas comuns”. Creio que o objetivo ali era levantar moral, preparar o país para superar um áspero momento.  Ao aceitar a ideia de que a arte serve aos governos de direita ou de esquerda, de acordo com a maré, simplesmente estamos condenando a arte brasileira à sua morte simbólica. Enquanto perdurar esse clima, o ideal é produzir ignorando o governo. No fundo, alguns governos são inimigos da arte. Ou pura e simplesmente se colocam contra ela, ou a entopem de dinheiro para ganhar apoio incondicional, que é uma outra forma de negá-la.

Eles acham que o país será lembrado no futuro e conhecido no exterior pelos seus generais, seus líderes carismáticos. O que fortalece a Europa diante dos olhos do mundo, inclusive aqueles que foram explorados por ela, é sua arte.  Na Copa do Mundo acentuei a importância dos escritores, sobretudo os do século XIX , na imagem que os russos queriam mostrar aos estrangeiros. Até escritores que foram massacrados pelo regime, como Anna Akhmatova, ganharam seu museu. Esquerda e direita passam se engalfinhando, mas a arte fica. Claro que ela não vive numa torre de marfim, nem ignora os dramas de sua época. Mas não é marionete de partidos.

 Fernando Gabeira, jornalista - Blog do Gabeira

Artigo publicado no jornal O Globo em 06/01/2020


sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Queiroz, do câncer ao ‘capital político’-- Valor Econômico

Cristian Klein


Tempo do Judiciário é o tempo da política e o do dinheiro


No início do ano, quem se preocupava com as condições de saúde do enfermo Fabrício Queiroz, internado para tratamento de um câncer no cólon, pôde respirar aliviado. Amigo de Jair Bolsonaro, o ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, aparecia num vídeo, esbanjando felicidade. No quarto do hospital Albert Einstein, em São Paulo, Queiroz dançava na noite de réveillon, enquanto a doença era usada como justificativa para faltar a seguidos depoimentos ao Ministério Público do Rio. Para o MP fluminense, o ex-policial militar é suspeito de ser o operador de um esquema de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa, liderado pelo primogênito de Bolsonaro. [o espantoso é o deboche com que tratam o portador de uma das piores doenças - Queiroz às vésperas de realizar uma cirurgia de elevado risco (seja  durante o procedimento, seja posteriormente, visto existir a possibilidade da cirurgia não ser exitosa) optou por realizar uma despedida restrita a familiares e que foi gravada por um celular. 
Procedimento absolutamente normal e que buscava registrar, se necessário, o que poderia horas depois ser imagens de uma despedida.
Queiroz não utilizou a enfermidade como pretexto para fugir do depoimento ao MP - prestou por escrito e na forma da lei.
Qualquer pessoa, até um petista, sabe que se Queiroz estivesse mentindo o MP não vacilaria em espetaculizar sua prisão.]



Seis meses depois - como o ministro da Educação Abraham Weintraub faria em maio, numa paródia patética de Gene Kelly em “Dançando na chuva” - Queiroz voltou a sapatear na frente dos brasileiros. Revelado agora por “O Globo”, o áudio em que o ex-assessor parlamentar trata de cargos no Congresso Nacional mostra como o esquema de rachadinha atribuído ao clã Bolsonaro continuaria a pleno vapor. Da Assembleia Legislativa do Rio se expandiu para Brasília. Extrair renda de salários de assessores parlamentares é uma das especialidades da política nacional. Mas a prática no entorno do presidente adquire contornos de compulsão.



“Tem mais de 500 cargos lá, cara, na Câmara e no Senado. Pode indicar para qualquer comissão ou, alguma coisa, sem vincular a eles [família Bolsonaro] em nada, em nada”, diz o interlocutor, apontado como Fabrício Queiroz. A mensagem de voz continua: “Vinte continho aí para gente caía bem para c***, meu irmão, entendeu? Não precisa vincular ao nome. Só chegar lá e, pô cara, o gabinete do Flávio faz fila de deputados e senadores, pessoal para conversar com ele, faz fila”.



Desde o estouro do escândalo das rachadinhas na Assembleia Legislativa fluminense, em dezembro, Bolsonaro e Flávio se dizem distantes do ex-assessor, mas o áudio indica que o filho Zero Um do presidente permanece com Queiroz em sua órbita. Pode ser por lealdade - qualidade que não é muito cara aos bolsonaristas, como mostra a máquina de fritar aliados e a recente crise no PSL. Pode ser por precaução. Se a sabedoria diz ser importante manter os amigos por perto e os inimigos ainda mais próximos, o que dirá do ex-motorista que se tornou um arquivo vivo, conhecedor do lado obscuro da família Bolsonaro e do contato com milicianos?



Pode ser ainda que Queiroz esteja nas imediações e se movimente de maneira não totalmente controlável ao clã. Afinal, a divulgação do áudio suscitou discursos não alinhados. De Pequim, Bolsonaro afirmou que “o Queiroz cuida da vida dele, eu cuido da minha”. Flávio disse não ter mais contato com o ex-assessor “há quase um ano”. Em nota, porém, Fabrício Queiroz, além de não negar a autenticidade da mensagem, se apresenta como alguém ainda presente e influente, a ponto de poder fazer a “indicação de eventuais assessores” parlamentares em Brasília. E “vê com naturalidade o fato dele ser uma pessoa que ainda detenha algum capital político, uma vez que nunca cometeu qualquer crime, tendo contribuído de forma significativa na campanha de diversos políticos no Estado do Rio de Janeiro”.



Ou seja, Queiroz arroga ter um “capital político” embora a noção raramente seja associada à figura de um mero assessor. Pode dizer isso porque talvez não tenha sido, de fato, um “mero” funcionário, lotado no gabinete de Flávio. Sabe que sua presença é radioativa e busca algo em troca da discrição restrita aos bastidores. Uma discrição, aliás, que escapa até do alcance da lei. O único depoimento de Queiroz obtido pelo MP foi por escrito e nunca mais os promotores lhe importunaram. Chega a ser assombroso que, em tempos de Operação Lava-Jato e tanto furor anticorrupção, a elucidação do esquema das rachadinhas (peculato) - que envolve ainda a suspeita de lavagem de dinheiro por meio de transações no setor imobiliário - passe incólume aos olhos da Justiça e da opinião pública, privada de melhor juízo a respeito dos que a governam.



O caso está congelado desde que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, atendeu em julho ao pedido da defesa de Flávio e suspendeu - com repercussão em processos do país inteiro - as investigações que utilizam dados, sem autorização judicial, fornecidos pela Receita Federal ou pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras, cujos relatórios apontaram movimentação atípica na conta bancária de Queiroz. Coaf virou uma sigla tão maldita para Bolsonaro que o presidente decidiu trocar o órgão de nome para Unidade de Inteligência Financeira (UIF).



O rumo dessas investigações será decidido pelo plenário do Supremo, em novembro. Mas a extrema boa vontade da Corte - ou, particularmente, do suposto acordão cerzido por Dias Toffoli - com o clã Bolsonaro é de tipo semelhante ao que se atribui à condescendência do STF em relação à possibilidade de soltura do ex-presidente Lula, José Dirceu e outros presos da Lava-Jato.



O assunto é intrincado e tem várias nuances. Mas pode ser resumido em poucas palavras: o tempo do Judiciário é o tempo da política ou o do dinheiro. No julgamento suspenso ontem no STF, cujos votos indicam formação de maioria contrária à prisão em segunda instância, ficou cristalino o clima favorável ao que, politicamente, há dois anos era insustentável. Depois de preso, Lula já pode ser solto. O Supremo, de poder contramajoritário que é, responde às maiorias de ocasião. O tempo do dinheiro é o tempo das bancas de advogados bem pagas e da longa duração dos recursos que favorecem a impunidade. As ilusões só não desvanecem pela hipocrisia. A sanha anticorrupção do ex-xerife Sérgio Moro não é a mesma quando denúncias ameaçam o chefe. A audácia de ontem, alegadamente em defesa de uma causa, transforma-se hoje na medida obediência ao senhor do Planalto. Nenhum pio sobre Queiroz, nada a comentar sobre o ministro do Turismo e o laranjal do PSL. Na indignação seletiva e autoritária da militância bolsonarista e lavajatista, tudo se resume a manter Lula preso, nem que seja por um golpe de Estado. Quanto a Queiroz, Flávio e o pai, podem seguir sapateando em todas as instâncias e circunstâncias.

Cristian Klein, jornalista e cientista político - Valor Econômico - Política



segunda-feira, 3 de junho de 2019

“Já era mas continua sendo” e outras notas de Carlos Brickmann

É desejável que os presidentes dos três Poderes tenham relacionamento harmonioso. Mas confraternizar ultrapassa os limites




O problema do noticiário político do Brasil é um só: os analistas, tanto da Universidade como da imprensa, insistem em levar as notícias a sério. Não dá. É como criticar uma piada porque peixe não fala. Na piada, fala, sim.
Neste momento, Bolsonaro e o presidente do Supremo, Dias Toffoli, estão em lua de mel. Toffoli participou do pacto de Bolsonaro com Rodrigo Maia “para destravar o Brasil”. Maia, que é do ramo, sabe que esse tal pacto não é para levar a sério. Mas Toffoli está animado. Depois do café da manhã com Bolsonaro e Maia, ficou novamente ao lado do presidente, que recebia deputadas e senadoras. Ouviu impassível quando Bolsonaro, depois de elogiá-lo (“uma pessoa excepcional”), disse: “É muito bom termos a Justiça ao nosso lado”. E completou fazendo com as mãos uma imitação de coração.

Tudo muito bom, tudo muito bem, mas acontece que, mais cedo ou mais tarde, alguma medida de Bolsonaro “para destravar o Brasil irá chegar ao Supremo. Como Toffoli poderá participar do julgamento, ele que é “a Justiça ao lado” de Bolsonaro? E, caso se declare impedido, tudo o que o presidente fez para atraí-lo não terá tido nenhum resultado. Muito esforço para nada.  É desejável, inclusive nos temos da Constituição, que os presidentes dos três Poderes tenham relacionamento harmonioso. Mas confraternizar ultrapassa os limites do relacionamento desejável. Pode caber ao Supremo o julgamento de Flávio, o filho 01. Amizade, vá lá. Amizade colorida, não dá.

Não é, mas continua sendo
Outra novela curiosa é o tal fim do Centrão. Depois que o Centrão foi até alvo de manifestantes que apoiam o Governo, ninguém mais é do bloco. Os principais dirigentes do partido, inclusive o presidente ACM Neto, sustentam que Centrão era o grupo de políticos que girava em torno de Eduardo Cunha. Rodrigo Maia? Imagine! A eleição de Rodrigo Maia eliminou os últimos vestígios do Centrão. Aliás, o PR também não é Centrão. Mudou de nome e hoje é PL. O cacique é o mesmo, Valdemar Costa Neto. Mas são personagens diferentes. O Valdemar do PR talvez fosse Centrão, o do PL não é. Simples.

O morto-vivo
Aliás, o extinto Centrão, embora já não exista mais, continua operando como se existisse. Coisas de nossa estranha vida política, se levada a sério.

Bico longo, penas coloridas
O governador de São Paulo, João Dória Jr., acaba de assumir o controle do PSDB. Seu candidato, o deputado pernambucano Bruno Araújo, se elegeu presidente do partido. Toda a análise política é sobre o “novo PSDB”, que Dória “vai levar para a direita, abandonando a tradicional postura tucana de centro-esquerda”. Pois é. Mas, tirando o afastamento da antiga geração, toda com mais de 70 anos, do comando partidário, não há mudança. Dória surgiu na política há 40 anos, na campanha de Franco Montoro para o Senado. Foi um dos marqueteiros na eleição de Montoro para o Governo. Com Mário Covas como prefeito nomeado, dirigiu a Paulistur. Foi indicado por Fernando Henrique para dirigir a Embratur. Quem o lançou candidato a prefeito foi Alckmin. Seu vice era Bruno Covas, aliado até hoje, o neto de Mário Covas. É tucano de ponta a ponta. Não muda nada. PSDB é PSDB, para o bem ou para o mal. O que muda é a formação: Dória é melhor empresário que a média tucana, e tem menos diplomas universitários. Quem diz que ele é recém-chegado ao partido não pode ser levado a sério.

Em nome de Deus
Já a frase de Bolsonaro diante de fiéis da Assembleia de Deus tem de ser levada a sério: ele perguntou ao público se já não estava na hora de haver um ministro evangélico no STF. A Constituição fala em notável saber jurídico e ilibada reputação. Não se refere em nenhum momento à filiação religiosa de Suas Excelências. Nem para favorecer, nem para prejudicar. Se alguém tiver ilibada reputação e notável saber jurídico, suas convicções religiosas não importam. Mas, se quiser, Bolsonaro pode nomear um jurista evangélico para o STF. Basta desistir da nomeação de Moro em favor de um evangélico de notável saber jurídico e ilibada reputação (e que, aliás, não permitiria que a religião influenciasse seus votos – mesmo no caso que interessa ao presidente, contrário a tornar a homofobia um crime). Ou convença Sérgio Moro a adotar a vertente evangélica do cristianismo, e então nomeá-lo. Fora isso, estará só fazendo demagogia para buscar mais apoio dos evangélicos.

O original era melhor
E é difícil levar a sério a política quando o ministro da Educação aparece num vídeo simulando uma cena de Cantando na Chuva, o clássico musical lançado em 1952. Qual a mensagem que Sua Excelência queria transmitir? Não importa: qualquer que fosse, a cena da dança na chuva protagonizada por um ministro a abafaria. Para este colunista, que acha importante manter a liturgia do cargo, a única conclusão a que se pode chegar é que a dança original, com Gene Kelly, foi muito melhor que a do ministro.


Publicado na Coluna de Carlos Brickmann

Blog do Augusto Nunes