A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade
Lima, trabalha de olho no calendário e nos números de produção. Sabe que
a saúde e a economia dependem da capacidade de fornecimento de vacinas.
Até sexta-feira o instituto deve entrar com o pedido emergencial de uso
da vacina da Oxford-AstraZeneca. Até o dia 17, devem chegar as duas
milhões de doses importadas da Índia. Em fevereiro, a Fiocruz entrega ao
governo 10 milhões de doses e, em março, outras 15 milhões. Ao todo, o
instituto vai produzir 100 milhões de doses. O país começará, com a
vacinação, a entrar em outra fase. “O momento atual é de muita dor,
muita desinformação”, lamenta.
Nísia conta que o espaçamento de doze semanas entre as duas
aplicações foi, no caso da vacina da AstraZeneca, conclusão de pesquisa
clínica. Com a primeira dose, a imunidade já é de 70%. - Uma coisa a nosso favor é esse intervalo de 12 semanas, porque, se
essa estratégia for adotada pelo Plano Nacional de Imunização, permitirá
que mais pessoas sejam imunizadas — diz Nísia Trindade.
Ela participou na segunda-feira de reunião com a Anvisa, para saber
de todos os documentos que faltam para o pedido de autorização
emergencial. São documentos que devem vir da Índia, onde são fabricadas
as vacinas compradas prontas. Ela não tem dúvidas de que o Instituto
Serum vai respeitar o contrato feito e mandar as doses: — Nós nem somos compradores de vacinas, somos produtores, mas neste
momento de dor do país achamos bom fechar esse contrato. Ele deve servir
para imunizar o pessoal da saúde, que está na frente de combate ao
vírus.
A Fiocruz receberá as doses prontas da Índia. Depois passará a
produzir com o Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), importado da China.
O IFA é o núcleo da vacina. A AstraZeneca produz globalmente, mas o
lote que fornecerá ao Brasil está sendo produzido na China. No segundo
semestre a Fiocruz, graças à transferência de tecnologia, passará a
produzir tudo aqui de forma independente: — A partir de agosto teremos autonomia de produção. A tecnologia da
Oxford AstraZeneca é muito adequada para nós, porque será a primeira
vacina do mundo a usar a tecnologia do vetor viral, do adenovírus. A
tecnologia tradicional usa o vírus atenuado ou inativado. Essa usa o
adenovírus que carrega parte da proteína do coronavírus. O organismo
reconhece e produz anticorpos e células imunes. É um duplo mecanismo. A
Oxford estava trabalhando nessa plataforma para o ebola e outros
coronavírus. A tecnologia vai ser útil para outras vacinas.
A Fiocruz, já em abril do ano passado, saiu prospectando
fornecedores. O que Nísia explica é que a produção é global, mas muito
concentrada, por isso é fundamental que o Brasil invista em ciência e
tecnologia. — É importante entender o fator econômico da vacina. E o geopolítico.
Temos que nos preparar para o enfrentamento agora e no futuro
investindo no desenvolvimento científico nacional. Está havendo
desabastecimento até nos países desenvolvidos. No Brasil, os
laboratórios que têm condições de suprir nossas necessidades são a
Fiocruz e o Butantan.
Há grupos no Brasil pesquisando vacina para Covid. Não estão na fase
de testes clínicos. A coordenação da Fiocruz em Minas Gerais está
trabalhando com a UFMG. Há dois outros grupos de pesquisa na
Bio-Manguinhos, um deles estudando a tecnologia do RNA mensageiro da Bio-Manguinhos, Existe outro núcleo na USP. — Alguém pode achar que isso não faz sentido porque já existem
vacinas. Mas é fundamental acompanhar os aperfeiçoamentos — disse Nísia.
Se no mundo da política existe divisão entre as vacinas, na ciência,
existe cooperação. A Fiocruz está participando dos testes clínicos da
fase 3 da vacina da Janssen e também da Coronavac, do Butantan, no
núcleo de pesquisas de Niterói.
A presidente da Fiocruz disse que a produção num primeiro momento
poderá imunizar os grupos mais vulneráveis que são 80 milhões de
brasileiros. Explica que crianças, adolescentes e grávidas não poderão,
por enquanto, ser imunizados com essa vacina da Fiocruz porque não foram
feitos testes nesses grupos. Ela acha que o melhor é que a vacinação
tenha coordenação federal e que os brasileiros tenham acesso à vacina
pelo SUS.
Míriam Leitão, jornalista - O Globo - Com Alvaro Gribel, de São Paulo