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terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Na janelinha - Merval Pereira

O Globo

Mal chegou ao STF, ministro Nunes Marques 'já quer sentar na janelinha'

Nos Estados Unidos, um “Júnior justice” da Suprema Corte - ministro novato - tem, por tradição, a tarefa de fechar a porta da sala de reuniões depois que o último ministro chega. Uma demonstração de humildade diante dos mais antigos. Há até mesmo filmes que mostram essa cena, com o presidente da Corte advertindo um novato: “Você esqueceu de fechar a porta. É a tradição”. [aproveitamos o gancho e citamos uma outra tradição da Suprema Corte dos Estados Unidos, ao nosso ver, até mais importante do que a citada: os ministros da  Corte Suprema norte americana, cultivam o hábito de não legislar - interpretam a Constituição, sem adaptar a interpretação aos interesses do momento = hábito que deveria ser seguido pelo STF, a começar  pelo ministro Nunes Marques.]

Aqui, nosso ministro junior Nunes Marques mal chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e, como diria o sábio popular senador Romário, “já está querendo sentar na janelinha”. Em sua primeira atuação, ele deu aquele voto pseudamente salomônico que aprovou a reeleição de seu amigo senador David Alcolumbre, e proibiu o deputado Rodrigo Maia, inimigo do Planalto, de fazer o mesmo. [o voto aqui criticado só ocorre devido o RISTF apresentar uma falha absurda: não proíbe que decisões adotadas pelo plenário do STF possam ser alteradas por decisão monocrática = deveria constar claramente o óbvio: decisões colegiadas não devem, não podem, ser alteradas pela suprema vontade de um ministro.

Quanto ao alegado favorecimento do senador Alcolumbre, Nunes Marques optou por um gesto de solidariedade aos seus colegas alvo de pedidos de impeachment que estão na gaveta do ainda presidente do Senado - evitando criar eventual má vontade por parte do senador. Sem esquecer que o ex-primeiro-ministro Maia já tentava a REreeleição, o senador tentava apenas a reeleição.]

Sua decisão monocrática de reduzir o prazo de inelegibilidade dos atingidos pela Lei de Ficha Limpa, fazendo com que ele seja descontado da pena cumprida, está causando séria perturbação dos tribunais eleitorais pelo país, e alimentando a percepção de que o novo ministro, nomeado ao acaso pelo presidente Bolsonaro, cumpre mais uma etapa do plano governamental de desmontar o aparato jurídico de combate à corrupção nos meios políticos, depois da aliança com o Centrão.

A atitude do ministro Nunes Marques foi tomada um dia antes do recesso do Judiciário, e em pleno período eleitoral. Isso quer dizer que centenas de candidatos que concorreram sub judice agora exigirão da Justiça Eleitoral suas posses, o que pode até mesmo alterar a composição das Câmaras de Vereadores. Ou até mesmo eleger algum prefeito.

O mais espantoso é que a Lei da Ficha Limpa foi colocada sob o escrutínio do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012, e considerada constitucional pela maioria. O ponto específico agora alterado liminarmente pelo novo ministro foi analisado e considerado compatível com a Constituição e com a vontade do legislador, o Congresso Nacional.

O atual presidente do Supremo, Luis Fux, que era o relator do processo, tinha na ocasião a mesma opinião de Nunes Marques agora. Achava que a inelegibilidade, passando a contar somente a partir do fim da pena, era exagerada. O ministro Cezar Peluso, já aposentado, teve a mesma opinião, mas o ministro Marco Aurélio Mello rebateu o argumento lembrando que a utilização de recursos sobre recursos fazia com que a inelegibilidade não tivesse efeito prático, rejeitando a proposta de subtração do tempo decorrido entre a condenação e o julgamento dos recursos.

Sendo assim, a decisão monocrática do juiz novato foi contra um ponto da Lei da Ficha Limpa que já foi debatido pelo plenário, o que agrava a percepção de que, no Supremo, cada ministro é uma ilha que não se comunica com os outros, nem com as decisões já tomadas, sem que haja razão para um novo julgamento, mas apenas uma opinião pessoal

O caso, de todo modo, será avaliado pelo plenário depois do recesso, mas há uma movimentação no Supremo para que Nunes Marques altere sua decisão, para evitar o caos na justiça eleitoral. Ele pode definir que a medida só vale para a próxima eleição, para evitar que os tribunais eleitorais fiquem abarrotados de recurso durante o período de diplomação dos novos prefeitos e vereadores, ou, no limite, o presidente do Supremo, ministro Luis Fux, pode suspender essa liminar, com base exatamente em que essa lei já foi considerada constitucional pelo próprio STF.

Embora essa medida radical seja defendida por setores do judiciário, Fux parece inclinado a resolver o impasse pelo diálogo. A atuação do Supremo durante o recesso, que começou dia 20 de dezembro e vai até o dia 6 de janeiro, também está em discussão, pois quatro ministros já comunicaram que continuarão trabalhando nesse período.

Os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes e Marco Aurélio Mello, com isso, reduzem o poder do presidente Luis Fux, que fica de plantão durante o recesso com poder de decisão. Aliados de Luis Fux garantem que o Regimento do Supremo não autoriza essa atitude, e o presidente parece decidido a exercer seu poder integralmente. Sendo assim, qualquer decisão a ser tomada no recesso dependerá apenas do ministro Luis Fux, que poderá cassar liminares que considere injustificáveis.

Merval Pereira, jornalista - O Globo


sábado, 9 de novembro de 2019

Lula livre, e agora Bolsonaro? - O Estado de S.Paulo

Marco Antônio Teixeira

A principal dúvida sobre o efeito da liberdade de Lula refere-se ao impacto no governo

O retorno físico do ex-presidente Lula à cena política terá inevitavelmente impactos no atual cenário político brasileiro. Vai afetar diretamente o comportamento de Ciro Gomes, que terá um rival altamente credenciado para falar como voz contrária ao governo Bolsonaro, o que certamente fará com que o ex-governador do Ceará repense o tiroteio verbal que antes dirigia contra o PT na busca de se consolidar como líder da oposição e alternativa ao centro. [o Ciro se posiciona igual biruta = sempre no  sentido do vento.] 

Liberado da narrativa da campanha Lula Livre, o PT poderá qualificar melhor a sua atuação enquanto oposição no Legislativo, algo que não conseguia fazer e cujo espaço era ocupado por parlamentares de partidos menores como PSOL e Rede. Também pode se planejar, aproveitando justamente da presença física da sua principal liderança, para a disputa das eleições municipais de 2020. Todavia, a principal dúvida acerca do efeito da liberdade de Lula refere-se ao impacto que a mesma terá sobre o governo Bolsonaro.

Numa perspectiva mais otimista para os bolsonaristas, Lula solto pode diminuir a cisão e a guerra interna no PSL, bem como conter a fuga de apoiadores do governo pelo simples ressurgimento do perigoso “inimigo comum”. Talvez isso explique em parte o silêncio do governo e de aliados antes ferozes em torno da possibilidade da liberdade de Lula. [uma explicação bem mais simples para o silêncio do governo Bolsonaro e seus aliados em relação a soltura, temporária, de um condenado preso em julgamento não anulado, é que a libertação, temporária - devido a frouxa legislação penal brasileira - poderia ter ocorrido já em setembro. 
Houve tempo para adaptação a conviver com mais uma serpente no serpentário.
Tem espaço para outra consideração:
A suprema decisão se aplicou à esfera penal, a Lei de Ficha Limpa não foi modificada e Lula teve sua condenação confirmada por órgão colegiado.]

Numa perspectiva menos otimista para o governo, Lula Livre pode organizar a oposição de rua e dar mais coordenação à oposição parlamentar e polarizará com o bolsonarismo. Talvez seja isso o que Jair Bolsonaro queira e isso que o PT também deseje. Parece que existe um sentimento comum a ambos: o triunfo de um depende da presença do outro [o PT só pode ser eliminado se presente.]  Entretanto, é preciso ver se a sociedade vai novamente se dividir entre esses dois polos ou se será possível apostar numa saída ao centro, que sequer deu sinal de vida.

Marco Antônio Teixeira - O Estado de S. Paulo



segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Perigo de retrocesso



Uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) está causando polêmica, pois altera um ponto central da Lei do Ficha Limpa, liberando a maioria dos prefeitos que são considerados inelegíveis ao terem suas contas rejeitadas pelos tribunais de contas municipais. O Plenário do STF decidiu que somente a votação da Câmara Municipal pode confirmar a inelegibilidade do Prefeito e, em caso de omissão dos vereadores, o parecer emitido pelo Tribunal de Contas não gera a inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar 64/1990, conhecida como da Ficha Limpa.

Essa a decisão é a parte mais polêmica, pois um prefeito que teve as contas rejeitadas por um tribunal pode permanecer impune para sempre desde que consiga que os vereadores não se reúnam para analisar suas contas. Para se ter uma ideia, o Congresso Nacional tem contas de governos anteriores que ainda não foram analisadas. O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas vê apenas um problema na decisão do Supremo, que de resto considera em consonância com a modelagem constitucional no plano federal: quando se trata da ordenação de despesas por parte dos prefeitos e governadores:  “O TCU "julga" as contas de todos os gestores (ministros, dirigentes de estatais e autarquias etc) de recursos federais, exceto o Presidente da República (que é julgado pelo Congresso com base no parecer prévio do TCU). Por simetria, não me parece desarrazoado que os TCEs/TCMs também tenham competência para julgar todos os gestores e, quanto ao chefe do Executivo, disponham apenas de atribuição opinativa (exatamente como o TCU)”, diz ele.

Na verdade, tecnicamente os TCEs/TCMs têm até mais poder que o TCU, pois para derrubar o parecer é exigido quórum de 2/3. No plano federal não existe esse quórum qualificadíssimo, reforça Bruno Dantas. Há, porém, um aspecto importante a ser considerado, ressalta o ministro do TCU: o Presidente da República não ordena despesas. O que o Congresso julga (com auxílio do parecer do TCU) são as contas da gestão. No caso dos Prefeitos, além das contas de gestão, muitas vezes eles ordenam despesas diretamente.  “Creio que nesses casos (e somente neles), os Prefeitos se igualam aos demais gestores e deveriam se sujeitar ao julgamento dos tribunais de contas. Como, no julgamento desta semana, o STF não fez essa distinção, a equação não fecha e criou-se uma incoerência relevante: os prefeitos, quando ordenam despesas com recursos federais, são julgados diretamente pelo TCU, mas o mesmo não acontece com os TCEs quando são ordenadas despesas com recursos estaduais ou municipais”.

Também o procurador Júlio Marcelo Oliveira considerou um retrocesso a decisão do STF "Ao negar aos tribunais de contas a competência para julgar as contas de prefeitos que atuem como ordenadores de despesa, o STF negou vigência ao artigo 71, inciso II, da Constituição, e esvaziou em 80% a aplicação da Lei da Ficha Limpa, alimentando a impunidade que assola nosso país. Não é razoável o STF esvaziar a lei da ficha limpa por causa das deficiências dos tribunais de contas que ele mesmo não ajuda a combater".  O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral pretende apresentar ao STF um embargo de declaração para tentar reverter a decisão de limitar o alcance dos pareceres dos tribunais de contas municipais. O Supremo ainda tem condições de esclarecer sua decisão, alterando o alcance da medida para compatibilizá-la à vigência da lei de Ficha Limpa.

Fonte: O Globo – Merval Pereira