Uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF)
está causando polêmica, pois altera um ponto central da Lei
do Ficha Limpa, liberando a maioria dos prefeitos que são considerados
inelegíveis ao terem suas contas rejeitadas pelos tribunais de contas
municipais. O Plenário do STF decidiu que somente
a votação da Câmara Municipal pode confirmar a inelegibilidade do Prefeito
e, em caso de omissão dos vereadores, o parecer emitido pelo Tribunal de Contas
não gera a inelegibilidade prevista no artigo 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar 64/1990,
conhecida como da Ficha Limpa.
Essa a decisão é a parte
mais polêmica, pois um prefeito que teve as contas
rejeitadas por um tribunal pode
permanecer impune para sempre desde que consiga que os vereadores não se
reúnam para analisar suas contas. Para se ter uma ideia, o Congresso Nacional
tem contas de governos anteriores que ainda não foram analisadas. O ministro do
Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas vê
apenas um problema na decisão do Supremo, que de resto considera em consonância com a modelagem constitucional no
plano federal: quando se trata da ordenação de despesas por parte dos
prefeitos e governadores: “O TCU "julga" as contas de todos
os gestores (ministros, dirigentes de estatais e autarquias etc) de recursos federais, exceto o Presidente da
República (que é julgado pelo Congresso com base no parecer prévio do TCU). Por simetria, não me parece desarrazoado
que os TCEs/TCMs também tenham competência para julgar todos os gestores e,
quanto ao chefe do Executivo, disponham apenas de atribuição opinativa (exatamente
como o TCU)”, diz ele.
Na verdade, tecnicamente os TCEs/TCMs têm até mais
poder que o TCU, pois para derrubar o parecer é exigido quórum de 2/3. No
plano federal não existe esse quórum qualificadíssimo, reforça Bruno Dantas.
Há, porém, um aspecto importante a ser considerado,
ressalta o ministro do TCU: o Presidente da República não ordena despesas. O
que o Congresso julga (com auxílio do
parecer do TCU) são as contas da gestão. No caso dos Prefeitos, além das contas de gestão, muitas vezes
eles ordenam despesas diretamente. “Creio que nesses casos (e somente neles),
os Prefeitos se igualam aos demais gestores e deveriam se sujeitar ao
julgamento dos tribunais de contas. Como, no julgamento desta semana, o STF não
fez essa distinção, a equação não fecha e criou-se uma incoerência relevante:
os prefeitos, quando ordenam despesas com recursos federais, são julgados
diretamente pelo TCU, mas o mesmo não acontece com os TCEs quando são ordenadas
despesas com recursos estaduais ou municipais”.
Também o procurador Júlio
Marcelo Oliveira considerou um
retrocesso a decisão do STF "Ao
negar aos tribunais de contas a competência para julgar as contas de prefeitos
que atuem como ordenadores de despesa, o STF negou vigência ao artigo 71,
inciso II, da Constituição, e esvaziou em 80% a aplicação da Lei da Ficha
Limpa, alimentando a impunidade que assola nosso país. Não é razoável o STF
esvaziar a lei da ficha limpa por causa das deficiências dos tribunais de contas
que ele mesmo não ajuda a combater". O Movimento de Combate à Corrupção
Eleitoral pretende apresentar ao STF um embargo de declaração para tentar
reverter a decisão de limitar o alcance dos pareceres dos tribunais de contas
municipais. O Supremo ainda tem
condições de esclarecer sua decisão, alterando o alcance da medida para
compatibilizá-la à vigência da lei de Ficha Limpa.
Fonte:
O Globo –
Merval Pereira
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