Capítulo 14 do Livro O CHEFE de Ivo Patarra
Dona
Marisa Letícia, a
primeira-dama, mandou fazer um canteiro de quatro metros de diâmetro com flores
vermelhas em forma de estrela, o símbolo do PT, nos jardins do Palácio da
Alvorada. Tentou caracterizar a residência oficial do
presidente da República como uma sede do partido.
Luís
Cláudio Lula da Silva, filho do presidente, usou avião da FAB (Força Aérea Brasileira) com 14 amigos. Foi
durante as férias de 2004. O deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ)
tentou de todos os modos verificar a veracidade da história. Só conseguiu
confirmar a mordomia junto ao Gabinete
Institucional da Presidência da República. Antes, havia feito sucessivos
requerimentos à Secretaria-Geral da Presidência da República, Ministério da
Casa Civil e Ministério da Defesa. Ninguém admitia o
uso do avião oficial. Mas existiu.
Cinco
anos depois, em outubro de 2009, Lula nem deu atenção ao caso. Desta vez quem pegou carona no avião do governo foi Fábio Luís Lula da Silva, o "Lulinha",
filho mais velho do presidente. Ele
e 15 acompanhantes. O "Sucatinha",
um Boeing 737 da FAB, já estava perto de Brasília quando o piloto recebeu ordens
para voltar a São Paulo e pegar a turma do Lulinha. O presidente do Banco Central,
Henrique Meirelles, também voou na aeronave, que seguiu novamente para Brasília. O Palácio do Planalto só informou que Lulinha e os amigos
eram convidados do presidente da República. Ponto final.
De acordo
com relato do economista Paulo de Tarso Venceslau, o amigo de Lula, Paulo Okamotto, resolveu um problema provocado por Lurian
Cordeiro Lula da Silva, filha do presidente. Eram tempos da eleição para
o Palácio do Planalto de 1994. Lurian teria saído de
uma loja em São Paulo sem pagar pelas
mercadorias que levara consigo. A missão de Paulo Okamotto era pagar
pelos produtos evitando que a história vazasse para os jornais. Ele conseguiu.
Em junho
de 2009, o marido de Lurian, Marcelo Sato, foi acusado de tráfico de influência em
transações que envolviam a execução de obras no porto de Itajaí (SC). O
Governo Federal tinha liberado R$ 350
milhões para reconstruir as instalações do porto, mas
haveria 19 irregularidades na contratação de empreiteiras. Marcelo Sato
participou de reunião para discutir as obras ao lado do deputado Décio Lima (PT-SC), um ex-superintendente do
porto.
Na época, o genro de Lula era
assessor da deputada estadual Ana Paula (PT-SC),
mulher de Décio Lima. O procurador Marcelo da Mota disse ao repórter
Hugo Marques, da revista Isto É,
que Marcelo Sato seria investigado: - Há indícios para investigar a intervenção
de Marcelo Sato junto a órgãos do Governo Federal.
Sandro Luís Lula da Silva, outro
filho do presidente, foi funcionário-fantasma do PT. Os repórteres Lílian
Christofoletti e José Alberto Bombig, da Folha de S.Paulo,
revelaram o caso. Contratado por R$ 1.522, Sandro Luís
prestava "serviços à
distância". Empregado do PT durante mais de três anos, Sandro Luís
teria passado a prestar serviços em casa, em São Bernardo do Campo (SP), desde
que o pai se tornara presidente da República.
Deram
diversas explicações. Numa primeira
versão, o PT informou que o filho de Lula nunca
trabalhara no partido. Depois, o PT alegou que o
rapaz deixou de ser funcionário em meados de 2002. E, por fim, o partido informou que ele fora desligado dos
quadros da legenda "há uma ou
duas semanas", ou seja, em junho de 2005, na mesma época em que a
reportagem foi publicada.
Os
repórteres ouviram o presidente do PT de São Paulo, Paulo Frateschi: - Ele não ia todos os dias. Às vezes,
aparecia um dia por semana, um dia por mês. Ele não precisa ir ao diretório
para trabalhar. Trabalha na casa dele, até porque precisa apenas de um
computador para realizar o serviço. Paulo Frateschi
não informou quais serviços Sandro Luís prestava ao PT.
Quem ocupou páginas de
jornal foi Fábio Luís Lula da Silva – o Lulinha. O jornal O Globo, do Rio, publicou em julho de 2005 que a Telemar, uma das maiores operadoras de telefonia do País, havia comprado ações
da Gamecorp, empresa de Lulinha. Note-se que a Telemar, concessionária de
serviço público, era constituída com recursos do BNDES (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social), Banco
do Brasil e fundos de pensão de
empresas estatais. A notícia falava na aplicação de R$ 5 milhões na Gamecorp. Com o
negócio, a
Telemar disporia de ações da empresa de Lulinha e do direito de usar programas de jogos produzidos pela
Gamecorp em telefones celulares.
Lulinha havia montado a
Gamecorp, com capital de R$ 10 mil, numa sociedade firmada no ano anterior com Kalil e
Fernando Bittar, filhos de Jacó Bittar, velho
amigo de Lula, nomeado por influência do presidente
como conselheiro da Petros, o fundo de pensão dos funcionários da Petrobras.
O negócio com a Telemar elevou a R$ 7 milhões a
expectativa de faturamento da Gamecorp em 2006. A transação foi
intermediada pela BDO Trevisan, empresa de consultoria de Antoninho Marmo
Trevisan. Ele era outro amigo de Lula,
nomeado para o Conselho de Ética Pública da Presidência da República.
Para
ganhar a vida, Lulinha dava aulas de
informática. Teve rápida ascensão com a eleição do pai. A Telemar
patrocinou viagens dele aos Estados Unidos, Japão e Coreia. O caso da Gamecorp eclodiu no meio da crise do escândalo do
mensalão. Antes de viajar para a França, Lula aproveitou uma reunião
ministerial para repelir as denúncias de favorecimento à empresa do filho: - Estão
querendo mexer na minha vida privada. Isso é uma baixaria, um golpe baixo, um
desrespeito. Isso é irracional. [vida
privada com dinheiro público.]
Dois
meses depois, o banqueiro Daniel Dantas, dono do grupo
Opportunity, prestou depoimento às CPIs dos Correios e do Mensalão. Reconheceu ter bancado almoços e jantares para Fábio Luís
Lula da Silva em 2003, durante viagem de Lulinha ao Japão. Daniel Dantas disse que a Brasil Telecom fez gestões para
comprar a Gamecorp. Chegou a
pagar R$ 100 mil mensais para a Gamecorp fornecer
conteúdo ao portal da Brasil Telecom na internet, antes de frutificar o negócio de Lulinha com a Telemar.
A
empresa do filho do presidente da República voltou a ser notícia em 2006, com a revelação de que a Telemar decidira injetar R$
5 milhões por ano em patrocínios e produções dos programas de televisão da Gamecorp.
Em três anos, o pacote da concessionária de serviço público à empresa do filho
do presidente da República chegaria a R$
15 milhões.
Com o sucesso empresarial, a
Gamecorp, especializada em videogames e programas de jogos eletrônicos para
televisão, passou
a comprar parte da programação da TV Bandeirantes e da Mix TV. A Gradiente anunciou nos programas da Gamecorp. O dono
da empresa, Eugênio Staub, foi dos primeiros homens de negócio a apoiar Lula
nas eleições de 2002. A Sadia, outra grande empresa,
também passou a patrocinar os programas da Gamecorp. Lá, outro empresário de sucesso ligado a Lula
fez carreira. Trata-se de Luiz Fernando Furlan, ministro do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior no primeiro mandato do
presidente Lula.
Em junho
de 2006, anunciou-se que a Gamecorp
passaria a se chamar Game TV, a partir de uma parceria com o Canal 21, do grupo
da TV Bandeirantes, que também mudava o nome para PlayTV. A empresa de
Lulinha coordenaria seis horas diárias de programação, com a exibição de
programas sobre games, videoclipes e atrações para o público infantil. O
contrato tinha duração prevista de dez anos.
Não foram
divulgados dados sobre o faturamento da empresa de Lulinha, mas a TV
Bandeirantes admitiu que R$ 250 mil do montante de R$
3,1 milhões de verbas publicitárias que
irrigariam os cofres da PlayTV e da Gamecorp, em 2006, viriam de empresas e órgãos federais. No
final de 2005, a revista Veja contou a história de Genival
Inácio da Silva, o "Vavá", o mais velho dos seis irmãos do presidente Lula. Metalúrgico aposentado, ele abrira escritório para intermediar
pedidos de empresários junto a prefeituras do PT, empresas estatais e órgãos do
Governo Federal. Fazia tráfico de influência.
Da reportagem
de Marcelo Carneiro e Camila Pereira:
"Vavá, filiado ao PT, confirmou a Veja que
recebe e encaminha pedidos de empresários interessados em 'trabalhar com o
governo', mas disse que, 'por enquanto', não recebeu nenhum pagamento pelo
serviço. 'Até agora ninguém pagou nada ainda. Espero ganhar um dia'."
O irmão
de Lula começou negando aos repórteres que exercesse o papel de intermediário
para empresários. Disse que seu escritório prestava
"assessoria social para pessoas que precisam". Depois, Vavá
confessou: - Se o presidente tem
empresários que procuram ele para fazer negócio, nada melhor do que você
ajudar.
Admitiu ter mantido contato com César Alvarez, assessor
especial do presidente Lula, e Edimilson Antonio Sant'Anna, diretor de
Operações da Petrobras Distribuidora. Tudo
por solicitação de empresários da Federação Brasileira de Hospitais, do
advogado Daniel Freire Garcia e de um executivo do ramo da construção civil,
identificado por Vavá como José Ernesto.
O irmão de Lula reconheceu que ia amiúde a Brasília, com passagens aéreas pagas por empresários. Para
fazer o quê? - Passear.
(...)
A Polícia Federal desferiu a
Operação Xeque-Mate em 4 de junho de 2007. Prendeu 79 pessoas
acusadas de pertencer a uma organização criminosa ligada à exploração de
máquinas caça-níqueis. Cerca de 600 agentes federais foram mobilizados
em Mato Grosso do Sul, Rondônia, Paraná, Minas Gerais e São Paulo. Entre os presos havia empresários, advogados, policiais civis
e policiais militares. Eles foram acusados de contrabando de componentes
eletrônicos para caça-níqueis, corrupção e tráfico de drogas. A organização
movimentaria R$ 250 mil por dia. Durante a ação, dezenas
de carros de luxo, caminhões, máquinas de jogo, dólares e ouro foram
apreendidos.
A Operação Xeque-Mate
iria prender Vavá.
A Polícia
Federal chegou a pedir a prisão do irmão de Lula, mas a Justiça indeferiu.
Autorizou apenas uma operação de busca e apreensão na casa dele, situada na
Vila Paulicéia, em São Bernardo do Campo (SP). Os federais vasculharam a residência e
indiciaram Vavá por tráfico de influência e exploração de prestígio.
A
Polícia Federal também prendeu Dario Morelli Filho, cujo
filho tinha como padrinho o próprio presidente Lula. Na época, Dario Morelli Filho
ocupava cargo político na Prefeitura de Diadema (SP), cujo prefeito, José de
Fillipi Jr. (PT), fora o tesoureiro da campanha de reeleição de Lula em 2006. O
prefeito o afastou no mesmo dia. Amigo
de mais de 20 anos da família Lula da Silva, Dario
Morelli Filho foi acusado de formação de quadrilha, contrabando de componentes
para máquinas caça-níqueis, falsidade ideológica e corrupção ativa. Ele
daria dinheiro a policiais para não ser perturbado.
(...)
Durante
as investigações, a Polícia Federal interceptou uma série de ligações
telefônicas com autorização da Justiça. Nesta, captada às 19h45 de domingo, 25
de março de 2007, Vavá conversou com Nilton Servo para informar que Lula esteve
em sua casa naquele dia. De fato, apurou-se depois que o presidente passara o
domingo em São Bernardo do Campo, sem agenda oficial. No diálogo, "máquinas",
conforme a Polícia Federal, eram caça-níqueis.
O
primeiro a falar foi Vavá:
- O homem teve aqui hoje. O homem teve aqui hoje,
entendeu?
- Hein?
- O homem teve aqui hoje, entendeu?
- Entendi.
- Passou aqui, ficou uma hora e meia aqui.
- Falou com você?
- Conversou. Eu falei pra ele sobre o negócio das
máquinas lá. Ele disse que só precisa andar mais rápido, né?, bicho.
- Hein?
- Disse que só precisa andar mais rápido, viu? Tá
certo?
- Com certeza. Meu irmão.
- Hã?
- O Lula é meu irmão.
Dispensável falar da gravidade do
diálogo, envolvendo Lula. Três dias antes, em outra ligação, Vavá
pedira a Nilton Servo: - Ô, arruma dois pau pra eu?
Em 11 de
março, outro diálogo entre os dois. Começou com Nilton Servo: - Vou
ver se hoje eu coloco uma coisa pra você. Mas o mais certeza é amanhã. Porque
ontem eu tava em Caraguá, eu fui consultar um depósito que fizeram pra mim,
fizeram em cheque, daí não tinha liberado hoje.
- Põe uns cinco, tá bom?
Dois dias
depois, Nilton Servo ligou para Vavá: -
Meu cunhado tá em São Paulo, eu pedi pra ele, meu cunhado, Serra, pra entregar pessoalmente
aquele negócio. Falo com você amanhã, então.
Agora, um diálogo de deixar os
cabelos em pé. A conversa telefônica ocorreu duas semanas antes da deflagração da Operação
Xeque-Mate, entre Vavá e José
Ferreira da Silva, o "Frei Chico", outro irmão de Lula. Frei Chico foi o inspirador que levou Lula para o
sindicalismo. Ele atuava como consultor em sindicatos da região do ABC,
na Grande São Paulo.
Ressalte-se
que Frei Chico se apresentou como "Roberto" na
ligação a Vavá. A Polícia Federal demorou alguns dias até descobrir de
quem se tratava. Vavá, porém, sabia muito bem com quem falava, como se percebe
pelo diálogo. Os dois provavelmente já sabiam das
escutas telefônicas e trataram de manter a conversa a mais cifrada possível. Registre-se: anteriormente, o ministro da Justiça, Tarso
Genro (PT-RS), informara a Lula que havia investigações envolvendo Vavá. O
diálogo começou com Vavá:
- Sexta-feira eu preciso ir a Brasília.
- Sexta-feira? Acho que você... Quero conversar
sobre isso mesmo, cara.
- Hum?
- Não vai sem falar comigo, não. Porque tem, tem
uma bronca da porra.
- De quê?
- Não sei, Vavá. Depois te falo, tá?
- Tá bom. (...) Ah, vou de manhã e volto à tarde,
num voo só. Vou conversar com o Lula mesmo.
- Eu dev... O Lula quer que você vá lá, ouvi-lo
à noite, pra conversar com ele à noite.
- Hã?
- Tá? Então eu quero ver com você direito isso.
(...) Ele quer que eu vá com você, mas se você for sozinho, ele também... Tá?
Quer conversar na casa dele, tranquilo, tá? Então vamos pensar num dia aí.
- Eu só vou de tarde e vou voltar, não vou ficar
lá, não.
- É, mas... Vavá, eu quero saber... Vavá, por
que tem umas bronca lá, que você anda apresentando uma pessoa lá nos
ministérios e ele...
- Eu?
- Vavá! Depois nós conversa, tá?
Dois dias
depois, em outra conversa telefônica, Vavá confirmou estar informado sobre as
investigações da Polícia Federal. Ele pediu R$ 2 mil ao
interlocutor, identificado como Rinaldo. O dinheiro seria pagamento por
suposto lobby nos Correios. Vavá explicou por que evitou ir a Brasília: - Eu não fui porque a Polícia Federal está
filmando muito, né?, Rinaldo. Vou esperar passar mais uns dias, aí eu vou lá.
(...)
Em 17 de
junho de 2007, dava-se como certa a denúncia do
Ministério Público Federal contra Dario Morelli Filho, o compadre de Lula, e
Genival Inácio da Silva, o Vavá, irmão mais velho do presidente. Os dois seriam acusados de envolvimento em
"poderosa
organização criminosa", responsável pela exploração de jogos de
azar. O relatório da Polícia Federal sobre o caso informava que "a característica mais marcante dos
grupos criminosos investigados é, sem dúvida, a continuidade delitiva".
Do relatório: "Embora tenham sido realizadas no decorrer das investigações
diversas apreensões de máquinas de caça-níqueis, o fato é que em nenhum momento
essas operações policiais foram capazes de inibir as ações dessas organizações
criminosas, que continuaram operando normalmente, não interromperam suas
atividades delituosas".
Dois dias
depois, o
Ministério Público Federal denunciou 39 pessoas, incluindo Nilton Cezar Servo e
Dario Morelli Filho, o compadre de Lula. Vavá,
porém, para surpresa dos policiais federais que conduziram as investigações,
acabou sendo poupado.
Deixaram de fora o irmão do
presidente.
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